Correio braziliense, n. 20370, 27/02/2019. Política, p. 3

 

Alterações vão ocorrer

Alessandra Azevedo

27/02/2019

 

 

As rodadas de conversa do governo com parlamentares, em busca de votos para a reforma da Previdência, começaram oficialmente ontem — antes ainda de o presidente Jair Bolsonaro se encontrar com líderes, no início da noite. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, se reuniu com representantes de três partidos da base para explicar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, que muda as regras de aposentadoria e pensão dos trabalhadores civis, apresentada na última quarta-feira.

Ontem, os encontros foram com as bancadas do PSDB, do PSD e do PR. Juntas, as siglas contam com 101 deputados. Na maioria das conversas, ele recebeu as mesmas críticas já apontadas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e por dezenas de deputados. As principais são sobre as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria dos trabalhadores rurais.

Os dois pontos estão entre os mais delicados da proposta, porque mexem com benefícios da parcela mais pobre da população. Por isso, já é visto como certo, nos bastidores, a alteração deles durante as discussões entre os parlamentares — que, segundo Marinho, “têm autonomia e competência” para isso. O secretário lembrou, no entanto, do impacto fiscal de qualquer mudança. Ou seja, alterações significam que, no futuro, menos recursos estarão disponíveis para outras áreas importantes.

A equipe econômica ainda não divulgou estimativas do impacto da eventual retirada das mudanças no BPC e na aposentadoria rural. Se a reforma fosse aprovada como o governo propôs, sem nenhuma mudança, os ganhos poderiam chegar a R$ 1,1 trilhão na próxima década. Em termos de comparação: os ajustes feitos entre a primeira versão do texto da reforma enviada pelo ex-presidente Michel Temer e o último parecer do relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), diminuíram em mais de R$ 300 bilhões a expectativa de economia aos cofres públicos. A principal mudança feita para agradar os parlamentares foi justamente a retirada de qualquer menção ao BPC e à aposentadoria rural.

“O PSDB tem aprimoramentos a ser feitos. Particularmente, em questões como BPC, aposentadoria rural. São temas sobre os quais estamos nos debruçando”, pontuou o líder do partido na Câmara, Carlos Sampaio (SP), após o encontro com o secretário. O espírito da bancada, segundo ele, é favorável à reforma. O deputado também citou o projeto que mudará as regras dos militares. Marinho voltou a dizer que o texto será enviado à Câmara até 20 de março.

Os 51 integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) que almoçaram com o secretário também tendem a apoiar a PEC, mas ainda não tomaram uma posição definitiva sobre o assunto. “Vamos discutir a área da agricultura detalhadamente, reunir as assessorias técnicas e fazer um debate, inclusive com cálculo de impacto, e só então emitiremos opinião”, disse o presidente da bancada ruralista, deputado Alceu Moreira (MDB-RS).

Dificuldades

Apesar da iniciativa de Marinho de encontrar as bancadas, parlamentares da base de apoio ao governo têm reclamado da distância imposta pelo Executivo em relação ao Congresso. Essa queixa foi repetida ontem por deputados do PSD, do PR e do PRB, siglas que tendem a ser favoráveis à reforma. A impressão deles é de que o governo tem falhado em duas frentes fundamentais: comunicação com a sociedade e diálogo com a base.

Alguns deputados não participaram das reuniões com o secretário por não concordarem com a postura do governo. “Tenho vários pedidos de audiência com ministros e eles sequer respondem. Eu não vou ouvir o secretário”, afirmou o deputado Marcelo Ramos (PR-AM), que há semanas tem apontado o problema de articulação do governo.

O deputado Julio Cesar Ribeiro (PRB-DF) foi à tribuna reclamar do mesmo assunto. Ele disse que tenta marcar uma audiência com o ministro da Educação, Ricardo Vélez, desde 15 de janeiro, sem sucesso. “O nosso presidente quer que votemos a reforma da Previdência, mas o seu ministro nem atende a uma reivindicação. Quero ver ele conseguir aprovar a reforma sem atender esta Casa”, desafiou.

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Maia: mudanças não são rápidas

27/02/2019

 

 

 

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avaliou que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), é refém do discurso de campanha no qual pregou mudanças rápidas no país. Segundo ele, a sociedade tinha essa “expectativa de um novo país, mas as mudanças não são tão rápidas numa democracia, o que é bom”, ponderou. O demista disse que a política precisa entender a forma com que o presidente Bolsonaro quer fazer e dialogar com o parlamento em um contexto de necessária aprovação da PEC da “nova Previdência”. “Não tem velha e nova política, tem a política. O problema é a governabilidade da Casa em conjunto. A reforma da Previdência vai ter um peso positivo para o governo em 2022 e os deputados querem compreender como isso será dividido”.

