Correio braziliense, n. 20383 , 12/03/2019. Mundo, p.12

PARLAMENTO DECLARA ESTADO DE ALERTA

RODRIGO CRAVEIRO
 
 

A Assembleia Nacional (parlamento, controlado pela oposição) acatou ontem o pedido do presidente autodeclarado da Venezuela, Juan Guaidó, e decretou “estado de alerta nacional” em resposta à pior crise elétrica da história. “Declara-se o estado de alerta (...) em todo o território nacional, devido à calamidade pública gerada pela interrupção sustentada do abastecimento elétrico que afetou a grande maioria dos venezuelanos”, indica o decreto proposto por Guaidó, que exorta a “cooperação internacional”. A Venezuela enfrenta um blecaute sem precedentes desde as 17h56 (18h56 em Brasília) da última quinta-feira, o que agravou a catástrofe humanitária. Além de mortes nos hospitais e de saques em estabelecimentos comerciais, alguns venezuelanos recorreram ao poluído Rio Guaire, em Caracas, em busca de água. Moradores contaram à rede de TV NTN24 que usariam a água para cozinhar, tomar banho e lavar pratos. O Rio Guaire é o principal destino do esgoto da capital venezuelana.

“Se nos mantivermos mobilizados, logo conseguiremos o fim da usurpação, o governo de transição e as eleições livres. Todo sacrifício terá sido válido”, afirmou Guaidó, ao convocar um novo protesto nacional para as 15h (hora local) de hoje. “Não existe normalidade na  Venezuela. (…) Tivemos um retrocesso de 100 anos em quatro dias”, acrescentou.

O estado de alerta ficará vigente por 30 dias e poderá ser prorrogado pelo mesmo prazo. Guaidó também pediu “cooperação internacional” e instou os representantes diplomáticos que nomeou no exterior a coordenarem esse apoio. Por meio do decreto, o líder interino ordenou às Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fanb) e aos corpos de segurança que trabalhem na proteção das instalações e dos funcionários da Corpoelec (companhia de energia elétrica) para que resgatem o sistema elétrico nacional.

Até o fechamento desta edição, não havia uma explicação plausível para o mega-apagão. O regime do presidente Nicolás Maduro acusa uma “guerra elétrica” levada a cabo pelo “imperialismo”. A oposição aponta ingerência do governo, corrupção e falta de manutenção da rede. Freddy Superlano, presidente da Comissão de Controladoria da Assembleia, prometeu apresentar, hoje, conclusões de uma investigação sobre “atos ilícitos” no sistema elétrico nacional. “Gastou-se US$ 42,5 bilhões na expansão da geração e transmissão de eletricidade, quando o custo real não passava de US$ 14,7 bilhões”, declarou.

Deputado do partido Vente Venezuela, liderado pela deputada cassada Maria Corina Machado, e membro do Bloco 16 de Julio da Assembleia Nacional, Juan Pablo García defendeu a declaração do alerta nacional e instou os colegas parlamentares a aprovarem o disposto no número 11 do artigo 187 da Constituição — “Autorizar o emprego de missões militares venezuelanas no exterior ou de estrangeiras no país”. “É urgente uma coalizão internacional para nos salvar. O mundo deve atuar imediatamente sem que peçamos isso. Vivemos em um Estado criminoso, foragido e falido. A coalizão militar deve ingressar na Venezuela para restituir a democracia e salvar o meu povo da fome e do genocídio”, disse, por telefone.

Por sua vez, Edgar Zambrano, primeiro-vice-presidente da Assembleia Nacional, assegurou ao Correio que a Venezuela se tornou um “Estado colapsado”. “A situação do país é onerosa sob todos os pontos de vista. Ao aprofundar a problemática do setor elétrico, não havia alternativa que não fosse decretar estado de alerta nacional”, opinou. “As calamidades vividas pelo povo, ante a corrupção no setor, são dramáticas. Sem eletricidade, sem água e sem dinheiro em cédulas, o comércio não funciona e os alimentos são deteriorados. Isso tudo reflete uma situação convertida em bomba-relógio de fusível curto.”

