Valor econômico, v.19, n.4545, 13/07/2018. Especial, p. A10

 

Com bolsa para o ensino médio, jovens escapamde estatística triste

Beth Koike

13/07/2018

 

 

Há sete anos, no interior do Ceará, Wenderson de Oliveira e Carlos Alexandre Silva não imaginavam a reviravolta que suas vidas teriam. Alunos da rede pública, suas famílias não tinham renda suficiente para bancar bons colégios que os preparassem para ingressar em faculdades de primeira linha. Mas, hoje, Silva estuda no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos (SP), e Oliveira no Insper, na capital paulista. O horizonte dos dois ficou maior.

"No futuro, penso em montar um fundo para investir no Ceará", diz Oliveira, de 22 anos, aluno do último semestre da graduação de Economia no Insper. Silva, aos 23, está no terceiro ano co curso de Engenharia Civil no ITA e faz mestrado de Matemática na Unifesp. "Quando me aposentar, quero dar aulas para alunos que participam de Olimpíadas de Matemática", conta Silva.

Essa virada nas vidas dos dois jovens se deu quando ganharam bolsas de estudo para cursar o ensino médio em conceituados colégios privados de Fortaleza. Bem preparados, ingressaram em renomadas universidades. Assim, conseguiram escapar de estatísticas tristes, que há anos preocupam especialistas em educação.

Somente um terço dos alunos no país consegue concluir o fundamental II (do 6º ao 9º anos) com conhecimentos adequados na disciplina de língua portuguesa. Em matemática, essa proporção cai para um quinto, de acordo com dados da ONG Todos pela Educação.

Essa deficiência acadêmica faz com que 41,5% dos alunos, de até 19 anos, não terminem o ensino médio no Brasil.

Considerando os dados por região, a situação mais delicada ocorre no Norte do país, onde 55% dos jovens nessa faixa etária não se formam no ensino médio. No Nordeste, metade não termina a última etapa desse ciclo escolar. Já no Sudeste e Sul, esse percentual cai para 34,2% e 38,1%, respectivamente. No Centro-Oeste, 39,4% dos alunos de até 19 anos de idade não chega até o terceiro ano do ensino médio.

Ana Paula Paiva / ValorWenderson de Oliveira cursa o último semestre de Economia no Insper, já estagiou no Goldman Sachs e prepara-se para fazer um MBA em Harvard

Na etapa seguinte, o quadro piora. No ensino superior, metade dos calouros não tira o diploma universitário. Há duas razões básicas para isso: dificuldade em acompanhar o conteúdo didático das aulas devido à deficiência acadêmica acumulada na época da escola, em maior medida, e falta de recursos financeiros. A maioria dos alunos de baixa renda acaba estudando em faculdades privadas, pois os vestibulares das públicas são muito disputados.

Silva e Oliveira, que conseguiram escapar desse quadro lamentável, fazem parte de um grupo seleto, dos primeiros bolsistas da Primeira Chance. Esta instituição sem fins lucrativos concede bolsas de estudos para alunos de baixa renda do ensino médio. O trabalho começou no Ceará, mas espalhou-se a vários Estados.

De 2011, ano de fundação da ONG, até agora, 33 jovens foram beneficiados pelo programa de bolsas. Estão matriculados em importantes universidades em cursos como Medicina, Engenharia e Direito. Há outros 81 bolsistas cursando o ensino médio em colégios como Ari de Sá e Farias Brito, ambos no Ceará, Bandeirantes, Poliedro e Objetivo, em São Paulo, e Leonardo da Vinci, no Espírito Santo. Também participam do programa escolas da Bahia, Rio Grande do Sul e Piauí. Essas escolas não cobram as mensalidades desses alunos.

O ponto em comum entre esses jovens é o desempenho acadêmico acima da média no ensino fundamental e uma carência financeira que pode levá-los a abandonar os estudos. A maior parte deles é descoberta pelos "olheiros", um grupo de funcionários e voluntários da ONG que acompanham Olimpíadas de matemática e física.

Silva, que vivia no município de Amontada, no Ceará, foi um desses jovens localizados por um "olheiro" em 2011. "Ninguém da minha família tem diploma de ensino superior. Nunca tinha ouvido falar do ITA, só soube no ensino médio", contou Silva. Hoje, ele divide seu tempo entre a graduação de Engenharia no ITA, o mestrado em matemática na Unifesp e as aulas particulares que dá para outros alunos - atividade que lhe rende cerca de R$ 1 mil por mês.

Oliveira, que está terminando a graduação de Economia no Insper, chegou à Primeira Chance por meio de uma indicação de uma professora voluntária de matemática. "Ela leu uma reportagem do Valor Econômico de 2011 sobre a ONG e insistiu para que eu me inscrevesse no programa, mas confesso que só fiz por consideração a ela, que sempre me ajudava. Tive que ir a uma lan house porque não tinha computador em casa", diz ele, que, então, morava na cidade cearense de Caucaia.

Uma semana depois, Oliveira estava em Fortaleza sendo entrevistado por funcionários da ONG, ao lado da mãe. "Ela achava que era golpe, que iam me sequestrar. Naquele ano, estava passando uma novela em que os vários personagens eram sequestrados", conta, gargalhando. Aos 22 anos, Oliveira já fez estágio de 10 meses no banco Goldman Sachs e, atualmente, trabalha na consultoria americana Cambridge Family Enterprise Group.

Questionado se sua facilidade em matemática tem sido decisiva em seu desempenho escolas, Oliveira diz que "mesmo sendo bom aluno tive que correr muito atrás. Na minha primeira prova de matemática no colégio Ari de Sá tirei 3.4. Quando cheguei no Insper, vi que o nível dos demais alunos era altíssimo. O que posso dizer é que as pessoas não imaginam que elas podem. Eu nunca imaginei chegar onde estou e tem tantas outras conquistas possíveis". Seu próximo passo: um MBA em Harvard.