Valor econômico, v.19, n.4549, 19/07/2018. Empresas, p. B5

 

Enel estuda investir em transmissão de energia no Brasil 

Cláudia Schüffner

Rodrigo Polito

19/07/2018

 

 

Depois de pagar R$ 5,5 bilhões pela Eletropaulo, a gigante energética italiana Enel estuda investir no segmento de transmissão de energia brasileiro, onde já controla a Companhia de Interconexão Energética (Cien, estação conversora para a interconexão entre Brasil e Argentina). Segundo o principal executivo do grupo no mundo, Francesco Starace, uma decisão estratégica da companhia sobre o assunto deve ser tomada até o Natal. Antes disso, em novembro, a Enel anunciará o novo plano de investimentos da empresa, até 2021, já incluindo a maior distribuidora de energia da América Latina.

Em sua primeira entrevista exclusiva a um veículo brasileiro após a aquisição da Eletropaulo, vencendo batalha com a Neoenergia, da espanhola Iberdrola, em junho, Starace também admitiu que o grupo tem interesse por mais três distribuidoras no país, sendo duas da Eletrobras e a Light.

Caso se concretize, o investimento no setor de transmissão marcará mais um passo estratégico do grupo italiano no país, marcado nos últimos anos por aquisições agressivas. Entre as principais operações estão as aquisições das distribuidoras Eletropaulo, este ano, e Celg (atualmente Enel Distribuição Goiás), no fim de 2016, somando R$ 7,7 bilhões, e da hidrelétrica de Volta Grande (MG), por R$ 1,4 bilhão. Com a compra da Eletropaulo, o Brasil se tornou o segundo maior mercado de distribuição da Enel no mundo, com cerca de 17 milhões de clientes, atrás apenas da Itália, com 31 milhões.

Embora não haja dados específicos sobre o Brasil, o país tem participação relevante nos negócios da Enel na América do Sul, que respondem por 17,6% do faturamento global da italiana, de 74,6 bilhões de euros (o equivalente a quase R$ 340 bilhões).

"Pensamos várias vezes sobre transmissão [de energia], não só no Brasil, mas na América do Sul. Temos uma grande operação de transmissão na Europa. Temos experiência, conhecemos o negócio. Há potencial em conectar Estados diferentes do Brasil e também conectar os países vizinhos. Mas, para ser honesto, até agora não estivemos realmente focados [em transmissão no Brasil]. É algo que estamos olhando agora e, daqui até o Natal, temos que decidir se queremos começar uma linha de negócios nesse segmento no Brasil. Vamos avaliar se faz sentido ou apenas dizer 'não', vamos focar em distribuição", afirmou Starace.

Segundo ele, a decisão levará em conta a necessidade de ter uma equipe adequada para o negócio e dedicar tempo da companhia para a atividade. "Se decidirmos fazer [investir em transmissão], é preciso fazer o tempo todo, não apenas um pouco aqui e um pouco ali", completou.

Com relação às distribuidoras, Starace contou ter interesse por duas das seis empresas que a Eletrobras pretende vender. Sem citar o nome delas, ele sinalizou que podem ser a Cepisa, do Piauí e a Ceal, do Alagoas.

"Já compramos uma [a antiga Celg, de Goiás]. Agora existem seis. Dessas seis, talvez duas nos interessem.", afirmou ele. "É difícil dizer [quais são as distribuidoras] porque é uma informação da companhia, mas você pode entender facilmente, por conta própria, quais são, se olhar no mapa e ver onde estamos. Não é difícil", completou.

Além de serem ativos mais atrativos, a Ceal e a Cepisa estão localizadas próximo da Enel Distribuição Ceará (antiga Coelce), empresa do grupo naquele Estado.

Starace também admitiu que tem interesse pela Light, que atende a região metropolitana do Rio de Janeiro, onde o grupo controla a antiga Ampla, hoje Enel Distribuição Rio, que opera em Niterói e outros 65 municípios do interior do Estado. Ele, porém, afirmou que a abordagem atual do controlador da empresa, a mineira Cemig, com relação à intenção de vender o ativo, não está muito clara.

