Correio braziliense, n. 20379, 08/03/2019. Política, p. 3

 

Bolsonaro pede ajuda a militares

Rodolfo Costa

08/03/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro acatou a cobrança de líderes partidários e voltou a defender publicamente a aprovação da reforma da Previdência. Ontem, a militares, pediu “sacrifícios” em prol do ajuste fiscal. Nas redes sociais, argumentou que é a partir da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) encaminha ao Congresso que o país terá condições de estabilizar as contas públicas e potencializar investimentos na saúde, educação e segurança pública.
Demorou duas semanas para Bolsonaro defender a reforma nas redes sociais. O último post no Twitter havia sido em 21 de fevereiro, quando publicou o pronunciamento feito em rede nacional nas TVs e rádios. Foi o dia em que ele, pessoalmente, apresentou a PEC no Congresso. Até ontem, nenhum outro comentário sobre o assunto havia sido publicado nas mídias pessoais do presidente. A situação desagradou lideranças dispostas a compor a base aliada, a ponto de expressarem publicamente o incômodo na reunião de líderes na última terça-feira.
Ao longo do período, o governo também foi pressionado a encaminhar a reforma da Previdência dos militares. A proposta enviada não contempla a modernização das regras de aposentadoria dos oficiais das Forças Armadas e das forças auxiliares de segurança pública, como policiais militares e bombeiros. Como a matéria deve ser conduzida por meio de um projeto de lei complementar, a articulação política avisou que mandaria o texto posteriormente. De pronta resposta, a Câmara avisou que a PEC tramitaria somente após o recebimento da matéria restante.
Para mostrar comprometimento com os aliados e garantir que os militares não serão poupados, Bolsonaro usou o pronunciamento de ontem, em cerimônia de aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro, para pedir aos militares compreensão e renúncia do conjunto atual das regras de aposentadoria. “Quero dos senhores sacrifício também. Entraremos, sim, em uma nova Previdência, que atingirá os militares. Mas não deixaremos de lado nem esqueceremos a especificidade de cada força”, declarou.
Os militares ainda não sabem como será a reforma da categoria. Os últimos ajustes do texto estão em finalização pela equipe econômica. No entanto, um acordo entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e os comandantes das Forças Armadas prevê que benefícios já existentes sejam mantidos, como a paridade e a integralidade. Ou seja, possibilitar que aposentados recebam o mesmo reajuste dos ativos e o último salário da carreira, respectivamente.
Padrões mundiais
A articulação política do governo garante que o projeto será encaminhado até a próxima semana, quando as comissões serão instaladas na Câmara dos Deputados. O processo marcará o pontapé inicial para a tramitação da PEC. O texto, destacou ontem Bolsonaro nas redes sociais, foi elaborado sob um modelo que segue os padrões mundiais. “Combate os privilégios como aposentadoria especial para políticos, cobra menos dos mais pobres, e incluirá todos, inclusive militares”, afirmou.
O presidente reforçou a defesa pela reforma em transmissão ao vivo em uma rede social. Disse que os parlamentares, assim como as demais categorias, vão se aposentar com o teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de R$ 5,8 mil, respeitadas as especificidades entre categorias. “E não é porque eu quero. Precisamos fazer uma reforma da Previdência. Está mais do que deficitária. E não queremos que, no futuro, o Brasil se transforme em uma Grécia, que chegou ao fundo do poço”, ponderou.
A retomada da estrutura de comunicação que elegeu Bolsonaro empolga os líderes aliados. Para eles, o uso das redes sociais e das transmissões ao vivo deverão ser a principal estratégia no convencimento à sociedade. “Há muita desinformação sendo divulgada. Há, hoje, pessoas com má compreensão sobre o tema ou que estão sendo enganadas. Por isso, pedimos ao presidente que se envolva pessoalmente na defesa da reforma. Ele é o maior ativo para o sucesso da aprovação”, avaliou o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), líder da legenda na Câmara.

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Dia de trabalho nas redes

 

 

 

 

 

Maria Eduarda Cardim

08/03/2019

 

 

Um dia após provocar a polêmica com a postagem de um vídeo de teor pornográfico, o presidente Jair Bolsonaro optou por fazer interações mais “diplomáticas” no Twitter, um dos principais meios de comunicação usados durante a campanha eleitoral e depois de eleito. Ao longo da quinta-feira, o chefe do Executivo abordou o resultado da balança comercial de fevereiro, os leilões de seis áreas portuárias do Pará e a reforma da Previdência, ponto central da primeira etapa de seu governo. Desde 21 de fevereiro, o presidente não falava do assunto em sua conta pessoal.
“Os avanços que o Brasil precisa dependem da aprovação da ‘nova Previdência’”, postou. De acordo com a mensagem, com a reforma, o país terá condições de estabilizar as contas públicas e potencializar investimentos. Além de destacar a importância da reforma no post feito na tarde de ontem, Bolsonaro garantiu que o novo modelo da Previdência incluirá todos, “inclusive militares”.
Para o cientista político Rui Tavares Maluf, como uma maioria absoluta e qualificada mostrou reprovação ao comportamento do presidente nas redes sociais, a postura mais política adotada é fruto de uma preocupação do governo com as consequências das postagens. “Me parece muito evidente que devem ter chamado a atenção dele para os riscos do comportamento apresentado nas redes”, afirma Rui. O professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) acredita que, além de adotar um tom mais sóbrio e de ter mais cuidado, é necessário reduzir o uso das redes. “É preciso tocar nos assuntos que serão pauta, mas com um corpo a corpo do próprio presidente”, explica Rui.
Outra aparição
O corpo a corpo começou com a participação de Bolsonaro em um vídeo ao vivo no Facebook, no fim da tarde de ontem, para explicar as últimas declarações polêmicas. O presidente minimizou a polêmica gerada pela fala durante uma solenidade militar no Rio de Janeiro, quando disse que “a democracia e a liberdade só existem quando a Força Armada assim o quer”. No fim do vídeo, o presidente prometeu fazer lives semanais no Facebook, todas as quintas, às 18h30. O nome do presidente voltou a aparecer nos tópicos mais comentados do Twitter com a hashtag #bolsonaroimpeachment. O assunto “Forças Armadas” também esteve presente entre os assuntos mais comentados durante todo o dia.
Preparação na Câmara
Na preparação para um período mais intenso de trabalho na Câmara, após o carnaval, os líderes da Casa têm um encontro marcado na próxima segunda-feira. Na pauta, os parlamentares vão tentar definir algumas das principais comissões permanentes do parlamento e também uma pauta mais ampla de projetos prioritários para o primeiro semestre. A principal expectativa é em relação à definição da Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ), a única que deve ter o martelo batido no início da próxima semana. O colegiado é a porta de entrada da maioria dos projetos que passa pelo Congresso.

