Correio braziliense, n. 20379, 08/03/2019. Mundo, p. 12

 

Pressão brasileira

08/03/2019

 

 

Chanceler Ernesto Araújo revela que Itamaraty buscará apoio da Rússia e da China ao presidente autodeclarado da Venezuela, Juan Guaidó. Dirigente opositor conclama Europa a reforçar as sanções financeiras contra o regime de Nicolás Maduro

O ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, anunciou que Brasília pressionará Pequim e Moscou, além de outros governos emergentes, para declararem apoio explícito ao presidente autodeclarado da Venezuela, Juan Guaidó. “O Brasil tem uma responsabilidade única nas relações exteriores”, sublinhou o chanceler, durante entrevista ao Wall Street Journal. Segundo Araújo, o país pode exercer papel fundamental no reforço de pressão sobre o bloco do Brics (que inclui Índia, África do Sul e China) contra o regime de Nicolás Maduro. “É uma questão de senso comum.Ninguém quer um aliado como Maduro. Esses países têm uma reputação a preservar”, observou. China e Rússia, parceiros comerciais e estratégicos de Maduro, vetaram uma resolução no Conselho de Segurança da ONU que pedia a realização de eleições gerais na Venezuela.
Guaidó instou a Europa, ontem, a intensificar as sanções financeiras contra o regime de Maduro, em entrevista ao jornal alenão Spiegel. O líder opositor condenou com veemência a decisão do regime de expulsar o embaixador da Alemanha em Caracas, Daniel Kriener. O diplomata foi considerado persona non grata pelo Palácio de Miraflores por ter recepcionado Guaidó no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Maiquetía (região metropolitana de Caracas), na última segunda-feira. “Os países europeus devem reforçar as sanções financeiras contra o regime. A comunidade internacional deve impedir que o dinheiro dos venezuelanos seja mal utilizado para assassinar os opositores e os povos autóctones”, declarou.
Guaidó lembrou que “a Venezuela vive sob uma ditadura”. “Esta maneira de proceder constitui uma ameaça para a Alemanha. Maduro ocupa ilegalmente a presidência”, disse o presidente autoproclamado, reconhecido por 50 nações, incluindo Estados Unidos, Brasil, Colômbia, Alemanha, Reino Unido, França e Espanha. “Maduro não tem legitimidade para declarar um embaixador indesejável”, afirmou, ao agradecer a Alemanha pela ajuda humanitária. De acordo com ele, o regime “não apenas ameaça verbalmente o embaixador, mas também sua integridade física”.
A União Europeia (UE) lamentou a expulsão de Kriener e exortou Maduro a “reconsiderar” essa atitude. “Lamentamos que o embaixador alemão na Venezuela tenha sido forçado a deixar o país em um contexto político tenso e complexo”, disse Maja Kocijancic, porta-voz da diplomacia europeia, em entrevista coletiva. Por sua vez, Federica Mogherini, chefe de política externa do bloco, condenou “firmemente” a expulsão, ao considerar que se trata de uma medida que obstaculiza o trabalho diplomático e atenta contra “uma saída política para a crise” venezuelana.
Na noite de ontem, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, descartou reconsiderar a expulsão de Kriener. “(O embaixador) foi declaradado persona non grata em rigorosa conformidade com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Tudo indica que seu serviço de assessoria jurídica errático precisa de alguns ajustes”, ironizou o chanceler venezuelano, em resposta a Mogherini. “A Venezuela espera que a União Europeia recupere o equilíbrio e reconsidere suas posições de interferência permanente em nossos assuntos internos, seu claro alinhamento com a estratégia de agressão de Washington e seu apoio aos atos inconstitucionais da oposição extremista”, respondeu Arreaza.
Estados Unidos
O enviado dos Estados Unidos para a Venezuela, Elliot Abrams, disse no Congresso norte-americano que Washington considera mais sanções dirigidas a instituições ligadas a Maduro.  “Já sancionamos várias instituições e vamos expandir esta rede. Estamos considerando outras instituições que não vou nomear porque não quero que tenham um pré-aviso”, alertou Abrams em audiência no Senado, da qual também participou o diretor da Agência americana de Desenvolvimento, USAID, Mark Green.
Abrams afirmou que “vão haver mais sanções contra instituições financeiras que estão executando ordens de Maduro para roubar fundos da Venezuela para escondê-los no mundo”. Na quarta-feira, o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, admitiu que “instituições financeiras estrangeiras” deverão enfrentar “sanções por participar da facilitação de transações ilegítimas que beneficiem Maduro e sua rede corrupta”. 
Mega-apagão na Venezuela
Um grande blecaute afetou ontem mais da metade dos estados da Venezuela e levou  o caos a Caracas. “Fomos alvos, uma vez mais, de uma guerra elétrica. A parte de geração e transmissão de El Guri foi atacada. Estamos trabalhando para recuperar o serviço”, declarou o ministro para a Energia Elétrica venezuelano, Luis Motta Dominguez. Além da capital, foram impactados os estados de Táchira, Zulia, Vargas, Lara, Cojedes, Nueva Esparta e Miranda.
"O Brasil tem uma responsabilidade única nas relações exteriores”
Ernesto Araújo, chanceler brasileiro
Guaidó recebe embaixador expulso
O presidente autodeclarado da Venezuela, Juan Guaidó, se reuniu na Assembleia Nacional com o embaixador da Alemanha em Caracas, Daniel Kriener Martin, um dia depois de o Palácio de Miraflores ordenar sua expulsão em 48 horas. “Nós lhe manifestamos nosso repúdio ante as ameaças do regime usurpador. Fomos também notificados que o embaixador foi chamado a consulta em Berlim, e que a embaixada em Caracas se mantém em pleno funcionamento, sob a autoridade da encarregada de negócios Daniel Vogl.
A realidade estampada no Senado dos EUA
O Senado dos Estados Unidos realizou, ontem, audiência sobre  a relações entre Washington e Caracas, com a participação de venezuelanos que vivem em 23 estados norte-americanos. À frente, na sala, foram  dispostos pôsteres retratando a crise socioeconômica no país. Uma das fotos mostra o caminhão de ajuda humanitária incendiado na fronteira entre Venezula e Colômbia. Outras imagens exibem uma criança com o corpo esquelético e um manifestante ajoelhado, no chão, diante da tropa de choque do regime de Nicolás Maduro.

