Título: Tese do esquema de corrupção ganha força
Autor: Abreu, Diego ; Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 30/08/2012, Política, p. 4
Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello reforçam acusação contra os réus
Os três ministros mais antigos do Supremo Tribunal Federal (STF) foram contundentes no reconhecimento de que houve um esquema de corrupção nos contratos firmados pelas agências do empresário Marcos Valério com a Câmara dos Deputados e o Banco do Brasil. Únicos nomeados para a Suprema Corte antes de o PT chegar ao Palácio do Planalto, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votaram pela condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de corrupção passiva e peculato. Quanto ao crime de lavagem de dinheiro, Marco Aurélio manifestou-se pela absolvição.
Conhecidos como juízes garantistas, por privilegiarem direitos individuais, os decanos da Suprema Corte foram rigorosos na análise das provas. Os advogados tentaram desqualificá-las durante a fase de sustentação oral, mas os três magistrados mais experientes entenderam que não há dúvida de que houve corrupção. Eles foram rigorosos no entendimento de que não é necessário o ato de ofício para configurar o crime e, ainda, de que pouco importa como o dinheiro recebido de Marcos Valério foi utilizado. Gilmar, Marco Aurélio e Celso desqualificaram a tese da defesa de João Paulo — endossada pelo ministro Dias Toffoli — de que o deputado jamais teria mandado a própria mulher pegar os R$ 50 mil se estivesse praticando algum crime.
Segundo a votar na tarde de ontem, logo depois de Cezar Peluso, Gilmar Mendes ainda enfatizou que o processo do mensalão não chegaria ao fim se estivesse sendo julgado pela primeira instância da Justiça. Indicado para o Supremo em 2002, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, Gilmar observou que a prova dos autos revela que João Paulo Cunha, presidente da Câmara à época dos fatos, beneficiou a SMP&B. "O dinheiro não teve origem no PT. O valor saiu das contas da SMP&B", frisou o ministro, referindo-se aos R$ 50 mil sacados pela mulher do petista, Márcia Regina, em uma agência do Banco Rural.
Gilmar discordou do relator do processo, Joaquim Barbosa, somente em relação a um dos peculatos atribuídos a João Paulo pela subcontratação da empresa IFT pela Câmara dos Deputados. Nesse caso, o ministro seguiu o voto de Rosa Weber, que inocentou o petista desse crime, alegando falta de provas. Gilmar apontou também a existência de lavagem de dinheiro. "Não se tem apenas o recebimento. O dinheiro recebido foi reinserido na economia formal", destacou.
Dinheiro empacotado Terceiro a votar na sessão de ontem, Marco Aurélio enfatizou que as provas mostram que João Paulo, na condição de presidente da Câmara, tinha o comando sobre o contrato com a agência SMP&B. O ministro, assim como os nove que votaram em relação ao primeiro item da denúncia, condenou o ex-diretor de Marketing do BB Henrique Pizzolato por corrupção passiva e peculato. Pizzolato recebeu pacotes que continham um total de R$ 326 mil sacados de contas da empresa de Valério. "O que foi sustentado contraria a ordem natural das coisas e uma noção sobre a vida econômica e financeira", afirmou Marco Aurélio, para quem são "insustentáveis" as respostas de que o réu não sabia que havia dinheiro nos pacotes e, ainda, de que entregou tudo a um emissário do PT.
Último a votar na sessão de ontem, o decano do STF, Celso de Mello, seguiu o voto do relator, discordando apenas do segundo peculato de João Paulo. Acostumado a fazer manifestações longas, Celso disse logo no princípio que acolheria a denúncia quase integralmente. Em seguida, ele usou cerca de uma hora apresentando fundamentos para justificar o motivo das condenações. O ministro fez um alerta. Segundo ele, agentes que corrompem e se deixam corromper são "profanadores da República". "Quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercê-los em seu próprio benefício."
"Quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercê-los em seu próprio benefício" Celso de Mello, ministro do STF
"O que foi sustentado contraria a ordem natural das coisas e uma noção sobre a vida econômica e financeira" Marco Aurélio Mello, ministro do STF, ao julgar o caso do ex-diretor de Marketing do BB Henrique Pizzolato
Protesto contra Belo Monte
Enquanto os ministros do STF julgavam o mensalão, manifestantes protestaram, no plenário, contra as obras da Usina de Belo Monte, no Pará. Cerca de 10 integrantes do grupo Ocupasampa atrapalharam o início do voto do ministro Gilmar Mendes. Os manifestantes levantaram cartazes na plateia, onde entraram durante o intervalo da sessão. Segundo uma das líderes do movimento, que se identificou apenas como Juliana, o ato não representava um protesto contra a Corte. "A gente só veio aqui para aproveitar o movimento midiático e levar essa questão", afirmou, referindo-se a uma liminar concedida pelo STF para a continuação da construção da usina. O grupo foi retirado do plenário pelos seguranças, que apreenderam os cartazes rapidamente, sem que a sessão fosse interrompida.