Correio braziliense, n. 20375, 04/03/2019. Política, p. 3
Sindicatos em pé de guerra
Vera Batista
04/03/2019
Entidades sindicais e advogados trabalhistas reagiram à Medida Provisória nº 873/2019, baixada na última sexta-feira, que proíbe o desconto em folha da contribuição sindical. A MP altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei 8.112/1990, dos servidores da União. Por se sentiram atacadas, prometem resistência ainda maior à reforma da Previdência, principal proposta da atual gestão para economizar R$ 1,1 trilhão em 10 anos. Para os representantes dos trabalhadores, a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro tenta dizimar as organizações civis, com a extinção do financiamento sindical. A MP vai provocar manifestações, protestos e uma enxurrada de ações judiciais. Um ato contra a medida foi marcado para 22 de março.
A MP reforça que a contribuição sindical não é obrigatória (medida prevista na reforma trabalhista) e torna nula a compulsoriedade do recolhimento pelos empregadores, mesmo referendada em negociação coletiva. Para empregados que “prévia e expressamente” autorizarem o desconto, o pagamento será feito exclusivamente por boleto bancário e não mais por desconto em folha, entre outras alterações. No mesmo dia da publicação, a Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF).
“É uma inconsequência social mastodôntica. Sem querer, o governo fez o milagre da união das entidades sindicais. Fomos unânimes no entendimento de tentativa de dizimar os sindicatos, estancando o pagamento das contribuições mensais”, afirmou Antônio Carlos Fernandes Júnior, presidente da Conacate. Para o advogado autor da ação, Cláudio Farag, o novo modelo “cria uma guerrilha na administração das associações”. “É um ‘blitzkrieg’, tática militar de ataques rápidos e de surpresa, com o intuito de evitar que os inimigos tenham tempo de defesa. No momento em que as associações se organizam para debater a reforma da Previdência, que regride direitos sociais, tem-se um ataque à sua fonte de financiamento”, afirmou.
Em todo o país, sindicatos, associações, federações e centrais se organizam para entrar com ações alegando a inconstitucionalidade da MP e reforçar as estratégias contra a reforma da Previdência. O Ministério da Economia não quis se manifestar. A Casa Civil informou que “urgência e relevância são juízos políticos e a MP se justifica para pacificar decisões judiciais, pois algumas sentenças e negociações coletivas vêm contrariando a reforma trabalhista”.
Impacto
O advogado Cláudio Farag contabilizou a contribuição associativa dos cerca de 1,1 milhão de servidores, com base no salário. “A menor taxa é de R$ 10 mensais, e o custo médio do boleto cobrado pelos bancos, também de R$ 10. Se multiplicarmos, veremos que, em 12 meses, o rombo dos sindicatos, em benefício dos bancos, é superior aos R$ 100 milhões”. Ele disse, ainda, que haverá o custo da burocracia, quando o governo prega a desburocratização. “O desconto era facilmente feito em folha. Agora, as entidades terão que contratar escritório de contabilidade, organizar os filiados espalhados pelo país, avisar a todos sobre a mudança e cobrar em 10 dias.”
Em abril, os sindicatos ficarão sem o dinheiro. “A folha de pagamento fecha dia 20. Não é possível acionar todos em tão pouco tempo. E quem ganha pouco não vai bancar mais R$ 10 de boleto. O governo fez uma perversidade e não explicou o porquê da urgência da MP às portas do carnaval”, alega Farag. A primeira a reagir foi a Força Sindical. Em nota de repúdio, disse “não ao AI-5 Sindical” (alusão ao AI-5 da ditadura militar). “Diante de tais ilicitudes, nossa entidade está, em caráter de urgência, estudando as medidas e estratégias jurídicas a perante o STF”.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) apontou o objetivo de interferência “na organização sindical, o que viola as Convenções Internacionais da OIT de n.º 99 e 151”. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) afirmou que sempre esteve à disposição do governo. Porém, diante a MP 873/2018, vai buscar “tutela do Judiciário e medidas cabíveis para proteger seus representados”. Para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o governo se contradiz ao atacar a prevalência do negociado sobre o legislado, defendida na reforma trabalhista. “Somente a luta nas ruas e a pressão no Congresso evitarão a aprovação da reforma da Previdência e dessa MP que tenta aniquilar as entidades sindicais. A luta já começou e está com ação nacional marcada para 22 de março”, destacou a CUT.
R$ 100 milhões
Prejuízo anual que os sindicatospoderão ter com a medida do governo, segundo advogados