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Fim da Unasul com data marcada

Rodrigo Craveiro

08/03/2019

 


O Brasil está determinado a sepultar a União de Nações Sul-Americans (Unasul) e a se unir ao Prosul, um bloco proposto pelos presidentes Iván Duque (Colômbia) e Sebastián Piñera (Chile). A criação do fórum será debatida durante reunião em Majadas de Pirque (a 5km de Santiago), daqui a exatamente duas semanas. O presidente Jair Bolsonaro estará na cúpula de chefes de Estado para debater as bases do Prosul — nome ainda informal —, de inclinação de direita. O presidente autodeclarado venezuelano, Juan Guaidó, teria sido cortejado a participar do encontro, o que seria malvisto por lideranças da esquerda, como Evo Morales (Bolívia) e o próprio Nicolás Maduro (Venezuela).
Em entrevista ao Correio, Juan Carlos Hidalgo, analista de políticas públicas sobre América Latina do Centro para a Liberdade e a Prosperidade Global do Instituto Cato (em Washington), afirmou que a Unasul está “absolutamente esvaziada”. “Do bloco, somente resta um luxuoso e vazio edifício em Quito. Os novos governos conservadores que dominam a América do Sul não sentem afinidade por essa organizações, criada por seus adversários políticos internos e que serviu de plataforma para uma agenda política que é um anátema para seus interesses”, explicou.
Hidalgo disse compartilhar da defesa da democracia e da economia de mercado. “Creio que o Prosul é uma ocorrência dos governos de direita. Estou de acordo com o sepultamente da Unasul, uma criação de governos de esquerda para alavancar a agenda bolivariana na região”, comentou. Segundo o estudioso, a resposta não seria criar outro organismo que promova uma visão de direita. “Se a esquerda retornar ao poder na América  Latina, vai propor o desaparecimento do Prosul, em troca de algo novo. Não existe institucionalidade por trás dos esforços de integração na região, e  tude depende das oscilações ideológicas do momento”, acrescentou.
Na opinião de Hidalgo, a adesão do Brasil ao Prosul “é algo esperado, ante o desprezo manifestado por Bolsonaro pela esquerda, pelo regime venezuelano e pelo Partido dos Trabalhadores (PT)”. “A Unasul estava irremediavelmente ligada a esses atores. Bolsonaro estaria na primeira fileira para propor sepultá-lo.”