O globo, n. 31289, 07/04/2019. Economia, p. 34

 

Brexit é oportunidade para exportador brasileiro

Vivian Oswald

07/04/2019

 

 

Estudo estima que vendas do Brasil para o Reino Unido podem aumentar entre US$ 1 bi e US$ 2 bi por ano. Novas regras aduaneiras, porém, podem ser um problema. Embaixada lança plataforma digital para orientar empresários

O Brexit, processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE), acarretará uma série de novas regras aduaneiras que terão reflexos nas exportações brasileiras. Para o bem e para o mal. Segundo estudo da consultoria alemã Bertelmann Stiftung, o Brasil tem pela frente um potencial aumento de vendas, de US$ 1 bilhão a quase US$ 2 bilhões por ano, depois do Brexit. Isso representaria um incremento de cerca de 50% em relação ao que o Brasil vende hoje aos britânicos — em 2018, 1.700 empresas brasileiras exportaram US$ 3 bilhões para o Reino Unido. Metade dos alimentos e bebidas consumidos por britânicos vem de fora, sendo 60% desse universo oriundos da UE. Esta é a janela para os produtos brasileiros.

A conquista desse mercado depende de quais serão os termos finais do Brexit. Mas também depende da capacidade de as empresas brasileiras agirem para preencher possíveis vácuos deixados pelos europeus, antes de concorrentes como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Canadá, que já teriam iniciado tratativas informais com os britânicos.

Mudança nas tarifas

O Reino Unido terá de definir, por exemplo, por onde entrarão as toneladas de suco de laranjaque importa de vários países, principalmente do Brasil. Hoje, os navios com os imensos tonéis de suco atracam no porto de Roterdã, na Holanda, o único com capacidade de recebê-los. O produto depois é transportado até os mercados locais em caminhões. Estimase que cerca de 80% do suco de laranja consumido no Reino Unidos ejam de origem brasileira. UmBrexits em acordo pode criar novos controles aduaneiros, regras sanitárias e a cobrança de tarifas pelo uso do porto holandês, oques e traduziria em custos e complicações adicionais par aos exportadores brasileiros.

Frutas e vegetais importados, que hoje só passam por inspeções nos portos de entrada da UE, podem ter de ser submetidos a inspeções adicionais em solo britânico. O que, a depender das filas e da nova burocracia, pode prejudicara entrada de frutas brasileiras. Os britânicos importam metade das melancias frescas exportadas pelo Brasil e 27% dos melões. —Umdi ade esperaéo suficiente para que afruta perca valor. Mais do que isso pode levara sua deterioração—disse um técnico brasileiro que monitora o setor, acrescentando que as autoridades veterinárias britânicas estimam um aumento de 325% no número de itens que precisarão de inspeção veterinária no caso de um Brexit sem acordo. Mas só depois da decisão do Parlamento sobre o Brexit será possível saber as novas regras. Por isso, a Embaixada do Brasil em Londres criou o programa Brazil Brexit Watch, que coloca no ar amanhã, em parceria coma Apex, uma plataforma digital com informações tarifárias, riscos e um guia para que as empresas brasileiras acompanhem as mudanças e se preparem. Foram selecionados sete setores importantes, que representam 80% das exportações brasileiras para o Reino Unido.

A ideia é mostrar às empresas brasileiras os riscos e as oportunidades de negócio. É o caso da criação de cotas de importação com tarifas zero para itens que não possam ser supridos após a saída da UE. A medida visa a evitar o desabastecimento, mas pode favorecer países como o Brasil. O setor de calçados, um dos dez principais itens da pauta de exportação brasileira para o Reino Unido, poderia ser beneficiado. Hoje, os sapatos brasileiros concorrem com os europeus, que são isentos de tarifa. O produto made in Brazil paga 8,8%.

O governo brasileiro ainda ouviu 2 mil empresários para conhecer suas dúvidas e intenções de disputar o mercado britânico pós-UE. O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, reconhece que há oportunidades, mas faz uma ressalva:

— O custo-Brasil continua proibitivo. As oportunidades existem, sim, mas, na prática, pouco acontece. Não temos meios de aproveitá-las. Ele defendeu a urgência da aprovação das reformas da Previdência e tributária, além de investimentos em infraestrutura, para reduzir o custoBrasil. Segundo Castro, o país só tem fôlego para exportar para a América do Sul. Os EUA, que compravam 25% da pauta em 2000, hoje não importam mais do que 12%: — Nossas variáveis internas inviabilizam. Não consigo chegar ao país de destino. O Brasil dança conforme a música. E quem toca a música não é ele. Castro lamenta o Brexit. Ele diz que, se o Reino Unido deixar a UE, o Brasil perderá um parceiro dentro do bloco. Isso porque os britânicos seriam mais abertos aos pleitos brasileiros e mais receptivos a um acordo com o Mercosul do que os demais membros da UE.

Confiança em queda

Pelo novo prazo acertado com a UE, o Reino Unido deixará o bloco em cinco dias se o Parlamento não aceitar o acordo costurado pela primeira-ministra Theresa May — que já foi rejeitado quatro vezes. E pode até ser que o Brexit nem ocorra. Sem saber o que vai acontecer, investidores e empresários se preparam para o pior.

Os índices de confiança do consumidor caem, as vendas no varejo despencam, e as empresas evitam tirar novos planos do papel. Esse cenário levou o Produto Interno Bruto (PIB) britânico a registrar, em 2018, o menor crescimento em seis anos: 1,4%.