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A última do Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo

08/03/2019

 


O presidente Jair Bolsonaro foi eleito no segundo turno por 55,13% dos votos válidos; no primeiro turno, teve 46,03% dos votos. Em tese, embora seja presidente de todos os brasileiros, está fazendo a opção de governar apenas para os que votaram nele. Os que optaram por outros candidatos no primeiro turno e votaram nele, no segundo turno, não desejavam a volta do PT ao poder. O petista Fernando Hadadd obteve 44,97% dos votos no segundo turno, ao qual chegou graças aos 29,28% dos votos válidos obtidos no primeiro turno. O PT obteve 15% dos votos a mais no segundo turno, pela razão inversa.
Um candidato de centro, após a eleição, estaria mais empenhado em construir um certo consenso nacional para governar, isolando os extremos. Não é o caso de Bolsonaro. Sua estratégia é manter a fricção direita versus esquerda a qualquer custo e ancorar seu governo nas Forças Armadas, seja recorrendo a oficiais de alta patente para compor o governo e ocupar suas posições mais estratégicas, seja resgatando o velho positivismo que embalou as revoltas tenentistas, a Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964. Bolsonaro revela uma estratégia de governo na qual o povo não é o protagonista, mas seus companheiros d’armas.
Ao discursar na cerimônia de aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais no Rio de Janeiro, num discurso curto e grosso, deu seu recado: “Temos uma missão de mudar o Brasil. Esse foi nosso propósito, essa foi nossa bandeira ao longo de quatro anos andando por todo o Brasil. [...] O que eu quero para os senhores, meus irmãos militares. Sou do Exército brasileiro, mas tenho uma formação muito semelhante a de vocês. A minha última unidade foi a Brigada de Infantaria Paraquedista. Eu quero vocês conversando, ouvindo, debatendo uma retaguarda jurídica para que vocês possam exercer seus trabalhos, em especial nas missões extraordinárias da tropa.”
Depois, arrematou: “A segunda missão será cumprida ao lado das pessoas de bem do nosso Brasil, daqueles que amam a pátria, daqueles que respeitam a família, daqueles que querem aproximação com países que têm ideologia semelhante à nossa, daqueles que amam a democracia e a liberdade. E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Forças Armadas assim o quer”, disse o presidente, arranhando a concordância verbal. Depois do discurso, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, tentaram reinterpretar o discurso, mas o leite já estava derramado. Bolsonaro se viu obrigado a gravar uma “live” na internet, na qual minimizou o comentário feito na cerimônia militar.
Previdência
Bolsonaro utilizou o argumento para justificar a inclusão dos militares na reforma da Previdência, uma exigência que está sendo feita pelo Congresso para começar a debatê-la, porque a proposta do governo deixou os militares de fora. Chegamos ao ponto que mais interessa. Gregos e baianos, com exceção dos de oposição, sabem muito bem que o país não tem a menor possibilidade de crescer na escala que precisa sem a reforma da Previdência. A desaceleração da economia mundial e a nossa crise fiscal não permitem que isso ocorra, mesmo que a reforma seja meia-boca, descarregando o peso do ajuste nos assalariados para manter os privilégios dos grupos de pressão mais poderosos, como magistrados, procuradores, militares e policiais. O sucesso de Bolsonaro passa por esse rubicão.
Para aprovar a reforma, Bolsonaro depende dos políticos, principalmente do Congresso, cujos 513 deputados e 81 senadores representam a totalidade dos eleitores e não apenas a parcela que votou no presidente da República. Não há a menor possibilidade de aprovar a reforma sem a mobilização de 308 deputados e 54 senadores. A forma como o governo foi organizado não garante esse apoio, ainda mais porque os políticos nomeados para o ministério são representantes de frentes parlamentares com fortes interesses corporativos, que nada têm a ver com a reforma da Previdência.
Não se pode dizer que Bolsonaro não saiba como funciona o parlamento, no qual atuou por quase 30 anos. Na prática, porém, o eixo de sua atuação não vem sendo a articulação política do governo no Congresso: mira a mobilização ideológica de seus apoiadores, entre os quais os militares, dos quais é o “comandante supremo”, como presidente da República. Ninguém se engane com o significado da eleição de Bolsonaro.(...)