Correio braziliense, n. 20370, 27/02/2019. Brasil, p. 6

 

Sob risco constante

Beatriz Roscoe

Marina Torres

27/02/2019

 

 

Violência contra a mulher > Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Datafolha mostra que atos de agressão e assédio contra a população feminina assumem proporções alarmantes. A cada hora, 536 mulheres sofrem algum tipo de violência física no país

No último ano, 536 mulheres foram vítimas de agressão física, por hora, no Brasil. Dezesseis milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência e 59% da população afirmaram ter visto uma mulher ser agredida física ou verbalmente em 2018. Das que têm entre 16 a 24 anos, 66% sofreram algum tipo de assédio nos últimos 12 meses. Os dados do estudo “Visível e Invisível — A vitimização de mulheres no Brasil — 2ª Edição”, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Instituto Datafolha, mostram que a mulher brasileira vive sob risco constante de violência.

Maria*, 14 anos, tinha acabado de fazer uma prova na escola e voltava a pé para casa. Um homem parou o carro, abriu a janela e pediu informações. A menina se aproximou para responder e foi surpreendida com uma pergunta: “Você não quer entrar no carro?”. Ela se assustou ao perceber que o homem tocava em seu órgão genital enquanto falava. Maria não teve coragem de contar para a mãe quando chegou em casa, pois imaginava que a culpa fosse sua, porque a calça do uniforme da escola era muito justa.

Casos como esse acontecem todos os dias no Brasil. De acordo com o levantamento do Fórum de Segurança Pública, 37,1% das brasileiras com 16 anos ou mais relatam ter sofrido algum tipo de assédio nos últimos 12 meses, o que corresponde a 22 milhões de mulheres. “Mais mulheres estão tendo coragem de denunciar e estão percebendo que a culpa não é delas”, afirma Mariana Távora, promotora e coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal.

O estudo mostra que, no último ano, 76,4% das mulheres que sofreram violência afirmaram que o agressor era alguém conhecido. Carla*, 20 anos, namorava há muito tempo. Um dia, depois de ter bebido demais, seu namorado a levou para casa, e ela dormiu. Carla* acordou de madrugada, sentindo enjoo, quando se deu conta de que o namorado abusava dela enquanto ela dormia. Apesar de ser apaixonada pelo namorado, Carla* sabia que aquilo era um estupro.

Como ela, 23,8% das mulheres que sofreram violência afirmam que o agressor foi o cônjuge, companheiro ou namorado. “Muitos agressores são próximos da vítima, e esse vínculo favorece o abusador, porque a vítima questiona se realmente foi violentada”, afirma Mariana Távora.

Ana* tinha apenas 10 anos e voltava da casa de uma amiga. Seus pais viajavam, e o porteiro do prédio a abordou com a desculpa de querer devolver uma foto dela que encontrara no lixo. Quando se aproximou, o homem tentou forçar um beijo e atos sexuais, mas Ana*, por sorte, conseguiu correr. Na época, a menina não teve coragem de contar sobre o ocorrido para os pais, por medo de que não acreditassem, visto que o pai era colega de trabalho do assediador.

Ana* faz parte de grande parcela da população feminina que sofre assédio e não toma medidas. De acordo com o Fórum de Segurança Pública, 52% das mulheres que sofrem assédio não fazem nada a respeito.

Para a professora titular de antropologia da UnB Lia Zanotta, falta um encaminhamento que permita que as ações contra assédio sejam, de fato, cumpridas. “Falta uma política educacional na escola que ensine, desde cedo, a igualdade de gênero e o respeito à individualidade,” afirma.

Sobre as políticas públicas que já existem, Zanotta completa: “Se o objetivo é a prevenção do feminicídio, temos que ter um Poder Executivo que caminhe junto com o Judiciário, e é preciso que se estabeleçam grupos de reflexão para mulheres, para que elas possam se organizar e não ficarem submetidas à violência. A Lei Maria da Penha também deve levar a vítima para a resolução, metade dos casos não tem nenhum encaminhamento. A Lei precisa ser posta como está escrita.”

*Nomes fictícios para preservar a identidade das vítimas

Proteção

Em Brasília, a Casa Abrigo recebe mulheres em situação de risco de violência que optam por não voltar às suas casas por segurança. A casa tem a capacidade de receber até 40 mulheres em um período de 90 dias. A localização é mantida em sigilo, e a vítima pode levar também os filhos. Existem ainda os Centros Especializados de Atendimento à Mulher (Ceam), que abrigam maior número de mulheres, mas não são sigilosos. As mulheres podem recorrer à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) se sentirem que precisam ser encaminhadas para uma casa abrigo.

Vítimas da barbárie

Agressão contra mulheres

Local em que sofrem violência:

42% em casa        29% na rua

8% na internet         8% no trabalho

3% no bar/balada

Tipo de violência:

» 21,8% (12,5 milhões de mulheres) — ofensa verbal, como insulto, humilhação ou xingamento

» 9% (4,7 milhões) — empurrão, chute ou batida (536 por hora)

» 8,9% (4,6 milhões ) — toque ou agressão por motivos sexuais (9 por minuto)

» 3,9% (1,7 milhão) — ameaças com faca ou arma de fogo

» 3,6% (1,6 milhão) — espancamento ou tentativa de estrangulamento (3 por minuto)

Fontes: Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública