Correio braziliense, n. 20379, 08/03/2019. Política, p. 2

 

Volta à estratégia das redes sociais

Rodolfo Costa

Leo Cavalcanti

08/03/2019

 

 

Presidente Jair Bolsonaro aposta em "live" e apoio de dois generais para contornar problemas após publicação de vídeo obsceno. Aliados elogiam a iniciativa e apostam que isso pode ajudar, também, na aprovação da reforma da Previdência

Depois de movimentos arriscados e de declarações polêmicas nas últimas 72 horas, o presidente Jair Bolsonaro convocou dois generais — o porta-voz Otávio Rêgo Barros e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno — para uma transmissão ao vivo nas redes sociais. A tentativa era reduzir danos. A estratégia foi a solução encontrada pelos conselheiros militares para sustentar a credibilidade do governo, que recebeu críticas dos próprios aliados depois da publicação de um vídeo obsceno feita na conta pessoal do capitão reformado no Twitter na terça-feira. Uma declaração dada de Bolsonaro na manhã de ontem — de que só “existem democracia e liberdade quando as Forças Armadas assim o querem” —  levou o Palácio do Planalto à certeza em optar por uma ação rápida no início da noite de ontem.
Antes mesmo da declaração sobre as Forças Armadas, feita durante a cerimônia de aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro, os conselheiros militares de Bolsonaro haviam sugerido a produção de um vídeo. O Planalto não esperava uma reação negativa sobre a frase do presidente. Sem fazer referência à publicação polêmica no Twitter, ele começou se defendendo, dizendo que governará ao lado das “pessoas de bem”. “Daquelas que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia e a liberdade”, declarou.
A frase endossou a nota oficial publicada pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência, de que o vídeo é um crime contra os “valores familiares e as tradições culturais do carnaval”. A declaração controversa dita na cerimônia veio depois, quando Bolsonaro finalizou o discurso: “(Só existem) democracia e liberdade quando as Forças Armadas assim o querem”, afirmou. Por causa do teor, a frase se transformou, em poucos minutos, em um dos assuntos mais comentados nas redes sociais, inclusive por oposicionistas e governistas.
O pronunciamento de Bolsonaro ecoou rápido no Planalto. A expectativa era de que, depois da publicação do vídeo obsceno no Twitter — que acabou tendo uma repercussão internacional e levantou críticas até de aliados —, Bolsonaro deixasse de lado qualquer chance de estimular uma nova controvérsia. Assim, por mais que não admitissem, integrantes do Planalto se apressaram para explicar a frase. Foi o caso do vice-presidente Hamilton Mourão, que minimizou a fala como um “mal-entendido” e negou que o contexto seja ameaçador. Heleno também saiu em defesa. “Não tem nada de polêmico. No caso do Brasil, as Forças Armadas são o pilar da democracia e da liberdade”, rebateu.
Os regimes cubano e venezuelano foram usados por Heleno como exemplos de quando as Forças Armadas não querem liberdade e democracia. “Por que (Nicolás) Maduro é mantido (na Venezuela)? Porque as Forças Armadas estão segurando o presidente já praticamente deposto. Por que Fidel Castro durou o tempo que durou? Porque as Forças Armadas mantiveram a ditadura cubana. De acordo com a determinação das Forças Armadas, isso acaba sendo fator fundamental do regime político do país”, justificou.
Mesmo com o respaldo de Mourão e Heleno, a avaliação no Planalto ainda era de que o próprio presidente deveria se posicionar. E assim o fez. Bolsonaro promoveu a primeira “live” para se comunicar com a sociedade como presidente da República e se defendeu. “Devemos às Forças Armadas a nossa democracia e nossa liberdade. E assim é em todo lugar do mundo. E essa fala começou a levar para o lado das mais diversas interpretações possíveis”, minimizou.
Garoto-propaganda
A transmissão foi comemorada por governistas e líderes partidários dispostos a compor a base aliada. A transmissão ao vivo era um pedido dos aliados para construir uma estratégia de comunicação capaz de mobilizar apoio da população a fim de aprovar a reforma da Previdência. “É um início. Agora, é não parar”, ponderou o deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), líder da legenda na Câmara. “Ou o garoto-propaganda é ele, ou não tem reforma. O presidente tem que vender a importância das propostas defendidas pelo governo à sociedade”, acrescentou.
O sucesso da “live” motivou o governo a reproduzir a estratégia todas as quintas-feiras, às 18h30. A meta é comunicar ao público as ações e medidas defendidas pelo governo. Como ontem, quando Bolsonaro comentou sobre a reforma da Previdência (leia mais na página 3), a pretensão em estender a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de cinco para 10 anos e a proposta de extinguir as lombadas eletrônicas no país. “Não teremos mais nenhuma, e as lombadas que por ventura existirem — que ainda são muitas —, quando forem perdendo a validade, não serão renovadas”, afirmou.
Contratos renovados
O governo decidiu renovar os contratos com as agências Isobar e TV1 para cuidar da área de mídias digitais da Presidência da República. A renovação prevê o desembolso de R$ 32 milhões por ano com os serviços das duas empresas, o que representou uma redução de 25% em relação ao contrato anterior. A ideia é que as duas contratadas continuem fazendo o monitoramento dos perfis oficiais da Presidência. No fim de 2018, aliados do presidente cogitaram cancelar a prestação dos serviços e montar uma estrutura menor, para cuidar das redes sociais oficiais.

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Aliados começam reação

 

 

 

 

 

Gabriela Vinhal

08/03/2019

 

 

 

O silêncio discreto da base aliada do governo de Jair Bolsonaro, um dia após a repercussão negativa da postagem publicada no perfil dele, saiu de cena ontem e deu espaço para a reação. Isso porque, após protagonizar episódios polêmicos e falas controversas sobre o papel das Forças Armadas, o chefe de Estado voltou a fazer as conhecidas transmissões ao vivo nas redes sociais. Desta vez, o assunto foi a reforma da Previdência e o papel “soberano” do Congresso Nacional para fazer eventuais mudanças no texto a ser aprovado. A atitude reconquistou aliados e eleitores que, desde ontem, voltaram a se manifestar livremente a favor do presidente.
Líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO) minimizou as críticas feitas a Bolsonaro e ressaltou que é inconstitucional querer “censurá-lo”. Sobre as declarações acerca da influência das Forças Armadas em um sistema democrático, o deputado concordou com o presidente. “Elas são essenciais, sim, nesse processo. Na Venezuela, por exemplo, as Forças Armadas apoiam a ditadura. Ele só disse verdades, mas as pessoas querem dar 10 interpretações para uma simples constatação”, sinalizou o parlamentar, em alusão a uma possível “perseguição” sobre a maneira como o chefe de Estado se comunica.
“Ele sempre foi sincero e direto nas redes sociais. Do dia para a noite, querem que ele mude isso? O presidente teve 57 milhões de votos de pessoas que o apoiam”, pontuou. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), uma das correligionárias cotadas para assumir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), também saiu em apoio a Bolsonaro. “As redes sociais são o canal mais aberto e direto que ele tem com a militância. Sempre utilizou a ferramenta para resgatar o movimento que os sistemas anteriores corromperam”, declarou.
O movimento de apoio ao presidente, tanto de internautas quanto de governistas, aumentou desde o último dia 5, quando ele postou um vídeo com cenas obscenas sobre o carnaval. De acordo com o relatório “Brasil nas Redes”, produzido pela Levels — Inteligência em Relações Governamentais, que analisou as narrativas do Twitter desde então, apoiadores do presidente demoram de seis a 12 horas para tentar reverter cenários negativos envolvendo Bolsonaro. Por isso, a reação a favor do chefe de Estado foi um pouco tardia. “Logo depois do mal-estar, a militância é acionada para defendê-lo. O que pode ser entendido a partir do relatório é que, preparados, eleitores, influenciadores digitais e políticos aliados começam a tuitar”, explicou Leonardo Volpatti, sócio-fundador da Levels.
Base dividida
Segundo a publicação, comentários contrários ao presidente são superiores aos favoráveis. As críticas ao presidente foram 54% contra e 24% favoráveis. Do total de apoiadores, os membros governistas representam 59%. Da oposição, 39%. Leonardo Volpatti, sócio-fundador da Levels, analisa que essa diferença de números mostra um racha do governo, uma vez que a ala conservadora de aliados criticou também a postagem. “Antes, quem apoiava Bolsonaro seguia a cartilha, ou seja, independentemente do que ele falasse, estava sempre em sua defesa. Agora, há uma reação negativa dentro do grupo da própria base”, finalizou.