Correio braziliense, n. 20383 , 12/03/2019. Economia, p. 6

ROSANA HESSEL

 

Para quem achava que, para resolver o problema do rombo da Previdência, era só cobrar os mais de R$ 400 bilhões dos maiores devedores, relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, mostra que a medida não cobre nem o rombo de R$ 90,3 bilhões do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), aplicado aos servidores públicos. Conforme levantamento do IFI, o valor da dívida ativa que pode ser recuperado é de apenas R$ 87 bilhões, na melhor das hipóteses.

O valor é pouco mais da metade dos R$ 160 bilhões estimados pela equipe econômica com a cobrança, que deverá ser implementada por meio de projeto de lei em elaboração no Ministério da Economia. Mas, pelas contas da IFI, o governo conseguirá recuperar efetivamente muito menos do que isso, algo que não chega a R$ 20 bilhões. Solicitado a comentar os cálculos, o ministério não havia respondido até o fechamento desta edição.

“A dívida ativa soma R$ 427,4 bilhões, mas 63% têm chances remotas de recuperação. Considerando a própria classificação do governo, sobram R$ 157,9 bilhões que poderiam ser recuperados, mas, fazendo algumas segregações do que tem menor qualidade, o valor é de R$ 87 bilhões, em uma avaliação otimista”, afirmou o economista Felipe Salto, diretor executivo da IFI. Ele lembrou que grande parte da dívida é de empresas que faliram ou foram extintas.

De acordo com Salto, como a probabilidade do pagamento dessa dívida considerada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) com rating A e B não deve chegar a 100%, o dado que deveria ser considerado seria muito menor, inferior a R$ 20 bilhões. “Nossa expectativa de recuperação desses créditos A e B é de 70% e 50%, respectivamente. Considerando que parte desses créditos não necessariamente serão recuperados de maneira integral, o volume potencial de recursos arrecadados a partir da aplicação de novas ações de cobrança diminuiria de R$ 87 bilhões para R$ 16 bilhões”, detalhou.

 

Descompasso

A IFI também comparou a média dos benefícios do regime geral (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, com a média das aposentadorias e das pensões dos servidores públicos. Os valores dos benefícios pagos no RPPS chegam a ser 19 vezes superiores à média do RGPS. As pensões do serviço público federal são 17 vezes maiores do que as pagas pelo RGPS. “Os dados têm vários problemas do ponto de vista estatístico, porque não há uma padronização. Mas isso não impede que façamos esse tipo de comparação para mostrar as discrepâncias dos regimes”, disse Felipe Salto.

O diretor da IFI lembrou que as análises e os dados levantados nas 80 páginas do estudo evidenciam que o período do chamado bônus demográfico acabou. Nas próximas décadas, haverá muito mais idosos do que jovens até 14 anos, mostrando que a população que ainda vai entrar no mercado de trabalho não conseguirá sustentar as aposentadorias dos velhos.

Atualmente, a despesa agregada da Previdência Social, contabilizados os regimes público e privado, é de R$ 900 bilhões, mais de 13% do PIB, e a tendência é que ele não pare de crescer se não houver a reforma, de acordo com especialistas.

Salto reforçou a necessidade da reforma para começar a reequilibrar as contas tanto do governo federal quanto de estados e de municípios. “Sem a reforma da Previdência, apenas os gastos com aposentadorias por idade e por tempo de contribuição passariam dos atuais 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) para algo entre 8,5% e 10% do PIB até 2060, em um exercício sobre a evolução da demografia e dos gastos previdenciários”, destacou.

Conforme os dados apontados pela IFI, baseados nos relatórios do governo federal, o deficit previdenciário do RPPS saltou de R$ 20,8 bilhões (1,9% do PIB), em 1999, para R$ 90,3 bilhões (1,3% do PIB), em 2018, para um universo de apenas 980 mil beneficiários. Já o Regime-Geral de Previdência Social (RGPS), que engloba 32 milhões de pessoas, registrou um rombo de R$ 195 bilhões no ano passado.

Salto destacou também que, mesmo retirando as despesas relacionadas à seguridade social, saúde e educação vinculadas à DRU, as contas ainda fecham no vermelho em R$ 171 bilhões, ou 2,5% do PIB. “Em 2018, o deficit da seguridade social foi de R$ 280,6 bilhões, ou 4,1% do PIB. Sem a DRU, o rombo teria sido de R$ 171 bilhões, ou 2,5% do PIB. “A DRU agrava o deficit da seguridade, mas seu impacto sobre o da previdência é irrisório. Embora o mecanismo vise aumentar a flexibilidade da gestão orçamentária, no caso da seguridade. ele se tornou inócuo, em razão dos elevados e persistentes deficits”, destacou Salto.