Valor econômico, v.19, n.4541, 09/07/2018. Brasil, p. A2

 

Setor público pode cortar gasto de pessoal sem alterar leis, diz estudo

Marta Watanabe 

09/07/2018

 

 

A redução de despesa de pessoal nos governos regionais demanda em grande parte revisão de leis ou estatutos dos servidores públicos. Uma parcela, porém, pode ser feita com mudanças administrativas pelo Poder Executivo.

Levantamento da consultoria Oliver Wyman com base em dados de seis entes subnacionais mostra que mudanças em leis e normas gerais relacionados à despesa de pessoal podem reduzir em até um terço o gasto com folha num período de quatro anos. Dessa redução, cerca de 30% pode ser conseguida sem revisão de leis ou estatutos que necessitam de aprovação na Assembleia Legislativa ou na Câmara de Vereadores.

O trabalho buscou identificar alterações tanto para reduzir despesas quanto para aumentar eficiência no serviço público. Pela proposta, a discussão do fim da estabilidade do servidor público é apenas uma das alterações necessárias para uma redução sustentada do gasto, que inclui não somente a folha dos funcionários ativos quanto dos inativos.

O levantamento baseou-se num pente fino em leis, regulamentos e procedimentos relacionados às despesas com pessoal. Num dos entes analisados, foram encontradas 24 medidas para reduzir gastos e elevar eficiência da máquina pública. Dentre as alterações detectadas, 17 demandam mudança de leis como estatutos do servidor ou de carreiras públicas, o que torna mais complexa e demorada a alteração, já que deve ser submetida à eventual resistência política e à aprovação do Legislativo. Outras sete medidas envolvem mudanças mais estruturais que têm sido adotadas pelo setor privado.

As projeções do impacto financeiro do conjunto de medidas detectadas mostra que a redução no primeiro ano seria de 4,6% da despesa de pessoal. Mas o impacto financeiro seria potencializado ao longo dos anos, principalmente com medidas que são consideradas pontos-chave pelo trabalho, como a racionalização das evoluções automáticas de vencimento. Outras medidas já trariam um impacto financeiro médio no primeiro ano, mas teriam aumento em períodos subsequentes, à medida que a mudança for aperfeiçoada. Ao fim do terceiro ano, o impacto esperado é de 21,2% e, no fim do quarto ano - levando em conta o ciclo de um mandato -, a redução projetada é de 33,2%.

Entre as medidas que já existem no setor privado e que poderiam ser adotadas no setor público sem necessidade de mudança legal está a alteração dos processos de avaliação de performance dos servidores, diz a economista Ana Carla Abrão, sócia da Oliver Wyman. "Atualmente é comum no setor público todo mundo ganhar nota máxima. Existem hoje modelos de avaliação de performance que permitem premiar efetivamente os melhores. O prêmio deveria ser esporádico e ligado ao desempenho do funcionário. Mas hoje como todos obtêm o valor máximo na avaliação, todos ganham o prêmio." Assim, diz ela, essa remuneração adicional acaba sendo percebida como aumento salarial. "Isso é frustrante para quem se esforça."

Entre as principais mudanças em impacto financeiro e que necessitam de mudança de lei estão a revisão de critérios de promoção, como a cota anual de promoções que o setor público costuma ter, além da mudança de critérios para demitir e da exoneração de funcionários exercendo mais de um cargo público. Há também proposta de mudança para excluir benefícios "folclóricos", diz Ana Carla. Um exemplo é a exclusão da chamada promoção "post mortem" pela qual o pensionista recebe aumento do seu benefício porque o titular, servidor público morto, continua recebendo as progressões e promoções automáticas de sua carreira.

O próprio conjunto de leis, regulamentos e procedimentos relacionados à despesa de pessoal precisaria ser repensado, diz Ana Carla. Ela explica que atualmente levantar o conjunto de leis e normas aplicáveis nos governos regionais não é uma tarefa trivial. Municípios e Estados costumam ter, além do estatuto do servidor público, outros estatutos paralelos para cada carreira, o que dá origem a direitos, promoções e formas de remuneração específicas.

Isso, explica ela, torna necessário acessar uma enorme quantidade de informações que não estão reunidas num mesmo lugar, mas descentralizadas em sistemas e departamentos diferentes. Além disso, contribui para aumentar ainda mais o gasto com folha. "A secretaria de educação, por exemplo, pode ter cinco carreiras diferentes, do administrativo ao professor. Cada um com previsões diferentes para promoções, férias e absenteísmo, por exemplo. Não há homogeneidade, o que gera mais distorções ainda na gestão. Porque a tendência é uma carreira olhar para outra e daí acontecer um leilão de direitos e benefícios", diz a economista.

Ana Carla destaca que o foco na despesa de pessoal não acontece à toa. Esse é o gasto mais importante dos Estados. Na mediana de dados levantados pelo Tesouro Nacional no Programa de Ajuste Fiscal, a despesa significa 58% da receita corrente líquida. Em alguns entes, chega a 78%. Ainda segundo dados do Tesouro, a despesa com pessoal dos Estados subiu em termos reais até 70% de 2009 a 2015. A partir daí os governos regionais foram castigados com a queda de arrecadação, como resultado da crise. Isso acelerou o avanço do gasto com pessoal em relação às receitas.

Cada vez mais, diz Ana Carla, os Estados se dedicam a honrar a folha de pagamentos, sendo que alguns já não conseguem fazer mais isso em dia. "A discussão sobre gestão de pessoas dentro do setor público precisa ser enfrentada. Há problemas estruturais que precisam ser enfrentados, caso contrário todos os Estados irão caminhar para esse cenário mais crítico, cedo ou tarde." Além do impacto fiscal, ressalta, uma mudança na gestão de pessoal traz melhoria na máquina pública e aumento na qualidade do serviço prestado à população.

A empresa não divulga que Estados e cidades foram pesquisados.