Título: As coisas ruins têm que vir a público
Autor: Mascarenhas, Gabriel ; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 06/09/2012, Política, p. 4

Ao deixar o CNJ, a ex-corregedora diz ao Correio que está convencida de que o julgamento do mensalão vai mostrar ao país uma Justiça cada vez mais desatrelada do poder

No último dia de expediente na função de corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon teve tempo para reafirmar cada uma das suas convicções a respeito da magistratura brasileira. Reiterou a necessidade de desmistificar a imagem de "semideuses" dos juízes da mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal, falou sobre a polêmica expressão "bandidos de toga" e disse que a missão do STF no julgamento do mensalão é mostrar como se faz Justiça, assim, com letra maiúscula. Em entrevista exclusiva ao Correio, a ministra não poupou críticas sequer ao CNJ: "O colegiado é tímido, não está aberto às mudanças". Aproveitou para dizer que não pretende ser advogada e, muito menos, concorrer a algum cargo eletivo."Quem doou quer o quê? Minha alma? Essa eu não dou".

A senhora se arrepende de algo da sua gestão? Valeu a pena ter dito que há bandidos de toga? Não me arrependo de nada. Valeu, sim. Hoje, grande parte da magistratura tem a exata medida de compreensão das minhas palavras.

E o CNJ ainda tem muito a evoluir para combater irregularidades no Judiciário? O colegiado é tímido, não está aberto às mudanças. O corporativismo é muito forte, penetrante. Vai e volta. É derrotado, mas consegue vitórias. Temos que estar muito atentos evitar que o CNJ seja um arremedo do que é a Justiça piorada.

Se há tantos bandidos de toga, por que surgem mais escândalos no Legislativo e no Executivo do que no Judiciário? Esses dois poderes têm mais visibilidade. E, no Judiciário, há um pouco menos de corrupção, pois trabalha com pouco dinheiro, e as pessoas são selecionadas em concursos. Corrupção no Judiciário é provocada por falta de gestão e fiscalização, porque essas corregedorias locais não fiscalizam coisa alguma. Então, magistrado com 25 anos é lançado numa comarca e ganha uma autoridade sem saber ser autoridade. E, muitas vezes, é cooptado por amigos infiéis, entre aspas.

Ficou alguma rusga com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso? Não. Sempre o tratei como ministro do Supremo Tribunal Federal e, da mesma forma, ele sempre me recebeu muito bem. A cabeça dele é diferente da minha. Como é um juiz voltado para o passado, na cabeça dele, sou abominável. Ele quer uma magistratura austera, calada, discreta. Eu quero que seja indiscreta em relação aos seus feitos. As coisas ruins da instituição têm de vir a público, porque é ao público que devemos satisfação.

De que forma vai continuar colaborando com a evolução do Judiciário? Ontem (terça-feira), fui eleita diretora da Escola Nacional de Formação de Magistrados. Precisamos formar magistrados que tenham responsabilidade por coisas que a magistratura não pensa, como a gestão. Não me interessa um juiz que fala três idiomas e faz uma sentença em 30 páginas. O que me interessa é que ele saiba gerir, se comportar como agente público e que ele aprenda a Constituição de 1988.

Quais os planos da senhora, depois de se aposentar no Superior Tribunal de Justiça, daqui a dois anos? Não serei política. Não me acho apta para passar por um processo eleitoral, inclusive, colocando em risco meu patrimônio. Gasta-se muito em eleição.

Não aceitaria doações? A questão é a seguinte: quem ia ser meu dono. (A pessoa) doa, eu aceito, e não ponho em risco meu patrimônio. Mas quem doou quer o quê? A alma de Eliana Calmon? Essa eu não dou. Também descarto ser advogada. Não tenho mais idade para ser advogada de balcão, acompanhar o funcionamento do fórum, pedir para juiz marcar audiências. Também não faria advocacia de lobby, porque acho que ninguém ia me contratar, ia? Você me contrataria? (risos)

Como a senhora enxerga o impacto do julgamento do mensalão para a imagem do Judiciário? Chegou a vez da abertura do Poder Judiciário. A TV Justiça é um negócio fantástico. A gente está vendo as entranhas. Por exemplo, vemos que ministros do STF, que estavam no Olimpo, quase semideuses, são de carne e osso: brigam, fazem baixarias, têm iras, ódios, afetos, choram, sentem dor na coluna, acusam golpes... Desmistificou. Isso é fantástico!

O STF de hoje é diferente de tempos atrás? Completamente. STF sempre foi um tribunal alinhado com o poder. O que desatrelou o Judiciário do poder foi a Constituição de 1988. No passado, era um modelo criado para um país atrasado, de elites, patrimonialista, em que o Judiciário era chancelador das safadezas todas.

Qual a missão do STF no julgamento do mensalão? Dizer para que serve a Justiça

A segurança dos juízes ainda é um grande problema. Como reverter esse quadro? O mais importante para a segurança do juiz é o serviço de inteligência. Todos os atentados contra magistrados foram detectados pelo serviço de inteligência. No caso da Patrícia Acioli (assassinada em Niterói por policiais em agosto do ano passado), a inteligência da Polícia Federal acusou, mas não acreditaram.

O que é mais viável extirpar: os bandidos de toga ou as execuções de magistrados? A gente vai acabar com as execuções. Bandido de toga vai demorar. O filão é bom, tem muita gente enriquecendo.