Valor econômico, v.19, n.4547, 17/07/2018. Empresas, p. B5

 

STF suspende norma da ANS sobre coparticipação em plano de saúde

Luísa Martins 

Isadora Peron

17/07/2018

 

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu ontem resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que permitia às operadoras de planos de saúde cobrar dos usuários até 40% do valor de atendimentos, como consultas e exames, no modelo de coparticipação. A norma foi editada em junho e entraria em vigor em dezembro.

A decisão atendeu a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e foi tomada em caráter liminar pela presidente do STF, que trabalha em regime de plantão durante o recesso do Judiciário neste mês. O relator natural é o ministro Celso de Mello.

No texto, Cármen Lúcia afirma que a resolução da ANS tem impacto negativo sobre milhões de usuários de planos de saúde, "muitos deles em estado de vulnerabilidade e inegável hipossuficiência". Ela assinala ainda que a norma foi editada sem antes ter sido sido discutida no Congresso Nacional - e que o Supremo tem jurisprudência no sentido de resguardar a defesa do direito fundamental à saúde.

"Saúde não é mercadoria, vida não é negócio, dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos, sequer instabilizados", afirmou, intimando a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) a se manifestar. "As normas instabilizam os usuários que precisam dos planos, pretendem ou necessitam brevemente renová-los ou pensam em adotá-los."

Está prevista em lei a possibilidade de a presidente do STF decidir liminarmente em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) durante período de recesso. Porém, o relator, Celso de Mello, poderá reexaminar a decisão nos próximos dias. Ele assumirá a presidência do STF nesta terça e quarta-feiras - o presidente Michel Temer viaja a Cabo Verde e Cármen Lúcia ocupará o Palácio do Planalto.

A ANS afirmou ontem que a decisão foi encaminhada à Advocacia-Geral da União (AGU) para as providências cabíveis. E acrescentou que a norma "observou rigorosamente o rito para edição de ato administrativo normativo, especialmente quanto à oportunidade de participação da sociedade". Segundo a agência, a norma foi analisada pela AGU "sem que tenha sido identificada qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade".

Já a OAB comemorou a concessão da liminar. O presidente da instituição, Claudio Lamachia, disse que a resolução constituía uma "severa restrição" ao direito à saúde, previsto na Constituição Federal. "A lei que cria a ANS determina que ela fiscalize o setor visando à proteção e à defesa do consumidor. Claramente ela se desviou de sua finalidade", afirmou. Para ele, agências reguladoras "passaram a ser ambientes para a troca de favores entre partidos, muito pouco ou nada fazendo em prol da população" (ver mais ao lado).

A resolução foi editada pela agência em junho com o argumento de proteger o consumidor, ao definir um conjunto de exigências a serem cumpridas pelas operadoras nos modelos de coparticipação e franquia. Entre elas, o estabelecimento de um percentual máximo de cobrança de procedimentos de saúde; a fixação de limites de valores relacionados ao custo de coparticipação e franquia; e a isenção da cobrança de coparticipação e franquia em mais de 250 procedimentos, como exames preventivos e tratamentos para doenças crônicas.

Há cerca de uma semana, senadores da Comissão de Assuntos Sociais (CSA) manifestaram apoio a uma iniciativa do PT de aprovar proposta de decreto legislativo para sustar os efeitos dessa norma. "Os aumentos anunciados são aumentos que a população não conseguiu entender e muito menos assimilar dentro de seus orçamentos", disse Marta Suplicy (MDB-SP), durante a audiência pública.

A fala da parlamentar foi alinhada à do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), segundo o qual o propósito da ANS é fazer com que o usuário "use menos" o plano de saúde. "Esse modelo é bom para quem tem saúde, mas quem não tem provavelmente vai pagar a mais", disse a representante Marilena Lazzarini.

Na ocasião, o gerente-geral da Gerência Regulatória da Estrutura dos Produtos da ANS, Rafael Vinhas, disse que outras duas audiências estão previstas, em 24 e 25 de julho, no Rio de Janeiro, para discutir o tema com a sociedade.

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Para OAB, há risco de todo plano fixar cobrança extra

Beth Koike 

17/07/2018

 

 

A Ordem dos Advogados dos Brasil (OAB) acredita que, se entrar em vigor, a norma da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que permite a cobrança de franquia e de coparticipação de até 40% em procedimentos médicos vai balizar o mercado nesse patamar. No caso da franquia, o valor cobrado do usuário não pode ultrapassar o dobro do que ele paga em cada mensalidade do plano.

"Com a regulamentação, as operadoras vão oferecer só planos de saúde com essas características. Podem até ofertar uma modalidade sem coparticipação e franquia, mas com preços nas alturas, inacessíveis", disse Claudio Lamachia, presidente da OAB, autor da ação acatada pela ministra Cármem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a resolução da ANS.

Atualmente, mais da metade dos usuários dos planos de saúde do país pagam uma coparticipação nos atendimentos. Antes da regulamentação, a prática do mercado era cobrar em média 30% do valor de procedimentos médicos mais simples, como forma de inibir o uso do convênio. A resolução estabelece um teto de 40% para a coparticipação e determina que em 250 procedimentos, como quimioterapia e hemodiálise, não pode haver nenhuma cobrança. No entanto, abre espaço para que as operadoras cobrem a fatia do usuário em todos os outros procedimentos que não estão nessa lista, incluindo os de alto risco. "A mudança é que a coparticipação agora morde também os tratamentos mais caros, vale para qualquer tipo de risco, não só os mais baratos como antes", disse Francisco Vignoli, sócio da B2 Saúde, consultoria especializada em saúde.

Vignoli lembra que a medida da ANS determina que a cobrança não seja superior a 12 vezes o valor da mensalidade do plano, porém, o usuário e seus dependentes podem ter várias intercorrências no ano e esses valores somados podem ser muito elevados. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também alerta para o risco do usuário acumular dívida. "Existe um elevado risco de endividamento, postergação de tratamentos ou ainda o aumento da busca pelo SUS", afirma em nota.

Em relação à franquia em planos de saúde, modalidade pouco comum no mercado brasileiro, o presidente da OAB comparou à cobrança de bagagens pelas empresas aéreas. Lamachia afirma que não houve redução nos preços das passagens e que o mesmo vai ocorrer com os convênios.

A regulamentação dos mecanismos de franquia e coparticipação era um pleito das operadoras de saúde. Ontem, a Abramge, associação que reúne as empresas, afirmou que a decisão do STF será melhor analisada e acrescentou que decisões da Justiça devem ser respeitadas.