Valor econômico, v.19, n.4538, 04/07/2018. Opinião, p. A8

 

Abertura do mercado de energia e o consumidor residencial 

Rosane Menezes

Lucas Moura Guimarães

04/07/2018

 

 

Como última sinalização ao governo na busca pela implementação de uma agenda proativa de reformas no setor elétrico, o ex-ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho, enviou à Casa Civil, ainda em fevereiro, minuta de Projeto de Lei que aprimora o setor elétrico. A proposta, cuja publicação se daria, originariamente, por medida provisória, foi precedida da Consulta Pública nº 33, oportunidade na qual agentes e instituições do setor elétrico apresentaram suas contribuições.

Embora não possa ser considerada um "novo modelo", a minuta do PL da reforma do setor busca alterar cirurgicamente o ambiente regulatório, severamente abalado pelo canetaço tarifário oriundo da MP 579.

Contudo, em razão da dificuldade em se aprovar no Congresso o aperfeiçoamento do setor elétrico em ano eleitoral - veja-se, a exemplo, a caducidade da MP 814 -, optou-se por apensar a proposta a outro projeto de lei já em andamento na Câmara dos Deputados, que trata da portabilidade da conta de luz (PL 1917/15). A exemplo do que já ocorre atualmente com os grandes consumidores - indústrias, shopping centers, supermercados, dentre outros -, o PL da portabilidade da conta de luz busca reduzir os limites para ingresso no Mercado Livre de energia elétrica, de forma a possibilitar a escolha do fornecedor de eletricidade também para os demais consumidores.

A abertura do mercado, inclusive, é um dos pilares centrais da proposta de aperfeiçoamento do setor elétrico. Embora desde 1995, por meio da Lei nº 9.074, exista a previsão legal para a abertura progressiva do mercado de energia elétrica, apenas agora, em 2018, o tema parece ter encontrado ambiente político propício ao debate.

A proposta prevê uma redução gradual de carga - 2020 a 2026, com redução saindo de 2000 kW e chegando a 300 kW - para todos os consumidores atendidos em alta e média tensão, o que inclui indústrias e comércios de médio porte. Quanto aos consumidores residenciais, atendidos em baixa tensão, a proposta joga para 2022 a realização de estudos, com o fim de avaliar a viabilidade técnica, social e econômica de abertura do mercado também para essa classe de consumo.

Mais ousado, o PL da portabilidade da conta de luz permite já em 2020 que consumidores residenciais comprem eletricidade diretamente de geradores de energia a partir de fontes renováveis, e, em 2022, de quaisquer agentes geradores, independentemente da fonte.

Em tese, um aumento da concorrência entre fornecedores de energia elétrica pressionaria os preços de energia para baixo, em benefício dos consumidores. Contudo, para além da mera redução do limite de carga para migração de consumidores para o mercado livre, há algumas questões adjacentes - mas tão importantes quanto - que necessitam ser endereçadas.

Uma primeira questão que precisa ser superada é de ordem sociocultural. Precipitadamente, parte-se da premissa de que consumidores residenciais desejam ou se importam em escolher seu fornecedor de eletricidade. Considerando que a preocupação dos consumidores com a eletricidade é, em geral, "do interruptor para frente", talvez aos consumidores não interesse monitorar o preço da eletricidade de forma contínua, buscar se informar quanto às fontes de energia e pesquisar fornecedores. Há consumidores que escolhem não querer escolher, os quais não podem ser punidos com preços menos competitivos em um cenário onde a obtenção de tarifas de eletricidade mais em conta dependa da busca por informações do mercado e interesse no setor elétrico.

A baixa adesão à tarifa branca - regime tarifário onde o preço da eletricidade varia ao longo do dia, de forma a induzir redução de consumo e deslocamento da carga para horários fora de pico - já indicaria a falta de disposição dos consumidores em alterar seus hábitos relacionados à eletricidade. Outro teste interessante tem-se com o projeto-piloto de resposta da demanda, por meio do qual certos consumidores industriais são remunerados por não consumir eletricidade em períodos solicitados pela distribuidora de energia local.

Em segundo lugar, há uma questão de ordem tecnológica que lentamente vem sendo tratada pela Aneel: implantação dos medidores inteligentes de energia. A possibilidade de escolha quanto ao fornecedor passa necessariamente pelo acesso à informação, o qual depende da instalação de medidores de eletricidade que meçam não apenas o consumo e a potência contratada, mas também informem os consumidores quanto ao preço da eletricidade em intervalos de tempo regulares, vigência das bandeiras tarifárias, dentre outras funcionalidades. Para a abertura do mercado, entende-se que as exigências regulatórias de medição para o Mercado Livre também devem ser flexibilizadas, de forma a simplificar - e baratear - a migração.

Embora a proposta de aprimoramento do setor elétrico já tenha sido precedida de consulta pública, ainda há muito a ser percorrido no Congresso. O PL não está livre de sofrer emendas e ser alvo da costumeira morosidade legislativa em ano eleitoral, não sendo exagero afirmar que as discussões estão apenas começando.

É louvável que haja audiências públicas com entidades e instituições do setor nas Casas Legislativas, de forma a oferecer aos parlamentares a exata dimensão e importância do aprimoramento setorial, em tempos não apenas de atualização e modernização regulatória do modelo, mas também de advento de tecnologias disruptivas e redistribuição de papéis dos agentes, em especial as distribuidoras e consumidores finais.