Correio braziliense, n. 20378 , 07/03/2019. Mundo, p.12

REFORÇO NA PRESSÃO

RODRIGO CRAVEIRO

 

 

 

Na tentativa de estrangular o regime de Nicolás Maduro, os Estados Unidos ampliaram o escopo de sanções à Venezuela e anularam os vistos de 77 venezuelanos próximos ao mandatário. “Hoje, o Departamento de Estado anuncia que os EUA revogarão 77 vistos, inclusos os de muitos funcionários do regime de Maduro e de seus familiares. Continuaremos fazendo o regime de Maduro prestar contas até que a liberdade se restabeleça na Venezuela”, declarou o vice-presidente norte-americano, Mike Pence, durante discurso em Washington. Ele também avisou que instituições financeiras estrangeiras enfrentarão sanções, caso facilitem “transações ilegítimas que beneficiem” o Palácio de Miraflores. “Nicolás Maduro é um ditador sem direito legítimo ao poder, ele deve partir”, acrescentou. Por sua vez, o regime venezuelano considerou o embaixador da Alemanha em Caracas, Daniel Kriener, persona non grata e deu prazo de 48 horas para que o diplomata abandone o país, sob a acusação de “recorrentes atos de ingerência nos assuntos internos”.

Kriener esteve no Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Maiquetía (região metropolitana de Caracas), com outros dipomatas para recepcionar o presidente autodeclarado da Venezuela, Juan Guaidó, na última segunda-feira. “Esta é uma decisão incompreensível, que agrava a situação e nada contribui para a distensão. Nosso apoio, o apoio da Europa, para Juan Guaidó segue intacto”, avaliou o ministro das Relações Exteriores alemão, Heiko Maas. Em sessão da Assembleia Nacional (parlamento, opositor), Guaidó não poupou críticas a Maduro e o culpou pela expulsão de Kriener. “O regime usurpador não apenas queima a ajuda humanitária de que necessita nosso país. Também pretende expulsar aqueles que nos apoiaram com comida e com medicamentos”, lamentou. “O único non grato na Venezuela, na região, no mundo (…), senhores usurpadores, os únicos non gratos são vocês neste país. Estão ameaçando quem ajuda o país.”

Mais cedo, a alta comissária para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, afirmou que as sanções internacionais  agravaram a crise na nação sul-americana. “A situação na Venezuela ilustra claramente a maneira pela qual a violação dos direitos civis e políticos, incluindo a falta de respeito às liberdades fundamentais e à independência das instituições-chave, pode acentuar o declínio dos direitos econômicos e sociais”, disse a ex-presidente chilena, no marco da 40ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

 

Reações

Juan Guaidó rebateu Bachelet e lembrou que as sanções impostas por Washington foram direcionadas a corruptos e violadores dos direitos humanos. “Qualquer pessoa que fizer essas acusações não tem informação sobre quando as sanções começaram e o que elas significam, pois alvejaram corruptos e violadores dos direitos humanos”, explicou o opositor.

Por e-mail, Ramon José Medina — vice-secretário-executivo da coalizão opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD) — explicou ao Correio que a análise de Bachelet “não corresponde à realidade”. “A crise venezuelana começou a se manifestar em 2011 e a se intensificar no ano seguinte, com a reeleição de Hugo Chávez. O Ministério das Finanças revelou, em 2012, que investiu US$ 12 bilhões extras para fazer proselitismo político”, lembrou. “Quando Maduro tomou posse, em 2013, a nossa economia seguiu a curva descendente, em especial com a baixa na produção do petróleo e com expropriações, que minaram a produção nacional, a ponto de o PIB (Produto Interno Bruto) ter caído mais de cinco pontos percentuais.”

Medina disse que as sanções internacionais começaram a ser aplicadas em setembro de 2017, quatro anos depois da “desastrosa política econômica” aplicada pelos governos de Chávez e de Maduro. “Bachelet, desqualifcada para fazer uma avaliação ponderada, equilibrada e imparcial do cenário venezuelano, deveria se ater a investigar as violações dos direitos humanos”, comentou. Em seu pronunciamento ante o Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Bachelet destacou que “a maneira como as violações dos direitos civis e políticos — incluindo a não defesa das liberdades fundamentais e a independência das instituições-chave — pode acentuar o declínio dos direitos econômicos e sociais”. O vice-secretário-executivo da MUD concorda com a chilena. Segundo ele, o desprezo pelos direitos civis se traduz na escassez de remédios e de alimentos, “produto de uma política econômica perversa, desenhada com o propósito de favorecer apenas uma parte da população, afiliada politicamente ao governo, em detrimento de  minorias”.

 

Frases

“O regime usurpador não apenas queima a ajuda humanitária de que necessita nosso país. Também pretende expulsar aqueles que nos apoiaram com comida e com medicamentos”

“O único non grato na Venezuela, na região, no mundo (…), senhores usurpadores, os únicos non gratos são vocês neste país. Estão ameaçando quem ajuda o país”

Juan Guaidó, presidente autodeclarado da Venezuela, durante discurso na Assembleia Nacional (foto)

 

Prisão de jornalista americano

O jornalista norte-americano Cody Weddle, colaborador de vários meios de comunicação dos Estados Unidos, e seu ajudante venezuelano Carlos Camacho foram detidos, em Caracas, por membros do serviço de Inteligência militar. “Sabemos que, na parte da manhã, a Direção de Contra-Inteligência militar chegou à sua residência para realizar buscas e o questionou sobre a cobertura que fez (em 23 de fevereiro) na fronteira”, infirmou o diretor da ONG Espaço Público, Carlos Correa. A fracassada tentativa de fazer entrar na Venezuela ajuda internacional em 23 de fevereiro resultou em intensos distúrbios nas fronteiras da Venezuela com a Colômbia e com o Brasil, que causaram sete mortes e cerca de 300 feridos. “Nossos advogados estão tentando localizá-lo para lhe oferecer assistência legal”, acrescentou, temendo que se seu caso seja levado a um tribunal militar. Weddle vive na Venezuela há alguns anos, onde é colaborador com das TVs ABC e CBC e do jornal The Miami Herald. O governo dos Estados Unidos exigiu a libertação imediata do jornalista.

 

Eu acho...

“Guaidó demonstrou ter uma liderança responsável ante a grave situação enfrentada pela Venezuela. Ele tem se mostrado cauteloso, porém firme em suas propostas, com o fim de reinstitucionalizar o país pela via pacífica, democrática e eleitoral. Maduro não apenas perdeu apoio popular, como também fracassou em sua política econômica, a qual produziu a maior das crises sociais de toda a história da Venezuela.”

Ramon José Medina, vice-secretário-executivo da Mesa de Unidade Democrática (MUD)