Título: Major Curió responderá por crimes no Araguaia
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 31/08/2012, Brasil, p. 9
Acusado de comandar a repressão na Guerrilha, juíza recebe processo contra o militar. Para procuradoria, responsabilização é obrigatória
Em uma decisão inédita, a Justiça Federal no Pará aceitou denúncia do Ministério Público contra o coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió. Ele é acusado, assim como o major aposentado Lício Augusto Maciel, de ter sequestrado presos capturados na Guerrilha do Araguaia, na década de 1970. Os dois ex-militares serão os primeiros réus em um processo que apura crimes praticados durante a ditadura militar. Eles participaram da chamada Operação Marajoara, desencadeada na região para combater militantes comunistas.
A decisão foi tomada pela juíza da 2ª Vara Federal em Marabá, Nair Pimenta de Castro, que poderá analisar outros processos movidos pelo Ministério Público Federal. A Procuradoria da República no Estado afirma que a responsabilização penal de Curió e de Lício Maciel é uma obrigação do Brasil diante da sentença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que determinou, em 2009, a punição dos repressores da Guerrilha do Araguaia. O MPF alega que não há afrontamento da Lei da Anistia nem de qualquer julgamento sobre o tema que tenha sido realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme o processo aberto pelo MPF, Curió comandou a repressão no Araguaia, quando teria sequestrado Maria Célia, conhecida por Rosinha; Hélio Luiz Navarro Magalhães, o Edinho; Daniel Ribeiro Callado, o Doca; Antonio de Pádua Costa, o Piauí; e Telma Regina Cordeira Corrêa, a Lia. Todos eles foram capturados pela tropa comandada pelo então major, entre janeiro e setembro de 1974, quando a guerrilha já estava próxima do fim. Os presos foram levados para as bases de comando e submetidos a agressões físicas. Em seguida, desapareceram.
Doutor Luchini Durante a Guerrilha, Curió adotava o codinome de doutor Luchini, enquanto Lício era apelidado de doutor Asdrúbal, segundo a investigação do MP. Pela apuração dos procuradores, Lício foi responsabilizado no processo pela prisão de Divino Ferreira de Souza, o Nunes, que foi detido ilegalmente pelo Exército em 1973. Em uma emboscada, ele foi preso, torturado e também não foi mais localizado. Na ocasião de sua captura, Divino estava acompanhado de André Grabois, o Zé Carlos; João Gualberto Calatroni, o Zebão; e Antônio Alfredo de Lima.
"Não há notícias de sequer um militante que, privado de liberdade pelas Forças Armadas, durante a Operação Marajoara, tenha sido encontrado livre posteriormente", dizem os procuradores no pedido de denúncia. A operação aconteceu no fim da Guerrilha do Araguaia, quando, conforme o Ministério Público, houve um abandono do sistema normativo dos militares e começaram a acontecer as agressões e execução sumárias de militantes. Em São Paulo, tramita outra ação contra dois ex-integrantes do regime de repressão, o coronel Carlos Alberto Ustra — que comandou o extinto Departamento de Operações de Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (Codi) — e o delegado Dirceu Gravina, que respondem pelo sequestro do bancário Aluizio Palhano Ferreira, em 1971.
"Não há notícias de sequer um militante que, privado de liberdade pelas Forças Armadas, durante a Operação Marajoara, tenha sido encontrado livre posteriormente" trecho da denúncia
Comissão quer mudar óbito de Herzog A Comissão Nacional da Verdade recomendou ontem ao Juízo de Registros Públicos de São Paulo a retificação do registro de óbito do jornalista Vladimir Herzog. A comissão quer que conste no documento que sua morte ocorreu por causa de "lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório nas dependências do II Exército" e não "asfixia mecânica", como consta atualmente no laudo necroscópico e atestado de óbito. O requerimento foi feito por Clarice Herzog, viúva do jornalista. Além disso, serão enviadas à Justiça paulista a sentença do juiz federal Márcio José de Moraes, que determinou a abertura de um inquérito policial militar para apurar as circunstâncias da morte.