 

Sofrimento

Morador de Mérida, cidade de 500 mil habitantes situada 682km a sudoeste de Caracas, o ativista político Pedro Sánchez, 21 anos, contou que estavam sem eletricidade e sem água potável havia mais de 100 horas. “As pessoas se encontram protestando nas ruas e são reprimidas por militares. Têm ocorrido saques, e a pouca comida que nos resta está se deteriorando. Os poucos estabelecimentos comerciais abertos cobram em dólares ou em pesos colombianos”, admitiu ao Correio. Ele acusa as Forças Armadas de estarem mancomunadas com o Palácio de Miraflores. “Os militares sabem que, quando Maduro deixar o poder, também cairão. O comando militar tem as mãos untadas com o narcotráfico.”

Sob condição de não ter o nome revelado, uma moradora de Lechería (no departamento de Anzoátegui), a 320km a leste de Caracas, relatou que a vida tornou-se difícil sob todos os aspectos desde o início do apagão. “Não temos água e nossos alimentos estão se decompondo. Temos de cozinhá-los e comê-los ou doá-los, para que não estraguem. Os sinais de telefonia são deficientes”, afirmou. Ela acredita que Guaidó “move bem as peças”. “O problema é que a Venezuela se encontra em estado de emergência, e não há tempo para burocracia. Ele precisa ser contundente.”

 

Eu acho...

“Nós sentimos falta de uma ajuda militar imediata. Sozinhos, não podemos lidar com essa situação. Não temos armas. Durante 20 anos, mais de 350 pessoas foram mortas na repressão. O presidente Juan Guaidó precisa agilizar mais a situação. Ao decretar a emergência, ele envia uma mensagem às Forças Armadas sobre o que precisam fazer. Tenho fé de que, em qualquer momento, a comunidade internacional atuará em favor de resgatar a democracia na Venezuela.”

Juan Pablo García, deputado do partido Vente Venezuela, liderado pela deputada cassada Maria Corina Machado, e membro do Bloco 16 de Julio da Assembleia Nacional

 

“O decreto de alerta nacional é um chamado mundial que fazemos para que os povos do mundo contribuam para criar consciência mundial da luta que travamos contra uma tirania populista e miserável. A resposta nacional e internacional deve andar sincronizada. O povo está sofrendo. Pelo menos 18 pessoas morreram nos hospitais ante a falta de tratamento médico, como hemodiálise, cuidados intensivos e falta de incubadoras.”

Williams D’Ávila, deputado da Assembleia Nacional pelo partido Acción Democrática

 

Crise em pílulas

Explosão em subestação

» O serviço de repórteres fotográficos do presidente autodeclarado da Venezuela, Juan Guaidó, divulgou imagem que mostra uma explosão em subestação da empresa estatal Corpoelec, em Caracas. O prefeito do município de Baruta, Darwin González, confirmou a explosão de um transformador na subestação de La Ciudadela, na região metropolitana da capital. Metade dos cidadãos de Baruta ficou sem energia elétrica.

 

18

Total de venezuelanos mortos em decorrência do apagão desde a última quinta-feira, de acordo com o deputado José Manuel Olivares

 

Europa culpa Maduro...

» Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu, responsabilizou o presidente Nicolás Maduro pelo pior blecaute da história da Venezuela. “Mais da metade da Venezuela se encontrou sem serviço elétrico durante horas, resultando em uma tragédia econômica e humana enorme. Isso por falta de investimento e de manutenção por parte do regime. Meu apoio ao povo venezuelano e a Juan Guaidó”, escreveu no Twitter.

 

…e Maduro cita sabotagem

» Também pelo Twitter, Nicolás Maduro afirmou que o regime se engaja em uma “forte batalha pela liberação do sistema elétrico nacional”. “Progressivamente, temos superado e protegido o sistema dos ataques que tentam impedir a reconexão. Com trabalho intenso, amor e resistência, venceremos”, afirmou. O presidente denunciou que o sistema sofreu “múltiplos ataques cibernéticos que levaram à sua queda”.