Valor econômico, v.19, n.4547, 17/07/2018. Brasil, p. A6

 

Eletrobras pretende cobrar da União perdas com privatização

Camila Maia

Rafael Bitencourt

17/07/2018

 

 

Praticamente sem escolha a não ser continuar operando as distribuidoras deficitárias do Norte e Nordeste até o fim do ano, a Eletrobras deve cobrar da União, na data em que devolver definitivamente as concessões, um ressarcimento do prejuízo apurado no período de "designação".

Segundo a própria Eletrobras, entre julho de 2016 e março deste ano, as seis empresas já causaram perdas da ordem de R$ 5 bilhões à estatal. Com o provável adiamento do período de designação até dezembro, o prejuízo deve crescer, a despeito da exigência dos acionistas de que a remuneração recebida pela estatal para operar as distribuidoras seja readequada.

A estatal estima que o déficit de caixa das distribuidoras até julho, quando termina o prazo atual da designação, é de R$ 5,8 bilhões. Para o período de agosto e dezembro, as projeções de déficit de caixa vão de R$ 1,8 bilhão a R$ 3,2 bilhões, caso não se tenha recursos de encargos setoriais para serem injetados nas distribuidoras.

Diante da baixa probabilidade de que a tarifa e os encargos recebidos pela Eletrobras sejam suficientes para bancar as distribuidoras até o fim do ano, cresce a possibilidade de uma judicialização dos minoritários contra a União.

Os acionistas da Eletrobras vão decidir em uma assembleia geral extraordinária (AGE) em 30 de julho se prorrogam ou não o prazo de designação das distribuidoras até 31 de dezembro. A proposta da administração exige a readequação da remuneração paga hoje à estatal para fazer a gestão das distribuidoras de energia. Essa mesma condição, porém, esteve presente nas outras duas AGEs que aprovaram que a Eletrobras continuasse operando as distribuidoras, agora chamadas de "designadas", até sua privatização.

A ideia é impedir que os prejuízos apurados pela companhia continuem crescendo até que as distribuidoras sejam definitivamente vendidas - ou liquidadas.

O adiamento parece uma solução simples diante da impossibilidade da realização do leilão, mas esconde uma situação complicada para o governo.

De um lado, a manutenção das concessionárias sob gestão da estatal com remuneração inadequada pode ser motivo para os administradores serem acusados de gestão temerária. Os acionistas que votarem dessa forma também podem ser responsabilizados. A adequação do montante pago à Eletrobras, por sua vez, deve ser feita por meio de encargos setoriais, o que implica um risco de ações judiciais contra a União.

A terceira opção seria a liquidação das concessionárias, e posterior licitação das concessões do zero. O Valor apurou, porém, que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não está preparada para isso, pois não houve uma definição pelo poder concedente. Todas as apostas do governo estão no sucesso do leilão de privatização, que não tem data certa para acontecer e enfrenta sucessivos problemas na Justiça.

Em entrevista concedida ao Valor na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, disse que, sem a aprovação do PL, as distribuidoras serão liquidadas. "A Eletrobras não vai mais prestar o serviço, as empresas já estão com a concessão vencida, em situação precária. Nunca tivemos uma situação dessas. É grave. Por isso que botamos a privatização das distribuidoras como a prioridade número um, junto com a cessão onerosa", afirmou.

A Eletrobras devolveu as concessões à União em 2016, mas aceitou continuar operando as distribuidoras de forma designada enquanto o governo preparava o leilão de privatização. Esse prazo terminaria em dezembro do ano passado, mas foi postergado até o fim de julho devido aos atrasos no cronograma da operação. O leilão estava marcado para 26 de julho, mas deve ser adiado para agosto por força de ações judiciais.

A proposta da administração da Eletrobras condiciona à postergação do prazo à adequação, pelo poder concedente, da remuneração recebida pela companhia para operar, manter e fazer investimentos relacionados à prestação de serviços pelas companhias.

Por lei, o governo é obrigado a licitar novamente as concessões de distribuição devolvidas pela Eletrobras. O problema é que, se o leilão envolver os ativos separados das concessionárias, a estatal ficará com todo o prejuízo, estimado em cerca de R$ 22 bilhões. Esse seria o custo da liquidação das seis distribuidoras de energia.

Um eventual fracasso no leilão ou uma decisão surpreendente da Eletrobras de devolver as concessões definitivamente poderiam obrigar a Aneel a realizar às pressas uma licitação de nova concessão para cada uma delas. O risco, na ausência de um leilão, é de que os consumidores de energia dos seis estados (Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Piauí e Alagoas) fique desamparado.

No passado, a Aneel usou o mecanismo da intervenção em outras concessões que tiveram problemas - o caso mais emblemático é do das distribuidoras do Grupo Rede. Nesse caso, a agência reguladora afastou gestores de cargos mais altos e nomeou interventores para administrar as companhias.

No caso das distribuidoras da Eletrobras, porém, a Aneel entende que não pode recorrer à alternativa. Como a Eletrobras devolveu as concessões, o entendimento é que não há concessões as quais a Aneel possa regular ou intervir. A decisão precisaria vir, primeiramente, do poder concedente.

Segundo uma fonte, havia uma espécie de "acordo informal" da equipe técnica do Ministério de Minas e Energia com a Aneel a esse respeito. Enquanto o governo preparava a privatização das companhias, a agência, paralelamente, deveria preparar um possível leilão para as concessões, separadas do CNPJ das distribuidoras.

Isso, no entanto, não foi feito, apurou o Valor. A Aneel contava com o sucesso da venda das distribuidoras até o fim do mês. Sem isso, a única saída que não inviabiliza a prestação de serviço por parte da Eletrobras é a aprovação do novo prazo de designação, até o fim do ano. Há uma tese jurídica que a estatal não tem escolha nesse caso, pelo seu caráter estatal. Ela seria a "designada compulsória".

Como sociedade de economia mista, no entanto, a Eletrobras tem a obrigação de defender o interesse de seus acionistas, e não pode ser obrigada ter prejuízos bilionários. "O governo não pode impor o custo do fracasso da gestão aos investidores da Eletrobras", disse uma fonte, que enxerga na situação uma "chantagem" que vai acabar impondo custos aos sócios minoritários e aos consumidores de energia de todo o país. (Colaboraram Rodrigo Polito, do Rio, Estevão Taiar e Catherine Vieira, de São Paulo)