Correio braziliense, n. 20370, 27/02/2019. Mundo, p. 13

 

Trump e Kim buscam progresso

Rodrigo Craveiro

27/02/2019

 

 

Oito meses depois da histórica cúpula na Ilha de Sentosa, em Cingapura, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, voltam a ficar frente a frente, na noite desta quarta-feira (manhã de hoje, em Basília). Do encontro de dois dias em Hanói (Vietnã), o líder norte-americano espera ações concretas que levem ao desmantelamento do programa nuclear de Pyongyang. Além da desnuclearização da Península Coreana — o termo ainda é considerado por demais vago —, os dois mandatários discutirão meios de transformar as relações entre Washington e o regime comunista, de estabelecer a paz duradoura na região e de repatriar os americanos mortos durante a Guerra da Coreia (1950-1953). A ausência de progressos em Sentosa, à exceção do agendamento da nova reunião, instila ceticismo e esperança em especialistas. A expectativa é de que Trump alivie algumas das demandas a Kim, em troca de concessões mais paupáveis. “Eu não quero apressar ninguém. Enquanto não houver testes (nucleares), estaremos felizes”, declarou o republicano, semana passada, segundo o jornal The New York Times.

“Acabo de aterrissar no Vietnã. Obrigado a todas as pessoas pela grande recepção em Hanói. Multidões fabulosas e muito amor”, afirmou Trump, por meio das redes sociais. Na segunda-feira, ele admitiu esperar “uma cúpula muito produtiva”. Depois de chegar ao Vietnã a bordo de um trem blindado, que percorreu 4,5 mil quilômetros, Kim foi recepcionado pela guarda de honra militar na estação de Dong Dang, na fronteira com a China. Sob forte aparato de segurança, o comboio do ditador norte-coreano foi saudado por uma multidão entusiasmada e seguiu até o Hotel Meliá. Após breve descanso, Kim visitou a embaixada de seu país. Até o fechamento desta edição, tinham sDido divulgados poucos detalhes sobre a reunião. Trump e Kim devem jantar juntos, acompanhados dos principais assessores. Segundo a agência de notícias KCNA, o líder comunista recebeu de conselheiros um relatório detalhado sobre os contatos entre sua delegação e a dos Estados Unidos. O governo da Coreia do Sul, por sua vez, almeja um acordo que ponha fim à Guerra da Coreia — o conflito foi interrompido por um cessar-fogo.

Especialista não residente do Stimson Center, instituto baseado em Washington, e diretor do site NK Leadership Watch, Michael Madden afirmou ao Correio que o fato de os EUA e a Coreia do Norte fortalecerem os laços bilaterais e se engajarem em um número recorde de interações sugere avanço nas relações diplomáticas dos dois países, tecnicamente em guerra. “Nós, provavelmente, veremos um acordo para abrir escritórios de ligação (o precursor do estabelecimento de relações diplomáticas e a abertura de embaixadas) ou, no mínimo, o estabelecimento de um mecanismo formal bilateral entre Washington e Pyongyang”, explicou. “Kim deverá oferecer uma declaração e permitir inspeções de algumas de suas instalações nucleares. No entanto, o foco estará nos oficiais de ligação ou na expansão de canais bilaterais. Isso facilitará acordos sobre as armas de destruição em massa.”

Brasileiro

Em meio a críticas por não colocar em um mesmo patamar os regimes da Venezuela e da Coreia do Norte, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, ironizou a imprensa. “Curioso: a mídia internacional (e  nacional, que a copia) só passou a chamar Kim Jong-un de ditador depois que ele começou a negociar com Trump. Antes, era o ‘líder da Coreia do Norte’ ou algo respeitoso. A mídia não é contra as ditaduras, a mídia é contra o Ocidente democrático”, escreveu o ministro das Relações Exteriores em seu perfil no Twitter. “Para os venezuelanos e demais sul-americanos, a pior ditadura do mundo é a de Maduro na Venezuela. Aos que são oprimidos por esse regime ou aos seus vizinhos solidários, de nada adianta chegar e dizer: ‘alegrem-se, a Coreia do Norte está pior do que a Venezuela em um ranking’”, acrescentou Araújo.

Eu acho...

“A desnuclearização é um processo longo e abstrato. A Coreia do Norte  provavelmente permitirá um regime de inspeções, uma declaração que locais relevantes e poderá iniciar um processo voltado à redução de seu inventário e de armas nucleares e de sua base industrial. A coisa mais tangível da segunda reunião será a formalização, por parte da Coreia do Norte, da proibição de testes com armas nucleares e do fim de exercícios com mísseis balísticos.”

Michael Madden, especialista não residente do instituto Stimson Center (em Washington) e diretor do NK Leadership Watch

Expectativas em aberto

Encontro em Hanói tem resultado incerto, na avaliação de analistas

Fracasso completo: improvável

» Um colapso total parece “improvável, porque Trump e Kim estão muito envolvidos com a reunião”, afirma Viping Narang, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A primeira cúpula entre os dois líderes, ano passado, em Cingapura, terminou com uma declaração vaga sobre a “desnuclearização completa”, interpretada por Pyongyang como a retirada total das armar atômicas da Península Coreana.

“Cingapura 2”

» Trump tem como objetivo a “desnuclearização verificável e irreversível” da Coreia do Norte, mas contra resistências da parte de Kim. Caso saia de Hanói apenas uma fórmula semelhante à de Cingapura,  o resultado será ruim para o presidente americano, avalia Jung Pak, ex-analista da CIA que hoje está na Brookings Institution. “Outra declaração vaga sobre intenções, com muito pouca ação concreta que cada parte se comprometa a assumir será um fracasso”, comenta.

“Fator Trump”

» A natureza algo intempestiva do presidente abre mais incógnitas sobre o possível desfecho da cúpula. Um diplomata oriental ouvido pela agência de notícias France-Presse observa que, caso se guie pela “química pessoal” que diz ter estabelecido com Kim, Trump poderia fazer concessões que desagradariam aos “duros” de Washigton — como o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton — e aliados asiáticos, como Coreia do Sul e Japão.

Desarmamento verificável

» Um acordo que determine passos concretos e um cronograma para o desarmamento nuclear da Coreia do Norte é o “resultado dos sonhos” para os EUA, na visão unânime dos especialistas. Uma fórmula considerada viável seria a aceitação por Pyongyang de um regime de inspeções a cargo da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, órgão da ONU). Em troca, Washington poderia abrir um escritório diplomático na capital norte-coreana.