O globo, n. 31289, 07/04/2019. País, p. 5

 

PT: entre a defesa de Lula e oposição a Bolsonaro

Sérgio Roxo

07/04/2019

 

 

Após um ano da prisão do ex-presidente, completado hoje, partido continua em uma ‘encruzilhada’. Fernando Haddad inicia caravanas pelo país para tentar mobilizar a base; estratégia afasta outros partidos de oposição

Um ano depois da prisão de seu principal líder, o PT ainda está, nas palavras de um de seus mais influentes dirigentes, numa “encruzilhada”. O partido tenta encontrar um caminho entre a defesa da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a construção de um projeto alternativo ao bolsonarismo para tentar voltar ao poder. Reservadamente, os petistas admitem que Lula, de 73 anos, dificilmente voltará a disputar uma eleição. 

Atualmente, o ex-presidente está inelegível até 2038 com base na Lei da Ficha Limpa por causa da condenação a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). O líder petista ainda tem mais uma condenação em primeira instância e responde a outras seis processos. O quadro de inelegibilidade só poderia ser revertido se os tribunais superiores anulassem a condenação de segunda instância do caso do tríplex. Poucos aliados, porém, acreditam nessa possibilidade.

Nos tribunais, a maior esperança é conseguir uma progressão para o regime domiciliar. Isso aconteceria se o Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolvesse o petista do crime de lavagem de dinheiro, o que reduziria a pena. Nenhuma liderança petista cogita virar as costas para Lula neste momento porque a história dele e a da sigla se confundem —e também por razões humanitárias . Isolado em Curitiba, Lula já discordou de decisões tomadas pela cúpula do PT.

No começo de março, o ex-presidente ficou contrariado com a nota da Executiva do partido divulgada para rebater Ciro Gomes (PDT), que em entrevista ao jornal “Valor Econômico” chamara a presidente petista Gleisi Hoffmann de “chefe de quadrilha”. Na avaliação de Lula, bastava um parlamentar responder ao pedetista, evitando assim institucionalizar o duelo.

Logo no início do período de cárcere, o ex-presidente tomou decisões importantes, como a confirmação de Fernando Haddad como candidato do partido à Presidência. Também articulou o movimento para minar a candidatura de Ciro Gomes (PDT).

Oposição dividida

Com Lula fora de cena, a união da esquerda fica mais complicada, já que o ex-presidente sempre foi conhecido pela capacidade de diálogo e poder de persuasão nas costuras políticas. O ex-aliado Ciro Gomes tem feito críticas públicas à defesa da liberdade do expresidente e descartado uma união com os petistas na oposição a Bolsonaro justamente por esse motivo. Até partidos como o PSOL e o PCdoB, que participam de atos pela liberdade Lula, se queixam que a saída do expresidente da prisão não pode ser a bandeira principal da oposição. A avaliação é que seria preciso construir um novo projeto que conquistasse a população.

O próprio Lula tem afirmado para os que o visitam na Superintendência da Polícia Federal do Paraná, onde completa um ano preso hoje, que não acredita que os tribunais irão lhe beneficiar com a liberdade nos próximos meses. Na semana passada, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, adiou, sem estabelecer uma nova data, o julgamento sobre o cumprimento de pena após a condenação em segunda instância, que estava marcado para a próxima quartafeira.

Se a Corte revisse a posição, o petista seria solto. Para Lula, só a mobilização popular pode tirá-lo da cadeia. Por isso, o candidato derrotado do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, pegou a estrada neste final de semana. Esteve na última sexta-feira em Porto Alegre e, ontem, em Florianópolis. Hoje pela manhã está previsto um ato político na frente da sede da Polícia Federal do Paraná para marcar um ano da prisão do ex-presidente. A ideia é fazer dois ou três eventos da caravana “Lula livre com Haddad” por mês em todas as regiões do país. Sem alternativa, o PT tenta juntar a mensagem em defesa da liberdade de Lula com o combate às propostas do governo Bolsonaro.

— O Lula livre é um guarda-chuva onde estão as demais bandeiras. Queremos o Lula livre para defender a aposentadoria do povo, para lutar contra a entrega do patrimônio nacional e a favor da educação —afirma Márcio Macedo, um dos vice presidentes do partido. Em sua atuação no Congresso, o PT também pretende misturar a defesa de seu líder com as críticas ao governo. Para o deputado José Guimarães (PTCE), integrante da direção nacional do partido, “soltar Lula e barrar a reforma da Previdência” estão entre os principais objetivos para este ano.

— Não daremos trégua para o governo. A oposição será como nós fizemos com o (ministro da Economia) Paulo Guedes na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.

Pouco acesso

O contato de Lula com seus colegas de partido, no entanto, tem sido limitado. Em janeiro, a juíza Carolina Lebbos proibiu Haddad, que é advogado, de visitar o ex-presidente. A alegação é que ele tinha procuração para atuar no processo de registro de candidatura de Lula, que foi extinto com o fim das eleições presidenciais. Atualmente, o deputado estadual Emídio de Souza (SP), tesoureiro do PT nacional, é o único dirigente que permanece com autorização para estar com o líder petista. Além disso, o tempo de visita dos advogados, que antes era de seis horas diárias, foi reduzido para duas, sendo uma hora pela manhã e uma à tarde. São nesses encontros que o ex-presidente recebe um resumo das notícias diárias para se informar e envia bilhetes com orientações para os dirigentes e parlamentares do PT.