"As duas companhias [Light e Enel Rio] são muito próximas uma da outra e mostramos interesse em uma aquisição no passado. A Cemig, acionista da Light, não tem um 'approach' lógico sobre vender. E não estou certo se essa decisão será tomada em algum momento. Tem sido 'sim' e 'não' [sobre estar à venda] por muito tempo. E houve uma série de mudanças na estrutura da direção da Cemig nos últimos anos. Talvez eles precisem de mais tempo, talvez estejam esperando o leilão da [das distribuidoras] Eletrobras para ver o interesse em torno dela [Light]. Estou apenas supondo", completou o executivo, dizendo não temer o alto índice de perdas da Light com furto e fraude de energia.

Ele também confirmou que o grupo colocou à venda ativos de geração de energia eólica e solar no Brasil, conforme antecipado pelo Valor há duas semanas. Sem detalhar quais ativos estão sendo oferecidos ao mercado, ele explicou que o negócio faz parte de uma nova linha estratégica da companhia de vender a participação acionária, mas manter a operação de usinas já construídas ("build, sell and operate").

"É um sistema que estamos querendo implementar. Começamos nos Estados Unidos três anos atrás. Então fizemos no México. Então fomos perguntados por alguns fundos se nós tínhamos interesse de fazer o mesmo no Brasil. E dissemos 'por que não?'", disse Starace, acrescentando que é possível concretizar alguma operação nesse sentido ainda este ano.

Ainda em geração, a estratégia da italiana no Brasil é de crescer por meio de leilões de energia ou no mercado livre, desenvolvendo projetos para atendimento a consumidores industriais e comerciais específicos. A empresa possui um portfólio atual de cerca de 3 mil MW em operação - de hidrelétricas, eólicas, parques solares e uma térmica a gás natural - e de aproximadamente 1 mil MW em construção - principalmente eólicas e parques solares.

Com aquisição da Eletropaulo, Brasil se tornou o segundo maior negócio de distribuição do grupo, atrás da Itália

Starace também encara com aparente naturalidade os problemas que a Enel Geração Fortaleza (antiga TermoFortaleza), termelétrica a gás natural controlada pela empresa, está enfrentando desde que o suprimento do combustível foi suspenso. A térmoelétrica é uma das integrantes do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), do governo federal, e desde fevereiro briga com a Petrobras por meio de liminares para receber o gás. A última liminar válida é da brasileira, que conseguiu suspender o fornecimento de gás.

"Toda vez que há um contrato de longo prazo com um único supridor sempre algo acontece ao longo dos anos, por causa do preço do gás, para o comprador, porque [o preço] está alto ou para o vendedor porque [o preço] está baixo. Não é algo específico do Brasil", disse o executivo.

O principal executivo do grupo no Brasil, Carlo Zorzoli, vem defendendo uma solução legal para o problema, que seria uma autorização para que a empresa possa repassar para a tarifa o aumento do preço do gás natural.

Questionado sobre o cenário político do Brasil, Starace disse não estar preocupado com as eleições em outubro. "O Brasil entrou em uma grande crise política e institucional nos últimos dois anos e gerenciou de maneira muito boa a situação. As instituições brasileiras são muito resilientes e fortes. E eleições acontecem em todo lugar o tempo todo. Isso é normal", afirmou.

Starace, que concedeu entrevista de Roma, por videoconferência, afirmou que pretende vir ao Brasil até o fim deste ano.

Na última semana, ele recebeu o título de "Comendador da Ordem de Rio Branco" do embaixador do Brasil na Itália, Antonio Patriota, em um evento no Palácio Pamphili, em Roma. O título é um reconhecimento que o governo brasileiro confere a pessoas físicas e jurídicas que beneficiaram significativamente o país por seus méritos na política, cultura, economia e ciência. Segundo a Enel, Starace foi agraciado por méritos econômicos e, em particular, pelo papel que vem atribuindo por meio do crescimento do grupo no país, contribuindo para a disseminação das energias renováveis no Brasil. (Colaborou Camila Maia, de São Paulo)