Título: O último ato do ministro Peluso
Autor: Mader, Helena ; Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 30/08/2012, Política, p. 5

Magistrado mais experiente da Corte, que se aposenta esta semana, encerra o mistério ao julgar apenas o item 3 da Ação Penal 470. Após o voto, recebeu homenagem dos colegas

Depois de nove anos como integrante do Supremo Tribunal Federal, o ministro Cezar Peluso se despediu ontem da Corte "com um sentimento amargo". O magistrado usou a expressão para explicar como se sentia após ter condenado cinco réus do mensalão. "Nenhum juiz ciente da sua vocação condena alguém por ódio. Nada mais constrange o magistrado do que condenar o réu em uma ação penal", justificou Peluso. O ministro completa 70 anos na próxima segunda-feira, data-limite para se aposentar.

Apesar do tom emocional da despedida, Peluso proferiu um voto severo. O magistrado ironizou algumas alegações da defesa do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) ao condená-lo a seis anos de detenção pelas acusações de corrupção passiva e peculato. Ele começou o voto com uma longa consideração a respeito da importância dos indícios nas ações penais para explicar o entendimento sobre o saque de R$ 50 mil, realizado pela mulher de João Paulo Cunha. "Se alguém aparece em uma agência bancária e recebe uma alta importância em dinheiro de um modo clandestino, porque à revelia dos registros oficiais desse recebimento, provavelmente esse é um comportamento ilícito. Eu, pelo menos, não conheço nenhuma pessoa que, sendo credora, recebeu seu crédito regular dessa forma", comentou Peluso.

O ministro citou depoimentos de João Paulo Cunha e de Marcos Valério, especialmente o trecho em que o deputado justificou os encontros com o empresário com o argumento de que eles discutiam a política brasileira. "Esse depoimento me suscitou uma indagação: por que um político experimentado teria que conversar com um publicitário sobre a situação política do país? A proximidade entre ambos ficou evidentíssima", afirmou.

Cezar Peluso, que é juiz de carreira com 45 anos de experiência, refutou com vigor as alegações da defesa de João Paulo Cunha de que os R$ 50 mil seriam destinados à realização de pesquisas eleitorais em Osasco. "A alegação é absolutamente inverossímil. A campanha eleitoral municipal só se realizaria dois anos depois. Uma pesquisa naquele momento seria absolutamente inútil, sobretudo diante da alegação de que o partido não tinha dinheiro."

O ministro ainda ironizou o fato de as notas fiscais da empresa supostamente responsável pela realização da pesquisa eleitoral terem números sequenciados, apesar de as datas de emissão terem três meses de diferença. "A levar a sério as notas, a empresa não fazia nada. Fez três serviços no segundo semestre (de 2003) e nada mais."

Na condenação por peculato, o ministro lembrou que apenas 2,32% dos serviços previstos no contrato firmado entre a Câmara e a SMP&B foram efetivamente prestados pela empresa de Marcos Valério. "Subcontrataram até para fazer textos que um aluno da quarta série faz", ironizou Peluso, que citou ainda a ocorrência de considerável aumento dos gastos da Casa com ações de publicidade durante a vigência do contrato com a agência. O magistrado, contudo, absolveu João Paulo Cunha do crime de lavagem de dinheiro e de uma das acusações de peculato.

Elogios Após a conclusão do voto de Peluso, colegas fizeram discursos de homenagem, o que deixou o ministro emocionado. O primeiro a falar foi o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, que exaltou a "competência e a transparência" do magistrado. "Sua excelência sempre nos transmitiu preciosas lições de vida", afirmou. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que Peluso "abrilhantou o Supremo com a presença na Corte". O advogado Márcio Thomaz Bastos subiu à tribuna para saudar o ministro e lembrou que "teve a honra de participar do processo de indicação e de nomeação" de Peluso.

Despedida "Nenhum juiz verdadeiramente digno de sua vocação condena ninguém por ódio" Cezar Peluso, ministro do STF

"As condenações são uma imposição da consciência do magistrado" Cezar Peluso, ministro do STF

"Aprendemos com Peluso que um juiz deve pautar o seu ofício pela decência e ética" Ayres Britto, presidente do STF

"(Cezar Peluso) abrilhantou com sua presença este tribunal" Celso de Mello, decano do STF

"Vossa Excelência é a encarnação do seu próprio discurso. E me parece que a autenticidade é isso" Roberto Gurgel, procurador-geral