Valor econômico, v.19, n.4551, 23/07/2018. Opinião, p. A12

 

Retranca comercial 

Marcos Degaut

23/07/2018

 

 

A velocidade com que foi firmado o Acordo de Associação Econômica entre Japão e União Europeia, no dia 17, criando um dos maiores acordos comerciais do mundo, representa nova e incontestável evidência de que a política comercial internacional do Brasil continua sem rumo e sem foco, necessitando urgente recalibragem.

A reatividade e protecionismo característicos de nossa estratégia nos deixam cada vez mais distantes das principais cadeias produtivas globais e reduzem a participação no total de trocas internacionais, com prejuízos para economia e sociedade.

Estudos recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), do Banco Mundial, do Ipea e da Organização Mundial do Comércio (OMC) apontam que o Brasil é um dos países mais isolados da economia global, o que nos afasta dos processos mais dinâmicos de geração de riqueza. Nesse sentido, a corrente de comércio brasileira, que compreende a soma de exportações e importações - representa parcos 24% do PIB, proporção superior apenas à do Sudão.

Embora esteja entre as dez maiores economias, o Brasil figura apenas como 25º maior exportador, atrás de Polônia (23º), Irlanda (22º), Emirados Árabes (16º), Cingapura (13º) e Coreia do Sul (5º). Nossa participação no total global de exportações, que já foi de quase 2,5%, é de meros 1,16%.

Em termos de importação, os indicadores são ainda piores. Somos apenas o 28º maior importador, com 0,8% do total mundial. Ao contrário do senso comum, a importação é uma atividade de extrema importância tanto para o crescimento econômico quanto para o desenvolvimento nacional. Um dos principais vetores do aumento da produtividade e do estoque de capital, por exemplo, está conectado à inovação técnica e tecnológica absorvida pela utilização de bens e insumos importados.

Segundo a OMC, O Brasil exportou US$ 256 bilhões em 2011, com queda sistemática até 2016, quando exportou US$ 185 bilhões. A ligeira recuperação de 2017, quando se alcançou US$ 217 bilhões, em nada alterou a medíocre participação de suas exportações em termos per capita: ocupa a 91ª posição no ranking mundial, com módicos US$ 1,003 exportados por residente.

No período 2011-2017, a queda geral na participação global do país nas exportações, de 15%, foi inferior apenas à da Índia (17%) e Rússia (32%), outros dois países que conformam o Brics, uma das prioridades da política externa nacional. Esse agrupamento, a propósito, excluindo-se a China, representa módicos 3,6% do comércio exterior brasileiro.

Por outro lado, 40% de nossas exportações e importações se encontram concentradas em Estados Unidos, China e Argentina, o que retira do Brasil o tão festejado, e autoatribuído, título de global trader.

Não é mais possível desconsiderar os custos nefastos do protecionismo, associado à falta de proatividade. São prejudiciais aos consumidores, às empresas e ao Estado, obrigados a pagar mais caro por produtos tecnologias, componentes e matérias-primas importados, necessários à modernização de nossa economia.

Sem reposicionamento estratégico, Brasil continuará na retranca, como verdadeiro anão comercial afônico

O viés desenvolvimentista erroneamente conferido à política comercial brasileira tem sido historicamente defendido por organizações beneficiadas pela proteção. Isso talvez ocorra para preservar interesses de corporações acomodadas em suas velhas estruturas de poder e atuação, ao invés de se buscar a eficiência e a eficácia por meio de postura dialógica com outros setores privados e governamentais.

Não se devem confundi-los com os reais interesses do País - que requerem maior abertura econômica para promover bem-estar, inovação e crescimento sustentável. Esse desenvolvimentismo se traduz em alta carga protecionista para estimular empresas locais, mesmo que não sejam competitivas internacionalmente, em redução de salários, em reserva de mercado e em diminuição da concorrência interna.

Os poucos acordos bilaterais realizados tiveram impacto reduzido na liberalização da nossa economia. Ademais, a manutenção de níveis tarifários elevados é vista como ativo a ser preservado para futuras negociações, sem reconhecer os custos sociais e econômicos do adiamento da liberalização.

Entretanto, setores brasileiros, na esfera pública e privada, resistem ferozmente ao debate em torno da liberalização e da necessidade de se imprimir ritmo mais acelerado às negociações internacionais. De forma geral, privilegiam os interesses do empresariado, em detrimento do desenvolvimento da própria indústria e do interesse nacional. Usam o argumento, equivocado, de que manter o protecionismo garantiria um ativo para futuras negociações.

Tal postura parece turvar a visão de nossos negociadores, que se enganam ao pensar que ganham margem de barganha para demandar concessões dos países e blocos com os quais negociam, pois esses têm muito pouca gordura para queimar no âmbito tarifário.

Em contraste, países mais abertos, mais dinâmicos e mais ambiciosos negociam, há mais de uma década, acordos que giram em torno de regras que afetam o comércio de forma mais abrangente. Ao se verem livres da "gordura tarifária", passaram a negociar temas como comércio de serviços e digitalização da economia, compras governamentais, ambiente regulatório para investimentos estrangeiros e medidas de defesa da concorrência que possibilitem o acesso de importados ao mercado interno, dentre outros.

A cada dia em que se insiste na retranca comercial protecionista, a produtividade, crescimento e bem-estar da nossa população são reduzidos, enquanto custos de produção e de acesso a tecnologias e matérias-primas para estimular a inovação são aumentados.

A sociedade brasileira não pode mais ficar refém de negociações intermináveis, como as que envolvem acordo Mercosul-União Europeia - que já se arrasta há quase 20 anos -, baseadas em paradigma ultrapassado e que, a par de eventuais benefícios futuros, têm o condão de atrasar no presente seu processo de desenvolvimento e modernização.

Uma integração maior e mais qualificada ao comércio internacional representa um dos pressupostos para um crescimento econômico doméstico mais vigoroso. Entretanto, para que isso aconteça, para que se negocie mais e melhor, faz-se necessária urgente mudança de mentalidade e postura em nossos atores econômicos privados e, também, em nossos agentes públicos.

Sem essa atualização, que corresponde a um reposicionamento estratégico de nossa política comercial exterior, o Brasil permanecerá na retranca, como verdadeiro anão comercial afônico,  fora dos principais eixos e transformações do sistema comercial internacional.