O globo, n. 31288, 06/04/2019. País, p. 8

 

Cabral afirma que comprou apoio de Crivella a Paes em 2008

Juliana Castro

Rayanderson Guerra

06/04/2019

 

 

Segundo depoimento do ex-governador ao juiz Marcelo Bretas, atual prefeito do Rio teria recebido US$ 1,5 milhão no segundo turno; ele nega: ‘É mentira’, disse em vídeo

Interessado em uma eventual redução de pena, o exgovernador Sérgio Cabral disparou ontem acusações contra diversos alvos nos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). O ex-governador detalhou compra de apoio político por empresas de ônibus do Rio, esquema de caixa dois nas campanhas e compra de estudos para chancelar iniciativas do governo. Afirmou ainda que comprou o apoio do atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), nas eleições municipais de 2008. Ele nega. Cabral disse que o então candidato derrotado à prefeitura do Rio recebeu US$ 1,5 milhão para apoiar o exprefeito do Rio Eduardo Paes no segundo turno:

— Ele (Crivella) me diz o seguinte: “Olha, estou sendo pressionado a apoiar o deputado Gabeira. Não é do meu agrado pelas minhas convicções religiosas, visão do mundo. Mas o Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, que estava muito exposto na campanha do Gabeira aparecendo na televisão pedindo voto, me ofereceu US$ 1 milhão. E, então, eu vou apoiar o Gabeira se vocês não fizerem nada”. O ex-governador disse ter conseguido os recursos com o empresário Eike Batista, de quem foi ao encontro junto com Paes. Ele disse que comentou o caso com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

— Tanto que depois o senador Crivella foi fazer queixa ao presidente Lula de eu não ter aproveitado ele no governo. Eu dei ciência ao presidente Lula. O presidente Lula sabia que eu tinha pago propina. Disse para ele na sala do Palácio do Planalto. O senhor me desculpe, mas eu comprei o apoio do Crivella.

Em um vídeo nas redes sociais, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, disse que o que foi dito por Cabral “é mentira”, e que a opção por apoiar Paes se deu porque ele “era o candidato dos evangélicos”. Gabeira disse ignorar as acusações e que “Armínio Fraga jamais faria esta oferta”. Paes não se pronunciou. A defesa de Eike informou que o empresário não é parte no processo e que sempre desenvolveu suas atividades empresariais dentro do marco da legalidade. Já Armínio Fraga disse que as informações prestadas por Cabral se tratam de “mentiras”. Em nota, a defesa de Lula informou que não vai comentar o depoimento. Cabral disse ainda ter sido achacado por deputados federais, mas não citou nomes. Ele contou que, até 2012, o dinheiro de propina era enviado para o exterior. Depois dessa data, os recursos passaram a ser guardados no Brasil e explicou um dos motivos:

— Fui achacado por parlamentares federais, tive que fazer trato com ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) — disse, colocando-se à disposição do MP para falar sobre o tema.—Tive que atendera presidente da República para beneficiar pessoas —concluiu, sem citar nomes. No depoimento, Cabral falou ainda ter ajudado Aécio Neves na campanha presidencial de 2014 com R$ 3 milhões, metade ele pediu à OAS e a outra a José Carlos Lavouras, da Fetranspor. A defesa do tucano afirmou que o parlamentar “desconhece qualquer pedido de apoio feito pelo ex-governador do Rio para a campanha presidencial do PSDB em 2014”.

Pareceres encomendados

Outro alvo do emedebista foi a Fundação Getulio Vargas (FGV), em sua parte de consultoria, que, segundo ele, produzia pareceres e estudos com as conclusões que o estado precisava. Questionado por Bretas se os estudos continham “vícios” para atender objetivos ilícitos, Cabral afirmou que sim, e disse que o ex-chefe da Casa Civil Régis Fichtner tratava do assunto diretamente com Cesar Campos, que comandou a FGV Consultoria. O ex-governador afirmou que a instituição deu cobertura legal em estudos para a construção da Linha 4 do metrô e a reforma do Maracanã. O GLOBO não localizou Cesar Campos. — Esse tipo de biombo foi usado porque é a FGV, como ela realmente é composta de grandes economistas, grandes sociólogos e cientistas políticos, grandes professores de Direito, essa consultoria usufruiu muito dessa reputação para ser biombo, dar cobertura legal para efetivação de entendimentos prévios, digamos assim —disse.

Em nota, a FGV informou que não teve conhecimento ou acesso a qualquer depoimento do ex-governador e que adotará as providências cabíveis para preservação de sua imagem e defesa de sua trajetória. No depoimento, Cabral afirmou que o Rio não é o único estado dominado pela “praga da corrupção”. — O que aconteceu com o Rio aconteceu, com certeza, com todos os estados da federação — disse, salientando que deu a declaração em parte porque tem conhecimento de outros casos, e em parte porque teve informação.

Os alvos de Cabral no depoimento

Marcelo Crivella

Sérgio Cabral disse que negociou o apoio de Crivella a Eduardo Paes na eleição para a prefeitura do Rio em 2008 por US$ 1,5 milhão.

Moreira Franco

Cabral diz que a caixinha da Fetranspor foi criada no governo de Moreira Franco, quando o sistema de ônibus foi recuperado, após o fim da encampação de parte das empresas.

Leonel Brizola

O secretário de Transportes Pedro Valente administraria a caixinha da Fetranspor, com o suposto “aval” do governador.

Anthony e Rosinha Garotino

Cabral afirmou que a caixinha das empresas de ônibus continuou nas gestões da família Garotinho. Por meio de um “laranja”, Garotinho teria adquirido uma TV regional e um jornal com dinheiro de propina.

Jorge Picciani

O ex-presidente da Alerj administraria a caixinha da Fetranspor na Casa e cuidava de projetos de interesse das empresas de ônibus.

Júlio Lopes

Quando secretário de Transporte, recebia R$ 100 mil por mês.

Luiz Fernando Pezão

Teria recebido R$ 30 milhões para campanha que o elegeu governador.

FGV

A fundação funcionaria como “biombo legal”, ou seja, daria aparência de legalidade a falcatruas, por meio de estudos e consultorias. Tribunal de Contas do Estado Conselheiros receberam um total de R$ 10 milhões das empresas de ônibus.