Valor econômico, v.19, n.4546, 16/07/2018. Opinião, p. A10
É hora de destravar o potencial da aviação brasileira
Robert Land
16/07/2018
Começarei com um fato bastante corriqueiro: o Brasil é grande. Realmente grande. Algo como maior que os Estados Unidos continental, o dobro do território da União Europeia e cerca de três vezes o tamanho da Índia. Apenas três países do mundo - Rússia, China e Canadá - podem se orgulhar de extensões territoriais únicas maiores do que o Brasil. Assim que entendemos isso, é fácil ver por que a aviação é tão importante para o desenvolvimento do Brasil, comparando-se as rotas de ônibus que levam dias enquanto aquelas realizadas em aviões demoram horas.
Os números sustentam esse potencial. De 2004 a 2014, de cada 100 brasileiros, 55 voaram pelo menos uma vez. O transporte aéreo doméstico no Brasil nesse período cresceu 3,5 vezes mais rápido que o PIB e 14 vezes mais rápido do que a população. De fato, o Brasil deverá entrar nos 10 melhores mercados de aviação do mundo nos próximos 20 anos.
As transportadoras de baixo custo (LCCs) devem ser uma parte crítica desse desenvolvimento. Globalmente, as LCCs transportaram 984 milhões de passageiros em 2015, o que representou 28% do total mundial e um aumento de 10% em relação a 2014. As LCCs tiveram uma taxa de crescimento de passageiros que era cerca de uma vez e meia a taxa do crescimento médio total de passageiros.
O crescimento da LCC em todo o mundo foi proporcional à liberalização do mercado. À medida que os governos desregulavam a aviação, as LCCs entraram no mercado em resposta à demanda dos consumidores por produtos inovadores e novas rotas. Como resultado, em todos os grandes mercados de aviação de hoje, as LCCs representam uma parcela significativa do tráfego. Por exemplo, existem 5 LCC na Índia, 9 na China, 7 no Japão e 6 nos EUA. Mas o Brasil tem sido uma história diferente. Aqui as condições para LCC investirem no mercado enfrentam desafios locais únicos que não existem em outros mercados. Elas são prejudicadas por regulamentos onerosos que reduzem a capacidade das operadoras de oferecer novos serviços ao público viajante.
As penalidades impostas às companhias por fatos totalmente fora de seu controle tornam a viagem mais cara
É por isso que colocar em prática um marco regulatório no Brasil é fundamental para fomentar as LCC - e para todo o crescimento da aviação. Grande parte dessa estrutura está disponível para os consumidores em outros lugares - por isso é uma questão de aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais vigentes hoje. O movimento da Anac para liberalizar a franquia de bagagem foi um passo importante nessa direção. O Brasil era um dos únicos países do mundo que exigia que as companhias aéreas oferecessem uma franquia de bagagem obrigatória (de duas peças de bagagem despachada por cliente em vôos internacionais ou 20 kg no doméstico). Outros governos como a China, União Europeia e os EUA, permitem que as companhias aéreas determinem suas próprias franquias - de acordo com os seus respectivos modelos de negócios - e simplesmente exigem que as companhias aéreas divulguem quais são as suas regras. Este é um sistema melhor para os consumidores porque eles podem escolher a oferta que melhor lhes convier. Também permite que as operadoras ofereçam uma variedade de produtos que atendam às necessidades dos consumidores. Afinal, um pequeno empresário precisa de uma franquia de bagagem despachada para uma viagem de um dia para visitar potenciais clientes em outra cidade?
Mas há mais trabalho a ser feito. Por exemplo, as regulamentações vigentes no Brasil punem as companhias aéreas por atrasos e cancelamentos que estão fora de seu controle de gerenciamento. Então, as companhias aéreas acabam tendo que pagar reparação de danos morais e materiais aos consumidores em qualquer desses casos, desde o mau tempo até o equipamento do aeroporto com defeito. Nenhum outro grande mercado de aviação opera dessa maneira; Em outros países, aplica-se o conceito de "força maior" ou "circunstância extraordinária" que desobriga o transportador de pagar reparação nestes casos.
Isso é importante porque a regulamentação deve incentivar determinados comportamentos. Neste caso, as companhias aéreas já são altamente incentivadas a operar pontualmente; e quando elas não têm controle sobre as causas do atraso ou cancelamento o que a compensação irá adicionar além de custos à operação? Não existe "almoço grátis", os custos impostos às companhias aéreas são transferidos para os consumidores. Assim, as penalidades impostas às companhias aéreas por atrasos e cancelamentos totalmente fora de seu controle acabam tornando a viagem mais cara para todos - e tornam o Brasil um mercado menos atraente para uma nova operadora iniciar um serviço.
A desregulamentação do mercado de aviação no Brasil - iniciada há 20 anos - ofereceu uma oportunidade de ouro aos consumidores, como preços mais baixos, mais conectividade e mais opções. Hoje, temos a chance de continuar essa jornada - e criar um ambiente regulatório que permita mais concorrência e mais produtos que ofereçam ao consumidor mais escolha.
A melhor proteção que um governo pode garantir aos seus cidadãos é propiciar condições regulatórias que permitam que as cias aéreas possam 'brigar' pelos consumidores, oferecendo produtos adequados e propiciando que mais passageiros possam usufruir do transporte aéreo.