Recorte capturado

PLANETA EM RISCO

SIMONE KAFRUNI

 

Como não é matéria, o fogo não tem um estado físico, mas mistura calor e luz, duas fontes de energia. No Brasil, a produção e o consumo de energia representam 19% do total de mais de 2,2 bilhões de toneladas de carbono equivalente (CO2e) emitidos pelo Brasil por ano na atmosfera. O país é o 13° no ranking global de emissão, com 1,4% do total. O uso de combustíveis fósseis nos transportes e na indústria e a geração de eletricidade são as atividades que mais lançam gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Na última reportagem da série sobre sustentabilidade, o Correio aborda os desafios e as iniciativas para gerar e usar energia sem comprometer o futuro do planeta.

Apesar dos dados serem preocupantes, o Brasil tem uma localização geográfica privilegiada e poderia mitigar de forma quase completa as emissões causadas pelo uso e geração de energia. Além de ter umas das matrizes energéticas mais limpas, com alto aproveitamento hidrelétrico, o país tem vento e insolação suficientes para aproveitar essas fontes renováveis e se livrar de vez dos combustíveis fósseis. Pioneiro na produção de etanol de cana-de-açúcar, o país também está prestes a dar o devido valor ao biocombustível.

 

Potencial

O presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, Rodrigo Sauaia, explica que a matriz energética brasileira é variada, mas o maior potencial é da energia solar, que poderia atingir 28 mil gigawatts (GW), se todas as melhores áreas do país fossem aproveitadas. “Isso representa 178 vezes a matriz elétrica brasileira, de 160 GW. Se for usada só a área construída, ou seja, os telhados de residências, a energia solar produziria 164 GW”, contabiliza.

O avanço da tecnologia, no entanto, depende da redução dos custos dos equipamentos, o que vem ocorrendo gradativamente — hoje, o valor é 17% do que era em 2010. “A energia solar fotovoltaica é a segunda mais barata do Brasil”, destaca Sauaia.

Infelizmente, segundo o dirigente, o Brasil está 15 anos atrasado. “O Proinfa, programa de incentivo a fontes alternativas, deixou de fora a energia solar, incluindo apenas eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa. Isso atrasou o desenvolvimento dessa fonte”, lamenta. Por outro lado, o consumidor não paga um centavo de incentivo para a energia solar, que tem outro tipo de estímulo: desconto no uso da linha de transmissão. “Mas é a que menos usa os linhões, porque, em geral, a produção fica próxima do consumo”, sustenta.

Sauaia assinala que,  se a mesma área de Itaipu fosse usada com placas fotovoltaicas, a usina produziria duas vezes mais. “A tecnologia não emite gases poluentes. Não usa água para produzir, o que alivia os reservatórios e evita o impacto ambiental de alagamento causado pelas hidrelétricas. Não competimos com o uso múltiplo da água. Bastaria uma área do tamanho do município de Salvador para abastecer todo o país”, observa.

A mudança começou nas grandes empresas. Maior geradora privada de energia do Brasil, com capacidade instalada de 10 mil megawatts (MW), a Engie se antecipou à transição energética e está investindo em fontes renováveis. No segmento eólico, são 539 MW de capacidade instalada.

Outra aposta da empresa é na energia solar. A Engie tem duas usinas: a Solar Cidade Azul, em Tubarão (SC), com 3 MWp (megawatts pico), e a Central Fotovoltaica Assu V, no Rio Grande do Norte, com capacidade instalada de 30 MWp. “Com essa usina ampliamos nossa experiência no setor fotovoltaico e consolidamos nossa entrada definitiva na geração solar centralizada”, diz o presidente da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini.

 

Biocombustíveis

Um dos grandes desafios para o cumprimento dos compromissos internacionais que o país assumiu, segundo Marcelo Augusto Boechat Morandi, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, é reduzir as emissões do setor energético. “O petróleo é a principal fonte primária da matriz energética brasileira, representando 39% de toda a energia ofertada e 71% das emissões de GEE do setor (em 2014)”, diz. Outras importantes fontes de energia de origem fóssil são o gás natural e o carvão mineral, que respondem por 17% e 6% do total de emissões de GEE, respectivamente.

A mudança das fontes de energia tem sido um desafio para pesquisadores e para a ciência, diz João Ricardo Almeida, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia. “A sociedade é baseada no fóssil, responsável pela poluição do ar e emissões, mas há muitas alternativas”, afirma. A biomassa é uma delas, apesar de provocar queima para gerar energia, utilizando bagaço de cana. “Quando o vegetal está crescendo absorve o CO2. Isso não acontece com combustíveis fósseis”, explica.

Como a queima é o processo mais simples, é difícil provocar a mudança de paradigma, sobretudo, na indústria, detalha o especialista. “Porém, além da troca de fonte ser viável, já é possível fazer uma desconstrução dos resíduos de biomassa para a fabricação de outros produtos, como plástico, evitando o uso de derivados de petróleo. Dá para usar todo o componente da biomassa e gerar a menor quantidade de resíduos”, afirma Almeida.

Em países da Europa, a produção de energia atingiu níveis de excelência, com o uso de biogás de lixo, diminuindo os resíduos e o impacto ambiental. O que sobra é usado como fertilizante. No Brasil, no entanto, foi desenvolvida uma tecnologia entre as melhores do mundo, mas é pouco usada, diz Almeida. “O etanol de cana, sob o ponto de vista energético, está entre os melhores biocombustíveis do mundo, porque a matéria-prima de baixo custo, com alta eficiência.”

 

Carbono

Com a aprovação do RenovaBio, os biocombustíveis passarão a ter o tratamento que merecem no Brasil. Miguel Novato, diretor de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), assinala que o programa é a “primeira máquina nacional do mundo em captura de carbono”. A lei foi aprovada em 2017 e começa a funcionar em 2020. “Estamos certificando as usinas de biocombustíveis, seja quais forem — biogás, biodiesel, etanol, biogás de lixo, etanol de milho — para construir uma estrutura financeira e pagar pelo carbono retido”, explica.

Na prática, funciona assim: quanto menos a cadeia usar combustíveis fósseis e quanto mais capturar carbono no processo, mais créditos ganha. Quem produz e comercializa combustíveis fósseis, ao contrário, precisa comprar esses créditos, que serão negociados em bolsa.

“Diferentemente de energia solar ou eólica, no ciclo de vida, as plantas conseguem transformar o carbono em oxigênio por meio da fotossíntese. Então, um carro a etanol é mais ecológico do que o elétrico, a depender de como foi gerada a energia que abastece o elétrico”, compara Novato. A partir do RenovaBio, a estimativa do especialista é tirar 600 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera até 2029. “Vamos criar um mercado no qual quem emitir CO2 precisará compensar e transferir essa compensação para as empresas que trabalham na retenção do gás”, afirma.