Correio braziliense, n. 20373 , 02/03/2019. Política, p.3

Contrapartida por alterações

ALESSANDRA AZEVEDO

 

 

Após a repercussão negativa dos recuos anunciados pelo presidente Jair Bolsonaro na reforma da Previdência, na última quinta-feira, integrantes do governo tentam ir atrás de saídas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, buscou acalmar os ânimos do mercado financeiro ao garantir que não abre mão da economia de R$ 1 trilhão em 10 anos, mesmo que sejam feitas concessões nas propostas para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para a pensão por morte e para a idade mínima de aposentadoria para as mulheres. O argumento de equipe econômica é de que serão exigidas contrapartidas para as eventuais mudanças.


Já a ala política alega que Bolsonaro foi “mal-interpretado”. Essa foi a expressão usada ontem pelo vice-presidente Hamilton Mourão ao comentar o assunto. “O presidente mostrou que tem coisas que o Congresso poderá negociar ou mudar. Só isso. Não que ele concorde”, disse. O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), também tentou desfazer o mal estar, ontem, ao dizer que a intenção de Bolsonaro foi apenas mostrar que está “disposto a negociar”.

O problema, no entanto, não é admitir que haverá mudanças. Como o texto agora está nas mãos dos parlamentares, é certo que ele será alterado nas Casas legislativas. O “equívoco”, nas palavras da economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, foi o presidente ter adiantado os pontos em que pretende ceder. Alguns são considerados até desnecessários, como reduzir a idade mínima das mulheres, de 62 para 60 anos, apontou a especialista.

“Do jeito que foi feito, passa a mensagem de que ele não tem muita convicção na reforma que propôs”, afirmou Zeina. O ideal seria esperar a formalização das demandas durante a tramitação na Câmara. A atuação precipitada gera dúvidas sobre o alinhamento entre Bolsonaro e a equipe econômica, que parece mais disposta do que o presidente a garantir os ganhos da reforma.

Mesmo com as declarações recentes de Bolsonaro, o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, não descarta a economia de R$ 1 trilhão em 10 anos. Para ele, as falas do presidente não significam perda no potencial de ganhos da reforma. “O processo de negociação não resulta, necessariamente, em redução de economia ao longo do tempo. O natural é que seja um processo de troca. Entrega esses dois anos na idade mínima da mulher, por exemplo, mas, em compensação, emplaca outra coisa, de forma que, no somatório, fica igual”, ponderou. É a mesma lógica defendida por Guedes.

Ganhos

Outro grupo de especialistas e de pessoas envolvidas com o projeto considera praticamente impossível chegar a essa cifra. Alguns estimam que, logo na largada, o governo deve abrir mão de itens que garantiriam mais de R$ 200 bilhões de economia em uma década — ou seja, um corte de quase 20% do projeto antes mesmo do início da tramitação. Entre esses pontos, estariam as alterações no BPC (benefício pago pelo governo a idosos de baixa renda) e no abono salarial. A proposta do governo altera a remuneração de referência para o recebimento do abono de dois para um salário mínimo e constitucionaliza os critérios para a concessão do benefício. Também são previstas mudanças na aposentadoria rural, na idade mínima das mulheres e no tempo mínimo de contribuição, que aumentaria de 15 para 20 anos, pela proposta do governo.

BPC e abono salarial, sozinhos, respondem por mais de R$ 180 bilhões da economia estimada, de acordo com cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado — R$ 150,2 bilhões só como abono. “Há uma chance grande de que a proposta seja desidratada pelo Congresso. Aparentemente, em função da resistência política às mudanças no BPC, o governo deve enfrentar mais dificuldade para enfrentar a proposta”, comentou o economista Gabriel Leal de Barros, diretor da IFI. Se não houver as contrapartidas defendidas por Guedes, a reforma chegaria com potencial de R$ 900 bilhões: economia que só seria atingida se o Congresso não mudasse mais nada durante a tramitação — possibilidade considerada nula pelos especialistas.


AGU em prol da reforma

A Advocacia-Geral da União (AGU), setor jurídico do governo federal, montou uma força-tarefa para assegurar que as mudanças na Previdência Social sejam realizadas “sem empecilhos judiciais”. De acordo com a assessoria do órgão, o grupo vai monitorar tribunais de todo o país, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF), para ter uma “atuação ágil e coordenada” em eventuais ações que questionem as novas regras da Previdência, que ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Segundo o órgão, a ideia é de que o grupo já esteja preparado para atuar antes mesmo da aprovação da reforma pelo Parlamento, “uma vez que ações judiciais podem questionar a própria tramitação da proposta”, explica.