Valor econômico, v.19, n.4540, 06/07/2018. Política, p. A5
Tentativa de mudar jurisprudência do Cade pode afetar a Lava-jato
Lucas Marchesini
06/07/2018
Um movimento de revisão da jurisprudência sobre a prescrição para a punição da prática de cartéis investigados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pode diminuir significativamente a capacidade da autoridade antitruste em punir o crime e impactar, inclusive, as investigações da Lava-Jato e do metrô de São Paulo, apurou o Valor.
Dois dos conselheiros mais recentes, Mauricio Bandeira Maia e Paula Azevedo, defendem que o prazo de prescrição para a punição administrativa de cartéis seja revisto para 5 anos. A jurisprudência atual do Cade entende que o prazo é de 12 anos.
Por enquanto, a maioria é contra a alteração, mas a situação pode mudar já em 2019 com a troca de quatro conselheiros, cujos mandatos vencem entre julho e setembro. Bandeira Maia e Paula Azevedo permanecem no Cade até 2021 e 2022, respectivamente.
A divergência veio à tona na sessão realizada na quarta-feira pelo Cade, na qual cada conselheiro relatou um processo administrativo. Como relatores, eles votaram pela prescrição dos ilícitos, no que foram vencidos pelos demais conselheiros. O ponto central da discussão é a equivalência do prazo para prescrição entre as esferas administrativa e penal.
A Lei nº 9.873, de 1999, específica sobre o prazo para prescrições de punições na esfera administrativa federal, diz que "quando o fato objeto da ação punitiva da Administração constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal". A posição atual do Cade é a de que basta a prática anticoncorrencial poder ser tipificada como crime na esfera penal para que o prazo de prescrição seja de 12 anos e não 5.
Para Bandeira Maia, o crime precisa estar sendo investigado na esfera penal para que o prazo passe de 5 para 12 anos. Assim, apenas caso o cartel seja alvo de uma ação judicial, a prescrição se daria no prazo maior.
A conselheira Paula Azevedo segue linha semelhante. Para ela, como empresas não podem ser alvo de ações penais, o prazo para a prescrição deveria ser de 5 anos para pessoas jurídicas e os 12 anos se aplicariam apenas para as pessoas físicas.
A mudança foi rechaçada pelos demais membros do plenário da autoridade antitruste presentes na sessão: os conselheiros João Paulo de Resende, Cristiane Alkmin, Paulo Burnier e o presidente Alexandre Barreto. A conselheira Polyanna Vilanova não participou da sessão.
Em seu voto contra a mudança, Cristiane afirmou que "vincular o prazo penal de prescrição à efetiva proposição de procedimento penal provocaria um cenário de incerteza jurídica". "Além disso, devido à potencial inércia da esfera penal, que possui trâmite e requisitos mais rígidos do que o processo administrativo, com elevada probabilidade, resultaria na imunidade punitiva do administrado em seara administrativa", prosseguiu.
O ex-presidente interino do Cade, Márcio de Oliveira, é contra a alteração. "Uma mudança dessas enfraqueceria muito a política de combate ao cartel no Brasil. O prazo para o Estado punir seria muito menor", avaliou. "Tem havido um esforço de reforçar a política de combate a cartel no brasil desde o início dos anos 2000. Uma mudança na jurisprudência nesse sentido enfraqueceria o 'enforcement' público", acrescentou.