Valor econômico, v.19 , n.4506 , 18/05/2018. Opinião, p. A10

 

Empresas de vanguarda em pacto pelo desmatamento zero

Marina Piatto

Lisandro Inakake

Isabel Garcia-Drigo

18/05/2018

 

 

Várias corporações em todo o mundo já perceberam que precisam fazer o bem, fazer o correto e assim acelerar sua própria estratégia corporativa. Elas estão revisando suas estratégias para criar algo que seja duradouro e positivo para a sociedade e não apenas para seus acionistas. A adesão aos compromissos de desmatamento zero já assumidos por grandes empresas do setor agropecuário, dentro e fora do Brasil, é, em parte, resultado desta mudança de comportamento entre as empresas.

O artigo de Michael Porter e Mark Kramer, "Criando Valor Compartilhado" 1 é uma referência a essa tendência de se comprometer com "operações responsáveis". Empresas de vanguarda como Nestlé, L'Oreal, Coca Cola e PWC, entre outras, já adotaram uma abordagem proativa que prevê nas suas estratégias a agregação de valor em cada elo da cadeia produtiva. Elas também fazem parte da Iniciativa para o Valor Compartilhado2, que inclui organizações da sociedade civil das mais diferentes bandeiras. Atores historicamente antagonistas estão cada vez mais sentados em volta da mesma mesa.

No Brasil, o sucesso da Moratória da Soja na Amazônia mostra que um esforço de múltiplas partes pode dar resultados ambientais efetivos. Por outro lado, o Manifesto do Cerrado, lançado por um extenso conjunto de organizações não-governamentais já soma mais de 60 signatários, entre eles empresas globais como McDonald's, Unilever e Walmart.3

Na mesma linha de pensamento, o britânico Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (IIED) destaca a necessária noção de responsabilidade compartilhada4. A ênfase é envolver os diversos atores sociais para desenhar e aplicar ações em toda a cadeia produtiva para garantir um bom desempenho social, econômico e ambiental.

Estes conceitos podem ser muito bem aplicados para fazer avançar os compromissos de desmatamento zero. Os dados disponíveis para o Cerrado ilustram a importância de comprometimento adicional. Uma agenda simplesmente de cumprimento da legislação autoriza a supressão de cerca de 40 milhões de hectares de vegetação nativa neste bioma. Contudo, o Cerrado possui estoques de carbono substanciais, de aproximadamente o equivalente a 13,7 bilhões de toneladas de CO2 5. Portanto, o desmatamento no Cerrado compromete as metas assumidas pelo Brasil diante da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU - o Acordo de Paris.

Obviamente, há de se reconhecer os desafios a serem superados. Pesquisadores britânicos do IIED levantaram para o setor de óleo e gás três principais obstáculos que parecem também bem visíveis no setor agropecuário:

1- Falta de um senso de responsabilidade compartilhada. Do lado produtivo, viabilizar a regularização ambiental parece que recai somente sobre o produtor. Os controles da porteira das fazendas para fora são cobrados das indústrias como se elas pudessem substituir totalmente a governança pública.

2- Implementação parcial dos compromissos. O que foi acordado precisa ser implementado. Muitos compromissos ligados ao desmatamento zero estabelecem o prazo de até 2020 para as empresas livrarem seus produtos dos vestígios do desmatamento. Há menos de dois anos para o prazo se esgotar, os avanços concretos nas cadeias ainda são parciais.

3- Modelos não podem ser generalizados. É preciso ter a clareza de que modelos técnicos, econômicos e financeiros únicos não resolverão tudo em todos os lugares. Tanto no Cerrado como na Amazônia existem dinâmicas territoriais próprias, determinadas pelos aspectos biofísicos, humanos e políticos.

Ações imediatas para enfrentar este desafio devem considerar um planejamento colaborativo para a implementação dos compromissos. O recém formado Grupo de Trabalho do Cerrado (GTC) é um novo espaço promissor. O diálogo entre múltiplas partes constitui uma arena sócio-política fértil para pensar de forma ampla os rumos do desenvolvimento das regiões de expansão da soja, visando alcançar no prazo mais curto o objetivo de eliminar o desmatamento no bioma Cerrado. Para isso, no espírito da responsabilidade compartilhada será necessário acordar o balanço necessário entre obrigações ambientais, sociais e as recompensas (ou compensações, quando for o caso).

Finalmente, o sucesso na obtenção de bons resultados sociais e ambientais fortalecerá a "licença social para operar" do setor agropecuário e sua capacidade de responder de forma eficaz às expectativas das partes interessadas. Mas isso exigirá um esforço conjunto em toda a cadeia, seja da soja, seja da carne bovina, e entre a sociedade.

1- Porter, E.M.E, Kramer, R. M. 2011.Creating Shared Value. Harvard Business Review. January-February issue. hbr.org/2011/01/the-big-idea-creating-shared-value

2- Shared Valued Initiative: https://www.sharedvalue.org

3- 61 empresas compradoras de carne e soja do Brasil se comprometem a interromper o desmatamento do Cerrado. https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?63222/61-empresas-

4- Wilson, E., Kuszewski, J. (2011). Shared value, shared responsibility. A new approach to managing contracting chains in the oil and gas sector. www20.iadb.org/intal/catalogo/PE/2011/08406.pdf

5- Sawyer et al. 2016. Perfil de Ecossistema Hotspot de Biodiversidade do Cerrado.http://legacy.cepf.net/SiteCollectionDocuments/cerrado/CerradoEcosystemProfile-PR.pdf