Correio braziliense, n. 20370, 27/02/2019. Política, p. 2

 

Só para quando o carnaval passar

Rodolfo Costa

Leo Cavalcanti

27/02/2019

 

 

Projeto da reforma da Previdência só deve começar a andar no Congresso na segunda semana de março. Enfim, o presidente Jair Bolsonaro põe em prática o discurso de chamar para si a articulação, em encontro com lideranças. Os parlamentares gostaram

Uma semana depois de a entourage de Jair Bolsonaro avançar pelo Salão Verde ao lado dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o texto da reforma da Previdência não andou uma casa sequer no Congresso. Ontem, por entraves dentro da própria base governista, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) — onde ocorre a primeira etapa da tramitação do texto — deixou de ser instalada. O prazo para o projeto começar a andar ficou para depois do carnaval, possivelmente na segunda semana de março, o que atrasa de maneira significativa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC).

Para tentar destravar a tramitação da reforma, Bolsonaro chamou para si a articulação. Reuniu-se, ontem, com 18 líderes partidários, além do líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), confirmada ao posto na ocasião. O presidente deixou claro, contudo, que não se desgastará sozinho e deseja uma relação de mútua responsabilidade com o Parlamento.

Antes da reunião com as lideranças, realizada no Palácio da Alvorada, que durou quase três horas, Bolsonaro participou de um evento em Foz do Iguaçu (PR), onde disse contar com o “patriotismo” de deputados e senadores nas discussões para mudar a PEC. “Não tenho a menor dúvida de que o Parlamento fará as correções que têm que ser feitas, porque, afinal de contas, nós não somos perfeitos e essa proposta tem que ser aperfeiçoada”, afirmou, após participar da cerimônia de posse da nova diretoria de Itaipu, que terá como diretor-geral brasileiro da empresa o general Joaquim Silva e Luna. O militar foi ministro da Defesa de Michel Temer até o ano passado.

A fala do presidente foi reforçada na reunião com os líderes. Bolsonaro deixou aberta a possibilidade de que o texto sofra alterações no processo legislativo. Nas palavras dele, segundo Joice, a “reforma boa não é a minha, nem a de vocês. A reforma boa é aquela que vai ser aprovada”. “O presidente mostrou sensibilidade. Sabe que é, de fato, um diálogo que tem que ser feito. Os deputados estão com as cobranças nas suas bases obviamente porque, se a gente perder a guerra da narrativa, teremos que ficar nos explicando. É isso que não queremos”, comentou a líder.

Avaliação positiva

O encontro entre Bolsonaro e as lideranças teve avaliação positiva dos líderes. Os parlamentares deixaram, contudo, cinco recados para o presidente. O primeiro é de que a reforma não tramitará na Câmara enquanto o governo não encaminhar a reforma da Previdência dos militares e das forças auxiliares de segurança pública. Outros três pontos dizem respeito às regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), da aposentadoria de professores e dos trabalhadores rurais. Para eles, não tem como aprovar do jeito que está. A última cobrança foi a exigência de uma participação ativa do pesselista na “guerra da comunicação”.

Os líderes pediram que Bolsonaro seja o “garoto propaganda” da reforma da Previdência. Com o poder que as urnas deram ao presidente, os parlamentares querem que ele dê a “cara a tapa” e se exponha para defender a aprovação. O discurso é de que, para cobrar empenho das bancadas, ele terá que dar o exemplo. A resposta, entretanto, foi satisfatória. “Ele se comprometeu a usar a estrutura de comunicação que o elegeu para falar com a sociedade”, afirmou o líder do PPS na Câmara, Daniel Coelho (PE).

Mudanças no texto encaminhado pelo governo serão discutidas em reunião hoje entre Maia, Alcolumbre, Joice e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A ideia é debater os pontos criticados pelos líderes com o próprio chefe da equipe econômica e analisar a melhor maneira de corrigi-los de maneira a manter a espinha dorsal almejada pelo governo. Na sexta-feira, a líder do governo no Congresso, Major Vitor Hugo, e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, voltam a se reunir para desenrolar a estratégia de articulação política e discutir como dar encaminhamento à PEC depois do carnaval.

Indicações

Uma das estratégias a ser debatida entre governo e líderes é a indicação de cargos políticos. A ideia é de que o núcleo duro da articulação política do Palácio do Planalto e os líderes do governo discutam como fazer o apadrinhamento de indicados sem irritar as bancadas. “O objetivo é garantir que o sistema permita compatibilizar uma qualificação técnica e política dos nomes sugeridos”, explica um interlocutor de Onyx. Mas os critérios são claros, garante Joice. “Queremos pessoas que tenham uma vida e passado ilibados, com capacidade técnica para ocupar o cargo”, afirmou.

