Correio braziliense, n. 20380, 09/03/2019. Política, p. 3

 

Em busca de 308 votos

Rodolfo Costa

09/03/2019

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, não se limitou às atividades da pasta e está orquestrando a articulação política. O chefe da equipe econômica vinha conversando com parlamentares antes do encaminhamento da reforma, em 21 de fevereiro. Após o envio, os pedidos subiram exponencialmente. Pessoas próximas afirmam que a agenda está cheia de reuniões com congressistas para os próximos 60 dias. A ideia é que, até lá, ele conquiste a maioria necessária para a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de 308 votos. Nas contas do próprio ministro, em entrevista dada ontem ao Estado de São Paulo, faltam apenas 48 votos. A afirmação foi suficiente para criar um alvoroço na Bolsa de Valores (leia mais na página 7).

A busca por Guedes será intensa, sobretudo nas próximas duas semanas. O carnaval deu munição para os líderes partidários. Deputados das mais diversas bancadas colheram dúvidas sobre a reforma. Os questionamentos serão elaborados e formalizados em forma de indagações ou sugestões à equipe econômica. A ideia de Guedes é receber grupos de 10 parlamentares de bancadas partidárias, estaduais e até regionais em um total de duas a três reuniões por dia.
O ministro evita se colocar como articulador político do governo, função exercida pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. A própria líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), negou ontem que o Planalto tenha um mapeamento de votos. “A base está sendo construída. Não dá para cravar número de votos A, B ou C. O ministro está recebendo informações que vêm de dentro do Congresso, mas, no momento que ele recebe, 10, 15 minutos depois já mudou. Não tem mapa. Temos prognósticos e conversas. Vamos fazer um desenho do que é possível ser mexido no texto dentro da perspectiva da equipe econômica”, explicou.
As contas de Guedes se baseiam na temperatura captada nas conversas com parlamentares. Ao recebê-los para tirar dúvidas e conversar sobre pontos mais controversos da reforma, o ministro capta o clima de aptidão dos congressistas e acredita transformar potenciais votos indecisos em favoráveis. Tudo com explicação técnica e flexibilidade no trato com os parlamentares. “A ideia não é só falar de Previdência, mas de todo o projeto econômico para o país”, explicou um interlocutor de Guedes. A equipe econômica estuda que a aprovação da PEC pode garantir 8 milhões de empregos e aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) per capita para R$ 5,8 mil.
Apreço
Desde as manifestações do presidente, Guedes passou a ser olhado com ainda mais apreço pelas lideranças. Para líderes, muitos deles com proximidade a governadores, o ministro da Economia é uma figura mais equilibrada e flexível no trato com todos os partidos. A posição do ministro tem agradado, sobretudo a governadores do Nordeste, região dominada por partidos ligados à oposição. Dos sete estados, três são geridos pelo PT, dois pelo PSB, um pelo PCdoB, e um pelo MDB — Alagoas, chefiado por Renan Filho.
A equipe econômica minimiza as polêmicas de Bolsonaro. “Não mudou em nada o nosso plano. Não temos medo do balanço do mar. Vamos continuar no trabalho corpo a corpo”, declarou um interlocutor de Guedes. A ideia é conciliar a articulação não apenas com os parlamentares, mas, também, com os parlamentares. O diálogo com os chefes do Executivo estadual de todo o país, por sinal, tem sido diário. “Estão ansiosos em relação ao equilíbrio das contas estaduais. Alguns precisam lidar com questões como contingenciamento de recursos na educação e saúde. Precisam da aprovação da reforma para ter pelo menos um sinal de alívio na política fiscal no horizonte”, justificou. A tática de Guedes é inspirada na articulação feita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), amigo pessoal do ministro. O parlamentar também mantém contato próximo com os governadores. Afinal, eles têm capital político para pressionar os congressistas de seus respectivos estados.
Polêmicas que ajudam
As últimas polêmicas levantadas pelo presidente Jair Bolsonaro até auxiliaram o trabalho do ministro. A publicação de um vídeo obsceno na terça-feira e críticas aos músicos Daniela Mercury e Caetano Veloso nas redes sociais irritaram líderes partidários. Segundo eles, o posicionamento controverso do chefe do Palácio do Planalto divide a sociedade e não unifica. Para aprovar a reforma, o entendimento é de que, se Bolsonaro não puder mudar o discurso agressivo contra ideias e valores antônimos ao conservadorismo defendido pelo governo, que, ao menos, evite polemizar.

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Aliados estão na bronca

Maria Eduarda Cardim

09/03/2019

 

 

 

 

A semana marcada por polêmicas do presidente da República, Jair Bolsonaro, seja nas redes sociais, seja em discursos realizados em solenidades, acabou com algumas críticas feitas por aliados do próprio governo. O filósofo e ensaísta Olavo de Carvalho e o deputado federal Marco Feliciano (Podemos-SP) usaram as redes sociais para expressar o descontentamento com alguns pontos do início da gestão de Bolsonaro.

Enquanto Olavo de Carvalho, chamado de guru de Bolsonaro, pediu para que seus alunos que ocupam cargos no governo abandonassem os postos e voltassem aos estudos, o pastor Marco Feliciano criticou a comunicação da Presidência. Olavo usou o argumento de que “o presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo”. Segundo reportagem do Estado de São Paulo, entretanto, o pedido do ensaísta veio depois que nomes ligados a ele e que assessoravam diretamente o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, foram exonerados.
A “limpa” na pasta veio após a polêmica carta do ministro, pedindo que fossem feitas imagens de alunos cantando o Hino Nacional nas escolas. No documento, também havia o lema de campanha de Jair Bolsonaro (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”). As críticas vieram, e Ricardo Vélez voltou atrás e refez a carta. O próprio Planalto teria aconselhado o ministro a dispensar os assessores que influenciaram em decisões com viés ideológico.
Na análise do cientista político Lúcio Rennó, apesar de poupar o presidente na postagem, que o cientista político avaliou como vaga e ampla, o filósofo expõe algumas desavenças e desentendimentos da atual administração. “É um problema grave para o governo, se ele pretende aprovar propostas de reformas profundas no nosso sistema”, ressalta. O professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) acredita que será preciso um esforço muito maior de coordenação.
No Twitter
Quem chegou a pedir por um esforço melhor na comunicação do presidente foi o aliado Marco Feliciano. Em uma sequência de postagens feitas no Twitter, o deputado declarou insatisfação e alertou o chefe do Executivo e seus dois filhos, Carlos e Eduardo Bolsonaro, ao chamar a esquerda de “profissional”. “Ou vocês criam um grupo político e intelectualmente preparado, ou todos os dias irão sangrar”, postou.
Lúcio Rennó volta a sinalizar o peso das críticas feitas por um aliado com o nome de Feliciano. “Ele não é um personagem trivial. As críticas que ele faz é de um ator preocupado com o sucesso do governo”, indica Rennó. O cientista político acredita que Bolsonaro ainda não encontrou o tom de fazer publicações como presidente. “Tem gerado mais problemas do que soluções”, completa.