Correio braziliense, n. 20369, 26/02/2019. Mundo, p. 12

 

Saída pela diplomacia

26/02/2019

 

 

Venezuela - Reunidos em Bogotá, os países do Grupo de Lima rejeitam a opção militar para a crise venezuelana, defendida pelos Estados Unidos, e reafirmam a escolha de meios pacíficos e políticos para afastar Nicolás Maduro do poder

Após reunião extraordinária em Bogotá, o Grupo de Lima insistiu ontem que o presidente chavista da Venezuela, Nicolás Maduro, deve deixar o poder, mas reiterou a “convicção de que a transição para a democracia deve ser conduzida pelos próprios venezuelanos, pacificamente e no âmbito da Constituição e do direito internacional, apoiado por meios políticos e diplomáticos, sem o uso da força”. Ao apostarem uma solução pacífica, os governos que integram a articulação descartam a opção por uma intervenção militar contra Maduro, considerada pelos Estados Unidos e pelo autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, presente no encontro em Bogotá.

Recuo Coma presença de Guaidó, o encontro de ontem marcou o ingresso da Venezuela no Grupo de Lima. Segundo havia anunciado o deputado venezuelano Julio Borges, ele e o líder opositor iriam propor, aos aliados o uso da força para punir o regime chavista pelos episódios do último sábado.

No entanto, a proposta não foi apresentada. Em sua declaração final, lida pelo ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Carlos Holmes Trujillo, o Grupo de Lima pediu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que examine a repressão violenta e a “grave situação” que está gerando na Venezuela. O grupo solicitou ao TPI que seja “levada em consideração a grave situação humanitária na Venezuela, a violência criminal do regime de Maduro contra a população civil e a negação de acesso à assistência internacional, que constituem crimes de lesa-humanidade.” Os representantes dos 14 governos que formam a iniciativa também denunciou “ameaças sérias e críveis” contra Juan Guaidó e culpou o governo “usurpador” de Maduro pelo que possa ocorrer com o líder da oposição, reconhecido por meia centena de países como presidente interino da Venezuela.

“Qualquer ação violenta contra Guaidó, sua esposa ou parentes (...) forçaria o Grupo Lima a agir coletivamente, recorrendo a todos os mecanismos legais e políticos”, disse Trujillo.

O Grupo de Lima, aliança de 13 países da América Latina mais o Canadá, tinha se reunido pela última vez em 4 de fevereiro, em Ottawa. Na ocasião, 11 participantes defenderam uma mudança pacífica de governo na Venezuela e pediram aos militares que reconhecessem Guaidó. Apenas México, Santa Lúcia e Guiana não reconhecem a presidência do líder opositor.

Em sua estreia no fórum, Guaidó chamou de “sádica” a queima de dois veículos que estavam na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, no sábado, para fazer a entrega da ajuda humanitária.

“Centenas de pessoas hoje morrem pelo sadismo de alguns ao queimarem alimentos e medicamentos”, disse o líder da oposição, acrescentando, em referência a Maduro, que “a permissividade coma usurpação do poder” na Venezuela “seria uma ameaça à democracia na América Latina”.

“Hoje, o regime de Maduro acredita que, negando a entrada da ajuda humanitária, se perpetuará no poder”, afirmou Guaidó, que pediu um minuto de silêncio pelas “vítimas do massacre ocorrido no sábado”.

A reunião foi realizada após um fim de semana de muita tensão nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e a Colômbia, ambas fechadas por ordem de Maduro com o objetivo de barrar a entrada de ajuda humanitária.

O bloqueio provocou conflitos no posto de fronteira coma cidade brasileira de Pacaraima, em Roraima—com registros de mortos e feridos, além da deserção de militares venezuelanos.

Em Bogotá, o discurso mais agressivo foi o do vice-presidente dos EUA, Mike Pence, enviado por Donald Trump para acompanhar o encontro. Pence reiterou a ameaça de que “todas as opções estão na mesa” e disse que os militares venezuelanos que se mantiverem fiéis ao governo chavista “não vão encontrar nenhuma escapatória”.

Ele ressaltou que Guaidó pode contar com o apoio absoluto do presidente americano: “Estamos com você 100%”.

O tom do vice de Trump contrastou com o adotado pelo vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que reafirmou a opção do presidente Jair Bolsonaro por manter o país à margem de qualquer intervenção militar, embora tenha criticado Maduro com firmeza.

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Mourão descarta uso da força

26/02/2019

 

 

O vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, defendeu na reunião extraordinária do Grupo de Lima, em Bogotá, a realização de novas eleições na Venezuela, sob supervisão internacional.

Com um discurso moderado, ele descartou uma intervenção militar no país vizinho, diferentemente da postura adotada pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence — que admitiu, durante o encontro, a possibilidade do uso da força contra o governo de Nicolás Maduro.

“O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão. Segundo o vice-presidente, no contexto atual, a Venezuela não conseguirá “se livrar sozinha do regime de Maduro”. A transição democrática no vizinho sul-americano, discursou, exige a ajuda da comunidade internacional.

“À luz dos acontecimentos acumulados há mais de uma década, sabemos que a Venezuela não vai conseguir se libertar sozinha da opressão do regime chavista. A hora é de solidariedade latino-americana”, afirmou. Mourão disse que o governo de Maduro “é uma ameaça que deve ser combatida por meio de eleições gerais” e sugeriu maior pressão sobre Caracas, principalmente por parte de organismos como a ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Também acusou representantes do governo Maduro de envolvimento com crimes transnacionais e destacou que o líder chavista tem patrocinado uma corrida armamentista, nos últimos anos.

O vice-presidente brasileiro também falou sobre a crise venezuelana por meio de sua conta no Twitter. “Vamos manter a linha de não intervenção, acreditando na pressão diplomática e econômica internacional para buscar uma solução pacífica.

Sem aventuras. Condenamos o regime de Nicolas Maduro e estamos indignados com a violência contra a população venezuelana”, afirmou.

Mourão reiterou que “não há intenção de apoio do governo” à presença de militares de outros países no Brasil. “O ingresso de forças armadas estrangeiras em território brasileiro depende de aprovação do Congresso Nacional, e não há intenção de apoio do governo @jairbolsonaro para tal possibilidade”, escreveu.