Título: Pouco dinheiro para botar o bloco na rua
Autor: Kleber, Leandro
Fonte: Correio Braziliense, 03/09/2012, Política, p. 4

Primeira prestação de contas à Justiça Eleitoral mostra que apenas 28% dos candidatos receberam doações, mas quase metade dos recursos saiu do próprio bolso dos políticos

Somente um em cada quatro candidatos a prefeito ou vereador espalhados pelo país recebeu doações para tocar a campanha deste ano. É o que mostra levantamento feito pelo Correio com base na primeira prestação de contas entregue pelos candidatos à Justiça Eleitoral. Dos 437 mil candidatos aptos à disputa em 7 de outubro, somente 124 mil (28%) foram contemplados com doações de empresas, pessoas físicas ou dinheiro repassado por padrinhos políticos, partidos e comitês financeiros. O restante dos candidatos, pouco mais de 313 mil, não declarou qualquer receita na primeira parcial de contas para custear despesas com água, alimentação, combustível, comícios, páginas na internet e material gráfico, entre outras.

De acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os 124 mil candidatos receberam R$ 395,2 milhões para as campanhas. Muitos, inclusive, se bancaram. No total, esses aspirantes a cargos eletivos nas cidades tiraram do próprio bolso pelo menos R$ 164 milhões, o que representa 42% do total arrecadado por eles.

Antes de fechar a primeira parcial de contas, o presidente do PT de São Paulo, deputado estadual Edinho Silva, admitiu que o partido — o segundo que mais recebeu doações este ano, atrás apenas do PMDB — estava com dificuldades para arrecadar fundos. Ele atribuiu a fraca arrecadação ao ambiente negativo do julgamento do mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF), e à CPI do Cachoeira, no Congresso Nacional.

Para o cientista político Cristiano Noronha, da consultoria Arko Advice, o julgamento no Supremo pode ter afastado os doadores de campanha. Mas ele não acredita que esse seja o principal motivo da falta de dinheiro este ano. "O Brasil não vive um bom momento econômico. A disponibilidade de caixa das empresas para financiar campanhas eleitorais vai para uma prioridade baixa", explicou. E ele também dá como exemplo o fato de que muitos dos que disputam uma cadeira para as câmaras municipais são novatos ou aventureiros. "Sem projeção e sem nomes expressivos, não há interesse das empresas em financiar. As campanhas a vereador não atraem o grande empresariado, ao contrário das de pessoas expressivas". Segundo o cientista político, nas eleições municipais, as doações são destinadas majoritariamente aos candidatos a prefeito. "Não havendo interesse em financiar vereador, a sua campanha acaba sendo feita com muita ajuda de cabos eleitorais e de amigos, que acabam se mobilizando. Por isso, há chances de haver recursos não contabilizados (na prestação de contas). Boa parte dessas doações não é oficial", esclareceu.

A tese de que os mais conhecidos atraem a atenção dos doadores pode ser observada em casos como o dos candidatos a vereador em São Paulo Aguinaldo Timotheo (PR), que declarou ter recebido R$ 13,4 mil — sendo R$ 8,4 mil do próprio bolso —, e do ex-ministro do Esporte Orlando Silva (PCdoB), que também disputa uma vaga para a Câmara Municipal. O comunista acusou o recebimento de R$ 16 mil, sendo R$ 11 mil depositados pelo próprio partido.

Há exceções. O candidato a vereador em Recife pelo PPS Raul Jungmann, por exemplo, que já foi ministro de Estado no governo Fernando Henrique Cardoso e deputado federal, não recebeu nenhum centavo para tocar a sua campanha. Segundo Jungmann, isso se deve ao atraso em definir a sua candidatura a vereador. "Como eu era candidato a prefeito, na última hora não continuei e mudei para vereador. A campanha já tinha efetivamente começado. Entrei na categoria dos chamados remanescentes. Tive de renegociar todo os apoios. Isso fez com que eu só colocasse a campanha na rua recentemente. Para isso, fiz um empréstimo de R$ 50 mil. Na segunda prestação de contas terão as doações, que já começaram a pingar", esclareceu.

Pobreza

Para o coordenador do Núcleo de Estudos em Gestão Pública da Universidade de Brasília, João Paulo Machado Peixoto, a falta de recursos para a maioria dos candidatos espalhados pelo Brasil é, de certa forma, natural. A maioria dos municípios brasileiros é pobre. Porém, segundo o professor, é curioso que os partidos ainda não tenham contribuído para impulsionar a campanha de seus candidatos. "Vemos que os candidatos são deles próprios. Não têm capacidade de organizar comitê financeiro, como em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, entre outras cidades grandes. Por isso, deveriam ser alimentados pelos partidos, por menos que seja a quantia. Os deputados e senadores, por exemplo, conseguem alavancar recursos para os seus candidatos". O pesquisador ressaltou, entretanto, que ninguém faz campanha sem dinheiro, por mais pobre que seja o município. "Algum dinheiro tem de ter, até para fazer cartazes e santinhos, gastar com gasolina etc. É suspeito (não declarar doações)", disse ele, lembrando que pode haver dinheiro não contabilizado oficialmente.

A divulgação do nome dos doadores e das quantias doadas ainda com a campanha em andamento — fato inédito na história eleitoral do país — só foi possível graças à Lei de Acesso à Informação. Baseada na lei, regulamentada em maio, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, determinou que a divulgação dos doadores ocorra já nas primeiras prestações de contas parciais, conforme antecipou o Correio na edição do dia 20. Pela Lei Eleitoral, os candidatos são obrigados a indicar os nomes dos doadores e os respectivos valores doados somente na prestação final de contas, prevista para ocorrer depois do pleito.

Caixa de campanha

Recursos recebidos Recursos gastos Candidatos R$ 395,2 milhões R$ 189,4 milhões Partidos R$ 53,4 milhões R$ 36,1 milhões Comitês R$ 51,6 milhões R$ 40,8 milhões

Fonte: primeira prestação de contas divulgada pelo TSE

Quem mais arrecadou

Eduardo Paes (PMDB, Rio de Janeiro) R$ 2,88 milhões Luciano Ducci (PSB, Curitiba) R$ 2,45 milhões Edson Girotto (PMDB, Campo Grande) R$ 1,83 milhão Geraldo Julio (PSB, Recife) R$ 1,58 milhão José Serra (PSDB, São Paulo) R$ 1,54 milhão Fernando Haddad (PT, São Paulo) R$ 1,46 milhão Lacimar Sacre Campos (DEM, Várzea Grande-MT) R$ 1,11 milhão

TSE aprova envio de tropas para estados

» O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou o envio de forças federais para 50 cidades dos estados do Amazonas, Maranhão, Pará e Tocantins, para reforçar a segurança das eleições municipais de outubro. Mais dois estados que apresentaram pedido de reforço ao tribunal aguardam a autorização do TSE. Caso sejam atendidos, o número de cidades com presença de contingente do Exército, da Marinha e da Aeronáutica durante as eleições pode subir para 90.