Título: Código a um passo de caducar
Autor: Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 06/09/2012, Política, p. 7
Bancada do agronegócio radicaliza e nega quórum para votar MP da lei florestal. Ao governo, só resta uma chance
A bancada ruralista impôs nova derrota ao governo, ontem, ao impedir o quórum para a votação da medida provisória que trata do Código Florestal, no plenário da Câmara. Diante do impasse entre o Palácio do Planalto e os ruralistas sobre o texto da medida, oito partidos anunciaram obstrução na sessão de ontem, orientando suas bancadas a não registrar presença no plenário. Com a manobra, o painel do plenário passou a listar apenas 170 deputados, quando seriam necessários, ao menos, 257 para iniciar a votação.
"Não há uma solução para o momento", reconhece o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Sem a votação que estava prevista para ontem, cresce o risco de a MP caducar, uma vez que a vigência do texto acaba em 8 de outubro e só há previsão de trabalhos no Senado para a próxima semana. O governo ainda tentará uma última solução para impedir a perda de validade da medida, estendendo as negociações com os ruralistas até a semana do dia 18 — quando está previsto o próximo esforço concentrado da Câmara — e, se aprovado o texto, mudar o calendário de votações do Senado, de forma a abrir uma semana de votações adicional.
O impasse entre governo e ruralistas gira em torno da chamada "escadinha", escala proposta pelo governo para elevar a extensão das matas ciliares que devem ser preservadas ou recompostas, de acordo com o tamanho das propriedades (veja no quadro). A comissão mista especial criada para analisar a MP flexibilizou as regras para essas áreas de preservação, em um suposto acordo que foi desautorizado pelo Palácio do Planalto. Com a sinalização de um possível veto presidencial às modificações feitas no texto da medida, o debate se acirrou e os ruralistas passaram a exigir um compromisso da presidente de não vetar o que fosse aprovado pelo Congresso.
"Uma simples manifestação de um interlocutor qualificado do governo, como o líder (na Câmara) Arlindo Chinaglia (PT-SP) nos basta. Vamos supor que ele é uma pessoa que cumpre acordo", disse o presidente da Frente Parlamentar Ruralista, Homero Pereira (PSD-MT). "É uma exigência descabida. A presidente tem a prerrogativa de vetar ou não o texto de acordo com o que ela entender melhor", criticou o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP).
APPs De acordo com o especialista em direito ambiental e procurador da Fazenda Nacional Luís Moraes, a possível queda da MP teria como principal consequência mais poder para os governos estaduais definirem as regras para as áreas de preservação permanente (APPs) nas margens dos rios e, por tabela, menor poder para o governo federal interferir nesse processo.
Isso porque o texto da medida serve, justamente, para complementar o Código Florestal sancionado em maio deste ano, cujo artigo que definia os parâmetros dos programas de regularização ambiental (PRAs) acabou sendo vetado pela presidente Dilma. Sem um norte do governo federal, cada estado teria maior liberdade para definir as regras de acordo com seus interesses, diz o especialista. "Sem a MP, essa discussão vai ficar para os estados. Se forem mais ruralistas, serão regras mais brandas. Se forem mais ambientalistas, as normas terão perfil mais rígido", explicou Moraes.
A "escadinha" da discórdia A MP enviada ao Congresso cria uma escala que define a área a ser preservada ou recomposta nas margens dos rios de acordo com o tamanho do imóvel rural.
Propriedades pequenas (até 4 módulos fiscais)
» Como quer o governo – Seja qual for a largura do rio, propriedades com até 1 módulo fiscal ficam obrigadas a recompor 5 metros de mata nas margens. Entre 1 e 2 módulos fiscais, a faixa de recomposição é de 8m. Entre dois e quatro módulos fiscais, recompõem 15m de mata.
» Como ficou na comissão – Igual ao original
Propriedades de médio porte (4 a 15 módulos fiscais)
» Como quer o governo – Área recomposta de 20m ao longo dos rios com até 10m de largura. Acima de 10m de largura, a mata ciliar deve ser equivalente à metade da largura do rio, em uma faixa de, no máximo, 100m de extensão.
» Como ficou na comissão – Propriedades de 4 a 15 módulos são obrigadas a recompor 15m de mata nas margens dos rios
Propriedades de grande porte (acima de 15 módulos fiscais)
» Como quer o governo – São obrigadas a recompor ou manter a mata ciliar equivalente à metade da largura do rio, numa faixa de, no mínimo, 30m e, no máximo, 100m de extensão.
» Como ficou na comissão – a faixa mínima de recuperação de 20m. Os estados definirão de forma independente as extensões da mata ciliar preservada ou recuperada