Correio braziliense, n. 20370, 27/02/2019. Política, p. 5

 

Ministro refaz carta do Hino

Rosana Hessel

Luiz Calcagno

Ingrid Soares

27/02/2019

 

 

Uma breve carta do Ministério da Educação (MEC) enviada às escolas por e-mail fez até a Procuradoria-Geral da República (PGR) exigir explicações do chefe da pasta, Ricardo Vélez Rodriguez, em 24 horas. O comunicado solicitava aos diretores para perfilarem os alunos e gravarem as crianças cantando o Hino Nacional, sem exigir a autorização dos pais. Além disso, recomendava aos representantes das escolas lerem uma carta assinada por Vélez Rodriguez antes de os alunos cantarem. No fim do texto, era citado o slogan da campanha do presidente Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, fato criticado por ir na contramão do programa Escola sem Partido, uma das bandeiras do novo governo.

Pouco antes de participar de uma audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esportes, do Senado, o ministro reconheceu o equívoco e contou ter corrigido a situação em outra carta, enviada na manhã de ontem para as escolas. “Percebi o erro e tirei essa parte (do slogan). Tirei a parte de filmar as crianças sem a autorização dos pais, evidentemente. Se alguma coisa for publicada, será dentro da lei, com autorização dos pais”, afirmou. Durante a audiência, que durou quase quatro horas, Vélez destacou que haverá mudanças no modelo de alfabetização e na distribuição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), assim como revisão dos projetos pedagógicos nos ensinos fundamental e médio.

Ao ser questionado pela senadora Eliziane Gama (PPS-MA) sobre a carta enviada às escolas, o ministro tentou minimizar o problema. “Cantar o Hino não é um constrangimento. É amor à pátria”, disse. E reforçou que a obrigação da filmagem do aluno sem a autorização da família também “foi um erro”. “Não constava, mas estava como algo implícito dentro da lei”, afirmou Vélez Rodriguez. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi um dos mais críticos, e destacou que, além de ser contrário à legislação e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, era “um flagrante de crime de responsabilidade e de improbidade administrativa”, pois feria o artigo 37 da Constituição, que determina dentre outros princípios da administração pública a impessoalidade.

Atropelo

No meio acadêmico, as críticas proliferaram, não tanto pela questão do Hino, defendido por usuários das redes sociais. O conteúdo da carta e a forma atropelada como tudo foi feito, mesmo após o recuo do ministro, não foram poupados. “Temos problemas mais graves para serem resolvidos do que pedir para filmar a hora cívica. Não somos contra cantar o Hino e conhecer sobre os símbolos nacionais, mas, como foi feito, pareceu algo autoritário, mesmo que tenha voltado atrás. As escolas precisam de atenção em outras áreas. Aqui, temos escola técnica e dois laboratórios sucateados, antigos. Não dá para desenvolver novos aplicativos com um equipamento jurássico”, destacou o diretor do Centro Educacional 01 do Cruzeiro, Getúlio Cruz.

O diretor de políticas educacionais do Movimento Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, elogiou o recuo do ministro, mas destacou que a iniciativa gasta tempo e energia importantes para debater um tema secundário. Para ele, Vélez tocou em temas importantes na audiência do Senado, mas, no geral, falou muito pouco sobre mudanças no sistema. “Ele apresentou alguns enfoques positivos, como o fortalecimento da alfabetização, a implementação da base curricular e um Fundeb mais redistributivo. O foco deve estar aí. Considerando a nossa situação, não temos tempo para perder. Temos que aproveitar o início de mandato para promover mudanças. É uma oportunidade única”, alertou.

Diálogo

Segundo Célio da Cunha, doutor em educação, ex-assessor especial da Unesco e professor da Universidade Católica de Brasília, a iniciativa do ministro preocupou a comunidade acadêmica, pois não houve diálogo com o Conselho Nacional de Educação e os conselhos regionais. “A postura traz ao debate questões ultrapassadas, como a educação moral e cívica. Há temas muito mais importantes, ligados à aprendizagem dos alunos, à participação dos pais na educação, à infraestrutura e à valorização dos docentes que deveriam estar na agenda da política brasileira em todas as instâncias”, sugeriu.

