O globo, n. 31288, 06/04/2019. Opinião, p. 2

 

Vélez nunca foi ministro da Educação

06/04/2019

 

 

Ricardo Vélez Rodríguez tem uma incompatibilidade nata com o cargo de ministro da Educação. Professor de Filosofia, arregimentado para fazer parte do grupo ideológico do governo, Vélez parecia ter a missão de colocar nos eixos um setor visto pelas lentes do bolsonarismo como um bolsão de marxistas, impregnado de uma visão politicamente errada da sociedade brasileira, uma ameaça à família e às demais instituições.

Em café da manhã ontem com jornalistas, o presidente Jair Bolsonaro indicou que Vélez terá pouco tempo mais de governo: “está bastante claro que não está dando certo. Na segunda-feira, vamos tirar a aliança da mão direita, ou vai para a esquerda ou vai para a gaveta.” A decisão já está tomada, completou Bolsonaro.

Nunca esteve no MEC, na verdade. O ministro se notabilizou apenas por emitir opiniões inapropriadas. Escorregou ao tachar de “canibal” o brasileiro em turismo no exterior, quando, segundo ele, rouba hotéis e até mesmo o “assento salva-vidas dos aviões”. Qual a relação do MEC com o tema? Para o ministro, é na escola que o brasileiro aprenderá anão se rum selvagem. Ora, é na escola que o brasileiro precisa aprender muita coisa, para se qualificar e ocupar um posto no mercado de trabalho, contribuindo para aumentara baixa taxa de produtividade da economia brasileira. Este, um dos objetivos estratégicos do país, jamais foi mencionado coma ênfase devida em alguma declaração de Vélez nos quase cem primeiros dias de governo. O tempo foi desperdiçado, por exemplo, na emissão de uma circulara todas as escolas, para que, no prime ir odiado ano letivo, os alunos, perfilados, saudassem o hasteamento da Bandeira, enquanto cantavam o Hino Nacional, e ainda lessem um texto em ques e citava o lema de campanha de Bolso naro:“Br asila cima de tudo, Deusa cima de todos ”. O MEC de Rodríguez também determinou que a direção dos estabelecimentos filmasse os alunos lendo o texto, e enviasse o material para o ministério e a Secretaria de Comunicação da Presidência. Clara tentativa, ilegal, de usar imagens privadas em peças de propaganda política.

É provável que o enfrentamento de grupos bolsonaristas no MEC, na disputa pelo poder, tenha ajudado o ministro a se desviar da pauta de temas concretos e importantes da sua pasta. Em 27 dias, Vélez demitiu 14 assessores. Um dos últimos atos da crise no MEC foi a aparente tentativa de salvamento do professor, com a nomeação do tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira como secretário-executivo da pasta. Buscaria algum apaziguamento no MEC. Pelo que disse Bolsonaro ontem de manhã, o plano foi abortado.

Mas nenhum problema será resolvido se Vélez vier a ser substituído por alguém que não seja um especialista na área. Um novo sectário no posto será trágico. Há muito o que fazer no MEC, existe uma agenda em andamento e, em boa medida, é a partir da administração deste ministério que o Brasil conseguirá ou não fazer a revolução na educação de que depende seu futuro.