Valor econômico, v.19, n.4556, 30/07/2018. Empresas, p. B1

 

Sabesp vai buscar parceiros para investir em novas áreas de negócios

Rodrigo Rocha

30/07/2018

 

 

A experiência em parcerias com a iniciativa privada tornou-se uma responsabilidade a mais para Karla Bertocco, que assumiu a presidência da Sabesp em maio. A executiva terá, além da tarefa de comandar a maior companhia de saneamento do país, a missão de buscar oportunidades de novos negócios, sem deixar de lado a função principal da empresa: universalização do acesso a saneamento.

"Ele [o governador Márcio França] ficou muito animado com algumas iniciativas que minha equipe desenvolveu no governo, então a missão que veio foi nessa linha da inovação", afirmou a presidente da Sabesp, em entrevista exclusiva ao Valor, a primeira desde que ela assumiu a companhia. Antes disso, Karla foi subsecretária de parcerias e inovação do governo paulista na administração Geraldo Alckmin.

A empresa criou, inclusive, uma área ligada à presidência com foco exclusivo em novos negócios, que deve começar a funcionar oficialmente a partir da próxima semana. Mas, para manter o foco principal dos investimentos no fortalecimento da rede, Karla pretende recorrer a parcerias com a iniciativa privada, que não necessariamente terão a Sabesp como principal acionista.

"Acredito em parcerias público-privadas. A Sabesp tem muitos pontos fortes, mas é difícil explorar todas essas oportunidades sem você criar subsidiárias com a participação cada vez maior de terceiros", afirma a executiva. "Acredito que deixamos passar oportunidades e acredito em uma Sabesp mais forte, a partir do momento que ela cresça."

Entre as possibilidades de expansão avaliadas na Sabesp, estão não apenas projetos de água e esgoto, como também em drenagem e resíduos sólidos.

Além dessa função extra, a executiva terá de dar continuidade à questões da gestão anterior. Karla substituiu Jerson Kelman, que estava na presidência desde 2015 e liderou as ações para o combate à crise hídrica. Apesar da forte estiagem no estado neste ano ser vista com preocupação, ela não crê em problemas de abastecimento, fruto das obras realizadas e também da redução do consumo médio. "A empresa agiu bem e agiu relativamente rápido", afirma. Desde então, a Sabesp investiu R$ 6,8 bilhões em obras nos sistemas que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo.

Outro ponto importante na sua gestão é a revisão tarifária, processo que está sempre na mira dos investidores. Principal vetor para a desvalorização de 24% nas ações da Sabesp neste ano, a revisão ainda é contestada pela companhia. Karla disse que a empresa protocolou pedidos com questionamentos administrativo e jurídico.

A revisão conduzida pela Arsesp, agência reguladora paulista, ocorreu em dois ciclos: um encerrado em novembro, com reajuste de 7,88%, e outro em maio, com alta das tarifas em 3,5%. A segunda fase surpreendeu negativamente a companhia e o mercado, uma vez que as notas técnicas preliminares apontavam acréscimo de 4,77%.

A Sabesp dividiu os questionamentos enviados à Arsesp em dois documentos, o primeiro de característica técnico-econômica e o segundo de natureza jurídica. Karla explica que ter atuado na agência reguladora, no passado, facilitou a estruturação dos pedidos.

A presidente da Sabesp participou da gênese da Arsesp, onde trabalhou entre 2008 e 2010. Ao todo, está na administração pública desde 2000, incluindo passagens anteriores pela Sabesp e a presidência da Artesp, agência reguladora de transportes.

"São questões muito mais objetivas, não é uma questão de insatisfação. No primeiro caso, foi um recurso administrativo. Daí a vantagem de ter trabalhado na agência, porque sabe qual recurso utilizar, para quem que ele vai. Isso ajuda", disse. "Em administração pública, o procedimento, às vezes, é tão importante quanto o conteúdo."

Se no primeiro pleito, o viés é econômico, quase matemático, o segundo questionamento engloba discussão dos limites de poder da Arsesp, como o de alterar no segundo ciclo de revisão posições levantadas na primeira fase. "Esse segundo a gente acredita que tenha um tempo maior de apreciação, pois terá de tramitar por mais áreas dentro da agência", afirmou.

Outra preocupação é o projeto de constituição da holding que administrará a fatia do capital do controlador da companhia, o Estado de São Paulo. A iniciativa não foi descartada, mas a Sabesp ainda aguarda condições mais favoráveis de mercado. A venda de uma parte minoritária na holding levaria a uma capitalização da Sabesp. "Desde que voltei para a Sabesp, fiquei mais convicta da viabilidade do projeto da holding", afirmou. Como subsecretária, ela já negociava a criação da holding. Em conversa recente com o Valor, o governador Márcio França afirmou que "tinha dúvidas" sobre o real interesse do mercado na operação.

As dúvidas, além da atratividade, são de quanto valeria essa fatia no cenário atual. "A Sabesp continua trabalhando em parceria com o governo do Estado. Mas, do momento em que me envolvi até agora, infelizmente a situação, do ponto de vista de mercado, e econômica, se deteriorou muito", diz.

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Karla Bertocco vê falhas em condução da MP 844

Rodrigo Rocha

30/07/2018

 

 

A presidente da Sabesp, Karla Bertocco, demonstrou insatisfação com a forma como tem sido conduzida a Medida Provisória (MP) nº 844, que altera marco regulatório do saneamento. O texto contém pautas que atingem diretamente uma companhia estadual como a Sabesp. A executiva criticou tanto a forma como o momento em que a MP foi posta em pauta.

A MP tem como pontos mais polêmicos o aumento do poder da Agência Nacional de Águas (ANA) como reguladora do setor e a obrigatoriedade de chamamento público quando ocorrer renovação dos contratos de municípios com as companhias estaduais, caso da estatal paulista.

O conteúdo da medida era discutido entre os diversos entes desde o ano passado, mas o anúncio da assinatura foi feito de surpresa, poucas horas antes da cerimônia. "O que acho complicado dessa discussão é que praticamente nada do que foi discutido foi incorporado à MP", afirmou Karla.

A empresa questiona também a condução da proposta, uma vez que uma MP carrega como argumento a relevância e a urgência. "O que mudou na vida do saneamento nesses poucos mais de 20 dias da MP? Até onde eu sei, nada", questiona. "E os dispositivos mais questionados só vão ser implementados daqui anos."

A executiva exemplifica a questão da ANA, que ainda precisará se estruturar para ter capacidade de organizar o setor de saneamento. Nesse cenário, a chance de a MP ser convertida em lei é vista como baixa. Outra questão apontada são as 525 emendas sugeridas pelos congressistas ao texto em 11 dias.

A presidente da Sabesp também questiona a segurança jurídica da MP, vendo principalmente riscos relacionados a compensação dos ativos não amortizados na ocasião de troca de operadora.

"Por ser feito dessa forma, minha leitura é de que recrudesceu a relação público-privada. Eu acredito nessa relação, eu trabalhei com isso de forma intensa nos últimos cinco anos. A discussão deveria ser como melhorar os índices de cobertura no Brasil", disse.