Correio braziliense, n. 20370, 27/02/2019. Política, p. 4

 

Crise se agrava na Receita

Renato Souza

27/02/2019

 

 

Entidade pede ao Ministério da Justiça que investigue a divulgação de dados fiscais de autoridades e sindicato, e rebate críticas do ministro Gilmar Mendes em relação ao trabalho dos auditores. Imbróglio preocupa Bolsonaro

Em meio a críticas por parte de autoridades, a Receita Federal pediu a abertura de investigação por parte do Ministério da Justiça para apurar o vazamento de informações sobre procedimentos apuratórios que estão em andamento no órgão. De acordo com uma nota divulgada ontem, as diligências devem apontar se houve o crime de violação de sigilo funcional. De outro lado, a relação entre servidores do órgão e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que já não era boa, amargou em decorrência de declarações do magistrado em relação ao trabalho desenvolvido no Fisco. Na noite de ontem, o magistrado recebeu ligação do presidente da República, Jair Bolsonaro, que está preocupado com o assunto.

O Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) emitiu uma nota de repúdio, em que chama de “inaceitáveis” e “graves” as afirmações de Gilmar Mendes. De acordo com o sindicato, Gilmar se referiu aos servidores da entidade como “milícias” e “bando”. O ministro também afirmou que é alvo de ações fiscais por conta de sua atuação nos processos da Operação Calicute, no Rio de Janeiro.

A polêmica teve início após um relatório da Receita apontar movimentações financeiras atípicas por parte de Gilmar e sua esposa, Guiomar. O documento descreve indícios de lavagem de dinheiro e corrupção. Em entrevista à revista Época, Gilmar disse que a entidade “está sendo usada como órgão de pistolagem de outras instituições”. Além de ser rebatido pelo Sindifisco, o ministro também foi alvo de críticas de procuradores da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público do Paraná.

O presidente do Sindifisco, Kleber Cabral, afirmou que as acusações são infundadas. “O ministro criou uma narrativa de que a Receita estaria a serviço do Ministério Público e, portanto, ele seria perseguido. Essa narrativa não tem nenhum lastro de veracidade. Não é republicano que um ministro do Supremo tenha esse tipo de comportamento. Está provocando os outros órgãos. Coisas que nenhum outro integrante da Corte faz”, disse. Kleber também ressalta que o trabalho de investigação dos órgãos deve ser preservado.

O ministro Gilmar Mendes foi procurado pela reportagem, mas disse que não iria comentar o caso. Pouco depois, de acordo com o jornal Estado de S. Paulo, ele recebeu uma ligação do presidente Jair Bolsonaro, que está preocupado com a crise levantada no órgão e que envolve o Judiciário. A conversa foi intermediada pelo Secretário Especial da Receita, Marcos Cintra. Procurado, o Planalto não se manifestou até a publicação desta reportagem. A advogada Roberta Maria Rangel, mulher do presidente do STF, Dias Toffoli, e a ministra Isabel Gallotti, do STJ, também foram alvo de apurações mais aprofundadas.

O requerimento enviado pela Receita ao Ministério da Justiça pede o indiciamento dos agentes públicos ou privados “envolvidos na divulgação de informações protegidas por sigilo”. De acordo com a entidade, “todos os procedimentos de investigação e análise de contribuintes pela Fiscalização têm motivação técnica e impessoal e destinam-se a verificar a existência ou não de indícios de inconformidade tributária”