O plano em apresentar a reforma antes do carnaval e o risco da tramitação não avançar estava na conta de governistas. Entre os pontos positivos da antecipação, está a visibilidade da reforma antes dos festejos de Momo. Para analistas políticos, quando a Câmara retomar as atividades para valer, o texto estará relativamente assimilado, dando ao governo capacidade de agir. Se fizessem isso em março, a PEC poderia atrasar para iniciar a tramitação até o mês de abril. O ponto negativo está no fato de o projeto já anunciado dar margem para desgastes desnecessários e bombardeamentos de lobby contrário, como o de servidores públicos.

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Homenagem a ditador

27/02/2019

 

 

 

 

Durante o discurso de posse do general Joaquim Luna e Silva como diretor da Itaipu Binacional, o presidente Jair Bolsonaro fez uma homenagem aos generais que comandaram as ditaduras militares do Brasil e do Paraguai. Segundo o chefe do Executivo, a usina só saiu do papel devido ao papel dos militares. O tratado que deu origem à usina foi assinado em 1974, e a hidrelétrica começou a produzir energia em 1984. “As primeiras tratativas começaram ainda lá atrás, no governo do marechal Castelo Branco”, disse o presidente.

Bolsonaro disse que Castelo Branco foi eleito em 11 de abril de 1964 e que tomou posse em 15 de abril daquele ano, “tudo à luz da Constituição vigente naquele momento”. O presidente não mencionou o fato de que, depois do golpe militar, em 31 de março de 1964, os presidentes eram escolhidos pela cúpula do regime e, somente depois disso, eleitos indiretamente por um colégio eleitoral. Além disso, a Constituição de 1946 não previa ruptura democrática.

Bolsonaro mencionou ainda os acertos que continuaram durante o governo dos presidentes Costa e Silva, que sucedeu Castelo Branco, e Garrastazu Médici. A obra, na avaliação de Bolsonaro, “realmente saiu do papel e tomou corpo” durante o governo de Ernesto Geisel. Ao “saudoso e querido” João Figueiredo, último presidente do regime militar, Bolsonaro disse que coube a inauguração da primeira turbina. Nenhum presidente civil foi mencionado no discurso.

Bolsonaro aproveitou ainda para homenagear o general Alfredo Stroessner, ditador que governou o Paraguai entre 1954 e 1989. O pai do atual presidente do Paraguai, Mario Abdo Benitez, conhecido como Marito, foi secretário particular de Stroessner. “Mas Marito, isso tudo não seria suficiente se não tivesse do lado de cá um homem de visão, um estadista, que sabia perfeitamente que o seu país, Paraguai, só poderia prosseguir e progredir se tivesse energia. Então, aqui também a minha homenagem ao nosso general Alfredo Stroessner”, disse.

Bolsonaro citou ainda trecho da Bíblia e disse que Marito é cristão, conservador e um homem de família. “Esses valores nos trouxeram até aqui e, com a graça de Deus, continuaremos juntos para o bem dos nossos povos”, afirmou. “Esquerda, nunca mais”, enfatizou. O presidente disse que vai receber Marito em Brasília em 11 de março, em uma reunião bilateral. No encontro, os países devem tratar de assuntos como a própria revisão do Tratado de Itaipu, cujos termos se encerram em 2023, as duas pontes entre Brasil e Paraguai sobre o Rio Paraná, que serão pagas com recursos da usina, com custo repassado aos consumidores brasileiros. “Conte com o apoio do nosso governo para concretizarmos esse objetivo”, disse.

Para saber mais

35 anos no poder

O descendente de alemães Alfredo Gustavo Stroessner tornou-se presidente do Paraguai em 1954, depois de um golpe de Estado que tirou do poder Federico Chavez. Em sete reeleições fraudulentas, entre 1958 e 1988, permaneceu como chefe do Executivo. Durante o período de 35 anos, os paraguaios conheceram um relativo crescimento econômico, mas também uma repressão militar dura — ONGs acreditam que cerca de 30 mil pessoas desapareceram durante seu governo. Foi um dos criadores da Operação Condor, que perseguiu opositores políticos em diversos países da América do Sul. Em 1989, acabou deposto em outro golpe liderado por um de seus principais apoiadores, Andrés Rodríguez Pedotti. Exilou-se, então, em Brasília, onde morreu aos 94 anos, em 2006.