Especialista em gestão de políticas públicas para a educação e professora da Universidade de Brasília (UnB), Carmenísia Jacobina Aires considerou a falha de Vélez Rodriguez “inconcebível”. “O ministro prova, cada vez mais, que não entende de educação. É preciso cuidar da qualidade e do direito à educação. Vamos deixar o Hino para os professores”, disparou. O ex-reitor e professor da Faculdade de Direito da UnB José Geraldo de Sousa Junior considera que o principal dano foi “na redução da confiança sob a competência gestora”.

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Críticas dos alunos

27/02/2019

 

 

 

 

Cantar o Hino Nacional nunca foi o problema nas escolas, apesar de não haver uma frequência determinada pelo governo, como propôs o Ministério da Educação (MEC), em sua carta às escolas. Para a estudante do 3º ano do ensino médio Ester Virgem, 17 anos, por exemplo, a música sempre foi motivo de amor e patriotismo, mas ela defende que o MEC deveria ter feito uma pesquisa antes com os alunos.

“Desde pequena, sempre gostei. O desnecessário é pedir que seja filmado e, mais ainda, com o slogan político. Uma frase dita em uma escola tem que representar todo mundo, mas essa traz confusão porque muitos não se sentem representados. Meu pai ficou indignado, porque estavam querendo impor partido político nas escolas. É a primeira vez que vejo um ministro pedir filmagem”, ponderou.

Avó de um aluno do 3º ano, a auxiliar de educação Vera Lúcia Paixão, 55 anos, é convicta de que a política partidária não deve ser pauta nas escolas. “Cantar o Hino, eu concordo. Na minha época, cantava toda semana. Mas sem slogan, sem misturar uma coisa com a outra. Eles querem gerar uma propaganda positiva para o ministro. Não concordo. Se ele quiser saber se está sendo executado, ele que venha assistir ou mande os assessores acompanharem”.

O diretor do colégio Gisno, na Asa Norte, Isley Marth, ressaltou que o teor da carta causou surpresa. Ele comentou ainda que a escola não dispõe de mastro para o hasteamento das bandeiras. “Acho que o Hino tem que ser cantado. Não vejo objeção. Essa não é a polêmica. Não temos mastro, mas quando tem alguma atividade, alguém segura a bandeira na mão. Para filmar os alunos, não vejo finalidade”, afirmou.

Inadequada

Para o professor de português Ricardo Andrade, a carta do ministro Ricardo Vélez Rodriguez foi inadequada. “Ele virou uma espécie de cabo eleitoral de um governo que já foi eleito. É hora de eles governarem. Estamos, sim, aguardando um projeto de educação”, cobrou. Já o professor de história Robson da Silva apontou que, apesar do reconhecimento do erro pelo ministro, ficou claro a demonstração de proposta política para a educação. “Não acho que seja atribuição dele, mas sim, garantir o funcionamento das escolas, promover a atualização de materiais e dar condições de trabalho”, concluiu. Segundo ele, pelo menos um fato positivo apareceu na ação do governo: alunos, professores e funcionários começaram a publicar filmagens mostrando a situação estrutural precária de escolas. Algumas, com o Hino Nacional ao fundo. (IS)

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MP pede explicações a Vélez

27/02/2019

 

 

 

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, tem até hoje para prestar esclarecimentos ao Ministério Público Federal sobre o e-mail enviado às escolas. Ele terá que dizer por que pediu que diretores lessem um texto que termina com o slogan da campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro e filmassem os alunos perfilados cantando o Hino Nacional. A convocação partiu da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em documento assinado pelo procurador Domingos Sávio Dresch da Silveira.

Posteriormente, o ministro enviou outra carta, sem o slogan de campanha, destacando que filmassem somente aqueles que tivessem autorização. Ainda assim, a polêmica permaneceu de pé. Silveira exigiu uma justificativa por escrito, que seja fundamentada em trechos da Constituição Federal. Dentre eles, o artigo 37, que determina que o governo tem o dever de obedecer aos princípios “de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

O promotor citou ainda o parágrafo primeiro do mesmo artigo, que afirma que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos (...)” não podem vir acompanhadas de “nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Rodríguez terá que se basear também em vários trechos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Incluindo o artigo 17, que especifica que a criança e o adolescente têm direito ao respeito, que consiste “na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral”, e abrange a preservação da imagem e da identidade de quem tem menos de 18 anos. Procurado para se posicionar sobre a convocação, o Ministério da Educação não retornou até o fechamento desta edição. (LC)