O presidente da Câmara evitou comentar quantos votos o governo teria hoje para aprovar a reforma, mas admitiu que o projeto não passaria nem pela admissibilidade da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) sem a articulação necessária do governo. Para Maia, o governo “tem o PSL (partido de Bolsonaro) na base e não tem mais partido” algum. “Precisamos trazer uns 10, 12 partidos para a base para ter musculatura. Nós que acreditamos na reforma, vamos ajudar o governo a construir sua base.” O deputado disse ter um bom diálogo com a oposição e se dispôs a ajudar com esses parlamentares. Ele calculou que o projeto possa estar pronto para a votação em plenário entre o fim de maio e o começo de junho.

Segundo Maia, a reforma da Previdência, “em princípio”, unifica a esquerda no campo político e ideológico, e o caminho para atrair o apoio desse campo contrário ao projeto é pressionar estados comandados por esses partidos contrários ao governo federal. “Os estados tendem a quebrar bem antes do governo federal. Se tem sete em calamidade financeira hoje, em 2022 vai ter 20. Teremos de trazer a esquerda pelos governadores do Nordeste que compreendem a reforma”, afirmou, dizendo que é preciso “acreditar que todas as reformas que aprovaremos vão gerar empregos formais”.

Autonomia do BC

Para o presidente da Câmara, também não há base para a aprovação de um projeto de autonomia do Banco Central, que está pronto e foi elaborado pelo até agora presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn. Mas, segundo ele, não há problemas em votá-lo antes mesmo da PEC da Previdência, “desde que se tenha base”. Maia também disse que um projeto de reforma administrativa na Câmara deve ser apresentada em dois meses.

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A força de Bolsonaro

Luiz Carlos Azedo

27/02/2019

 

 

Dois meses após tomar posse e às vésperas do debate sobre a reforma da Previdência no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro tem uma avaliação positiva de 57,5% da população e seu governo conta com a confiança de 38,9%, segundo pesquisa do instituto MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). A distância entre seu desempenho pessoal e o do governo, da ordem de 18,6%, corrobora as avaliações de que precisa descer do palanque e cuidar mais da gestão para atender as expectativas da população. Avaliaram o governo como regular 29% dos entrevistados; como ruim ou péssimo,19%.

Em palestra para empresários, em São Paulo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi ao xis da questão: “A sociedade pós-eleição gerou muita expectativa do governo do presidente Bolsonaro de que nós teríamos aí um novo país. Só que as mudanças não são tão rápidas em um país democrático”. A pesquisa mostra as prioridades da população: saúde (42,3%); segurança (34,3%); educação (31,6%); corrupção (29,2%); emprego (23,7%); economia (14,3%); combate à pobreza (13,3%); meio ambiente (1,5%); saneamento (1%); energia (0,9%); transporte (0,8%). São demandas objetivas, que não se encaixam no discurso de ordem ideológica.

Em compensação, Bolsonaro leva grande vantagem na comparação com os antecessores: para 55,4%, seu governo é melhor do que o de Michel Temer; para 55,9%, do que o de Dilma Rousseff. Lula e Dilma, porém, estavam melhor no começo de seus governos: 56,6% e 49,2%, respectivamente. Já o governo Temer tinha apenas 11,3%. O grande desafio do novo governo é corresponder ao otimismo popular gerado pelo resultado das eleições: 51,3% avaliam que o emprego vai melhorar; 51,2%, a saúde; 47,2% a educação; 53,3%, a segurança pública; e 48,3%, a corrupção. Todas essas tarefas do governo estão a cargos de ministros civis e dependem da aprovação da reforma da Previdência para ter mais recursos, com exceção do combate à corrupção. É aí que entra a política, como deixou claro Maia na conversa com empresários.

Patriotismo

Ontem, na posse do general Silva e Lula na presidência da Itaipu Binacional, Bolsonaro cobrou apoio do Congresso para aprovar a reforma da Previdência: “Nós contamos com o patriotismo e o entendimento do Parlamento para que nós possamos ter uma reforma da Previdência. Porque, caso contrário, economicamente o Brasil é um país fadado ao insucesso”, disse. A reforma precisa ser aprovada por pelo menos 308 dos 513 dos deputados, e por 49 dos 81 senadores e só vai começará a andar na Câmara quando o governo encaminhar ao Congresso as propostas relativas à Previdência dos militares, com os quais o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não chegou a um acordo.

O apoio ao governo Bolsonaro e à reforma da Previdência, entretanto, é robusto na Câmara. Segundo pesquisa da Arko Advice, 39,4% dos deputados avaliam como positivo o governo; 60,55% consideram a relação entre o Executivo e o Legislativo como ótima ou boa; 68,8% são favoráveis à reforma da Previdência; e 34% acham que será aprovada até junho. Mas a situação se complica quando se discutem os detalhes. A idade mínima de aposentadoria apresentada pelo governo — 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens —, por exemplo, divide opiniões na Câmara: e apenas 37,6% concordam com a proposta.