Título: Irritação registrada em bilhete
Autor: Braga, Juliana ; Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 31/08/2012, Política, p. 5
Dilma Rousseff cobra ministras por não saber de acordo que viabilizou a aprovação da medida provisória sobre o novo marco ambiental e provoca crise com o Legislativo. Palácio pode vetar alterações no texto
Apesar de os parlamentares terem comemorado o acordo feito na quarta-feira para aprovar a medida provisória na comissão do Congresso que a analisa, a nova versão do texto desagradou ao Palácio do Planalto e provocou uma crise entre o governo e a base aliada. Durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, o Conselhão, na manhã de ontem, a presidente Dilma Rousseff foi flagrada com um bilhete em mãos, no qual questionava as ministras Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Ideli Salvatti (Secretaria de Relações Institucionais). A presidente queria saber por que ela não sabia "de nada" sobre o acordo para aprovar a MP. Pressionadas, as ministras desmentiram a participação nas negociações e chegaram a mencionar um possível veto.
Os parlamentares governistas recuaram e a oposição já ameaça desfazer o acordo. Nas edições de ontem, os jornais, incluindo o Correio, noticiaram que Planalto e ruralistas haviam acordado em aprovar a medida provisória com algumas mudanças (veja quadro).
Dilma foi fotografada lendo a resposta a seu bilhete, escrito à mão, durante uma cerimônia no Planalto. "Porque (sic) os jornais estão dizendo que houve um acordo ontem no Congresso sobre o Código Florestal e eu não sei de nada?", perguntava a presidente a Izabella e Ideli. A ministra do Meio Ambiente retrucou, afirmando não ter havido acordo, mas explicou que a posição do governo era de defesa da MP, com foco especial no modelo escalonado proposto para a recuperação nas margens dos rios, a chamada "escadinha", que havia sido mantida.
Em seguida, em discurso na reunião com políticos e empresários, a presidente desautorizou a negociação. Ela enfatizou que a "escadinha" é considerada fundamental para o governo e mandou ao Congresso o recado de que não toleraria mudanças na essência da MP. "O governo está aberto a negociações, mas não assume responsabilidade por negociações que não foram feitas com a presença dele. Gostaríamos de discutir, mas não assumimos responsabilidade por aquilo que não é discutido conosco", alfinetou. "O governo considera importante alguns itens dessa medida provisória, entre eles o que nós chamamos de "escadinha", e também não vê motivos econômicos para que nós não mantenhamos as áreas de proteção ambiental ao longo do leito dos rios, sejam eles perenes ou não."
Após a bronca, as ministras que receberam o puxão de orelha explicaram-se aos jornalistas. Ainda no Salão Oeste do Palácio do Planalto, Izabella atribuiu a responsabilidade do texto integralmente ao Congresso. "A posição do governo foi de não alterar a medida provisória, nas várias interlocuções. A própria presidente fez referência agora que o governo sempre está aberto para o diálogo, mas era extremamente precioso, para nós, a proteção dos rios e o chamado artigo da "escadinha", em que nós, na proposta do governo, fazíamos um equilíbrio entre o social e o ambiental", criticou. Já Ideli divulgou nota afirmando que a aprovação da MP "não teve aval ou concordância do governo federal", e que as duas ministras reforçaram aos integrantes da comissão ao longo da quarta-feira que o item referente à "escadinha" deveria ser mantido.
Reação O presidente da comissão especial, deputado Bohn Gass (PT-RS), e o senador Jorge Viana (PT-AC), que participou das negociações desde o início, confirmaram que o governo não opinou na etapa final do acordo, fechado na tarde de quarta. Na manhã de ontem, antes do bilhete de Dilma, Jorge Viana fez um discurso no plenário desmentindo a participação do Planalto no texto aprovado. "Houve muitas conversas no início da semana, mas no último dia fazíamos de tudo para salvar a MP, nem deu tempo de consultar o governo", explicou o senador ao Correio.
Ele relata ter conversado com a ministra Izabella somente depois da votação e ela "estava por fora" do que tinha acontecido. "O bilhete da presidente estava certo e a resposta das ministras também. O governo não fez concessão alguma, foi uma decisão soberana do Congresso no sentido de evitar um desastre", garante. "Quando a equipe do governo ler direitinho o texto, vai perceber isso e se acalmar."
O deputado Bohn Gass nega que a versão aprovada na quarta tenha desfeito a "escadinha" exigida pelo Planalto. "As alterações mantêm todo o espírito da diferenciação da agricultura familiar para as médias e grandes propriedades, como a presidente quer." O petista e o senador Viana, porém, demonstram incômodo com a possibilidade de o novo texto ser vetado pela presidente. "O erro foi lá atrás, quando os líderes da base indicaram para a comissão um número maior de ruralistas, impedindo qualquer avanço", destacou o senador.
Considerado o mais radical entre os ruralistas e causador do impasse que se estendeu na quarta, o vice-líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO), reagiu fortemente ao desmentido do governo. "Tal atitude eliminou qualquer chance de acordo no plenário e é a desmoralização de parlamentares governistas, que empenharam sua palavra para que a matéria fosse apreciada", criticou.
Análise da notícia Uma presidente que lê os jornais
Leonardo Cavalcanti
Alguns irão apontar um erro de português no bilhete da presidente Dilma Rousseff endereçado às ministras Izabella Teixeira e Ideli Salvatti. Sim, há um erro, logo no início da pergunta: um "porque" junto, quando deveria estar separado. É um detalhe, repito. O mais importante no bilhete é que Dilma reconhece a importância dos jornais impressos, ao contrário do que já afirmaram outros presidentes, incluindo aí o petista Luiz Inácio Lula da Silva. É preciso comemorar a leitura de Dilma.
A presidente mostra-se distante de ranços de políticos ultrapassados contra os repórteres, que apenas trabalham para o leitor, incluindo aí os integrantes da Esplanada dos Ministérios. Depois, é bom saber que temos no maior posto de comando no país alguém que utiliza informações produzidas pelos jornais impressos para cobrar resultados dos auxiliares. Um ponto a mais para a presidente.
Nova redação Confira as principais mudanças feitas pela comissão no texto do Código Florestal
» As regiões próximas a rios perenes e intermitentes, que secam em algumas épocas do ano, também passam a ser consideradas Área de Preservação Permanente (APPs), conforme defendido pelo governo. » Áreas desmatadas em propriedades médias, de 4 a 15 módulos fiscais, terão que ter ao menos 15 metros de mata recuperada. A MP previa a recuperação de 20 metros. » A recuperação de áreas desmatadas em grandes propriedades, com mais de 15 módulos fiscais, deve ser entre 20 e 100 metros, mas o valor exato será determinado no Programa de Regularização Ambiental (PRA), pelos estados. O trecho foi solicitado pela bancada ruralista.