Correio braziliense, n. 20371, 28/02/2019. Mundo, p. 12

 

Guaidó no Planalto, sem subir a rampa

Jorge Vasconcellos

Rodolfo Costa

28/02/2019

 

 

O autoproclamado presidente encarregado da Venezuela, o opositor Juan Guaidó, reconhecido por 50 países, será recebido hoje em Brasília pelo presidente Jair Bolsonaro — um dos primeiros a lhe dar apoio, no próprio dia da proclamação, em 23 de janeiro. Vindo da Colômbia, Guaidó deve manter reuniões com o governo brasileiro, possivelmente também amanhã, antes de retornar a Caracas, onde responderá à Justiça por ter descumprido uma ordem para não sair da Venezuela.

Guaidó é esperado no Palácio do Planalto às 14h, mas não com as formalidades dispensadas a um chefe de Estado — ou seja, não subirá a rampa. Antes, se reunirá no Itamaraty com o chanceler Ernesto Araújo, “indicado pelo presidente para representá-lo nessa recepção”, informou o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros. Embora sem o tratamento de Estado, o presidente interino da Venezuela terá a segurança dispensada a autoridades estrangeiras que visitam o país.

O Brasil, com a Colômbia, participou da tentativa de entrada de ajuda humanitária na Venezuela, no último sábado. A operação foi frustrada pelo fechamento das fronteiras venezuelanas com o Brasil e a Colômbia, ordenado pelo presidente Nicolás Maduro, que denunciou a operação como disfarce para um golpe de Estado patrocinado pelos Estados Unidos.

Nas duas regiões fronteiriças, o bloqueio provocou confrontos entre manifestantes e forças leais ao governo, com quatro mortos e 300 feridos, segundo a ONU. Caminhões com alimentos e remédios foram incendiados. O governador de Roraima, Antonio Denaruim (PSL), que se reuniu com um aliado de Maduro, disse ter recebido informações de que a fronteira com a Venezuela seria reaberta hoje.

Na Colômbia, depois de liderar a tentativa de ingressar na Venezuela com a ajuda humanitária, o presidente interino participou na segunda-feira de uma reunião extraordinária do Grupo de Lima, cuja declaração final defendeu a transição pacífica de poder na Venezuela, “sem o uso da força”. A manifestação contrariou a posição dos EUA e do próprio Guaidó, que, em diferentes ocasiões, consideraram a possibilidade de uma intervenção militar para tirar Maduro do poder.

Partidários de Maduro saíram ontem às ruas de Caracas,  em uma manifestação liderada pelo vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello. Diante dos correligionários, ele mencionou os acontecimentos de sábado, quando foram barrados os comboios de ajuda humanitária, como um marco na crise. “Nós os fizemos correr, fugir, e lembraremos esse 23 de fevereiro como um ponto de virada na grande batalha de todos os dias”, dicursou.

À medida que o impasse político na Venezuela evolui, Guaidó vem ampliando seu espaço diplomático. O presidente chileno, Sebastián Piñera, convidou o líder antichavista para uma cúpula regional convocada para março, em Santiago, com o propósito de criar um fórum substitutivo à União de Nações Sul-Americanas (Unasul). “Teremos uma reunião de presidentes para discutir muitos dos problemas que afetam o continente e, é claro, Juan Guaidó está convidado”, disse Piñera.

Roraima

Bolsonaro liderou ontem uma reunião do Conselho de Defesa Nacional para discutir os reflexos da crise na Venezuela para o país. Um dos assuntos tratados foi a instalação de um linha de transmissão de energia elétrica que integrará ao sistema brasileiro o estado de Roraima, hoje dependente de eletricidade venezuelana. “Com isso, promoveremos a soberania e a defesa nacional”, afirmou o porta-voz da Presidência. A linha leva energia produzida na Hidrelétrica de Tucuruí à região ao norte do Rio Amazonas.

O Brasil continuará usando energia de usinas termelétricas e da Venezuela até que as obras estejam concluídas. A expectativa do governo é de que as licenças ambientais sejam entregues até 30 de junho. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está atuando diretamente no projeto, com a previsão de que as obras sejam concluídas em até três anos.

Frase

“Nós os fizemos correr, fugir, e lembraremos esse 23 de fevereiro como um ponto de virada na grande batalha de todos os dias”

Diosado Cabello, “número dois” do regime chavista

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Pressão dos EUA na ONU

28/02/2019

 

 

Os Estados Unidos pretendem levar hoje a votação no Conselho de Segurança da ONU um projeto de resolução que pede a realização de eleições presidenciais “livres, justas e confiáveis” na Venezuela, além de livre acesso para a ajuda humanitária externa enviada ao país, disseram diplomatas. O texto se refere aos incidentes do fim de semana na fronteira com o Brasil e a Colômbia, denunciando “a violência e o uso excessivo da força, por parte das forças de segurança venezuelanas, contra manifestantes pacíficos e desarmados”. A proposta, contudo, pode ser vetada pela Rússia, que apoia o governo de Nicolás Maduro.

Em meio à pressão internacional, o ministro venezuelano das Relações Exteriores, Jorge Arreaza, pediu que seja organizada uma reunião entre Maduro e o presidente dos EUA, Donald Trump. Em discurso ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Arreaza disse que o governo chavista “está pronto” para buscar um entendimento direto com Washington — embora tenha rompido as relações diplomáticas, há um mês. “Voltamos a sugerir o caminho do diálogo com os Estados Unidos. E por que não uma reunião entre o presidente Trump e o presidente Maduro?” Um grupo de embaixadores de países europeus e latino-americanos deixou a sessão quando Arreaza iniciou seu discurso.

Na Colômbia, um alto funcionário do governo Trump chamou Maduro de “ditador” e disse que os EUA consideram “irresponsável” descartar uma intervenção militar na Venezuela, como fez o Grupo de Lima, na segunda-feira, na declaração final de uma reunião celebrada em Bogotá. “Seria irresponsável que o governo dos EUA descartasse o uso das forças militares”, disse o emissário americano durante audioconferência com jornalistas, sob condição de anonimato.

Os ministros de Relações Exteriores da Rússia e da China, que também apoia Maduro, reafirmaram a oposição de Moscou e Pequim a uma ação militar na Venezuela. “Trabalhamos com todos os países preocupados, como nós, com a ideia de uma interferência”, afirmou o chanceler russo, Sergei Lavrov, em Wuzhen (leste da China). “A questão, por natureza, um problema interno na Venezuela”, concordou o chanceler chinês Wang Yi.