Valor econômico, v.19, n.4557, 31/07/2018. Brasil, p. A6

 

Programa espacial quer satélite óptico e ganha novo status

Andrea Jubé

31/07/2018

 

 

O Ministério da Defesa apresenta amanhã o novo modelo de governança do programa estratégico de sistemas espaciais, que tem como prioridades a exploração comercial da base de lançamento de Alcântara, prevista para 2019, e o lançamento de um satélite óptico, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 2021. O ministro da Defesa, general Silva e Luna, esclarece que o acordo entre Boeing e Embraer não interfere na participação da empresa brasileira nos projetos da área espacial.

Com programas dispersos no âmbito da Força Aérea Brasileira (FAB), e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Comunicações, que abriga a Agência Espacial Brasileira, a nova governança imprime status ministerial às ações da Aeronáutica na área espacial. Além de ganhar visibilidade, a ideia é otimizar a gestão orçamentária do programa de sistemas espaciais, que passará de uma ação de governo para uma ação de Estado, com o objetivo de impulsionar produtos como o desenvolvimento de lançadores de satélites, a consolidação da base de Alcântara, e a fabricação de satélites nacionais de uso dual (civil e militar).

"O próximo passo [a partir da nova governança] é criar condições para que possamos explorar melhor o centro de lançamento de Alcântara", disse ao Valor o ministro Silva e Luna. Para isso, é preciso aguardar a finalização do acordo de salvaguarda tecnológica com os Estados Unidos, que na sequência, deve ser avalizado pelo Congresso Nacional.

Com a infraestrutura pronta para o lançamento de microssatélites, e a devida atualização dos protocolos de segurança, o governo estima arrecadar cerca de R$ 260 milhões ao ano com o aluguel do centro de lançamento a empresas estrangeiras. Sob o novo modelo de gestão, a expectativa é avançar na construção de mais sítios de lançamento, de modo a duplicar ou triplicar a arrecadação.

"O programa [de sistemas espaciais] tem mais de 20 anos e está avançando, hoje temos um satélite no ar, agora vamos juntar as pontas que estavam soltas e precisavam de uma coordenação", justifica o ministro. "Com uma governança única da área do espaço, teremos economia de escala e concentração de necessidades", emenda o brigadeiro Luiz Fernando de Aguiar, presidente da comissão de coordenação de sistemas espaciais.

Enquanto o governo aguarda a devolução do acordo de salvaguarda pelo governo americano, o Ministério da Defesa está trabalhando no desenvolvimento da empresa Alada, que será responsável pela exploração comercial da base. Em outra frente, para o ano que vem, está programado um teste de lançamento dos motores do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM).

Segundo o brigadeiro Aguiar, existe um "mercado borbulhando do pequeno e médio satélite", que a estrutura da base de Alcântara pode recepcionar. Trata-se de um centro de lançamento "virgem", com posição geoestratégica vantajosa, sem fila de espera e com baixa densidade demográfica. Com a proximidade da linha do Equador, aproveita-se o giro da Terra para economizar combustível. "A gravidade é menor, é como se você precisasse subir uma ladeira, e já começasse quase no topo", explica Aguiar.

Empresas americanas e de Israel já visitaram as instalações de Alcântara. Um exemplo de uma potencial interessada é a SpaceX (Space Exploration Holdings), que construirá uma rede global de internet de alta velocidade usando satélites. Mas para lançar 800 satélites, eles precisam acelerar a fila, porque lançarão 40 de uma vez. A Defesa nega tratativas com a empresa, mas a apresenta como exemplo.

Na América Latina, o único centro de lançamento que concorre com Alcântara em termos geográficos é Kourou, na Guiana Francesa, de onde foi lançado o satélite geoestacionário no ano passado. "Eles estão preocupados porque vamos fazer concorrência", diz Silva e Luna.

O brigadeiro lembra que não existem mais resquícios da tragédia de 2003, que matou 21 técnicos que operavam o lançamento de um satélite. Na ocasião, o carregamento do foguete era feito com homens próximos ao lançamento, mas nesses últimos 15 anos, com a atualização dos protocolos de segurança, os técnicos agora operam de um bunker afastado.

Em outra frente, o ministro da Defesa diz que o objetivo do programa é "dominar todas as fases de criação de um satélite, do início até o lançamento". Em maio do ano passado, o governo lançou o primeiro satélite geoestacionário, fabricado na Europa, mas totalmente controlado pelo Brasil.

Esse controle é feito pela empresa Visiona, formada pela Embraer (51%) e pela Telebrás (49%). Nesse ponto, o ministro esclarece que o acordo entre Boeing e Embraer, anunciado no início do mês, não afetará os projetos na área espacial. Observa que a Visiona faz parte da Embraer Defesa, que ficou 100% com o Brasil, uma condição imposta pelo governo brasileiro para a concretização do negócio.

O satélite é considerado um "marco" dessa nova concepção de governança, que prioriza a tecnologia "dual", de uso militar e civil. Neste caso, o artefato permite o monitoramento das fronteiras, ao mesmo tempo em que leva banda larga de internet para regiões remotas do país. Depois da instalação de antenas e cabos de fibra ótica em Pacaraima, em Roraima, os próximo destinos serão municípios do Piauí.

No ano que vem, o governo vai divulgar os requisitos de refinamento do primeiro satélite óptico, que a Defesa desenvolve em parceria com a Embrapa. Após essa etapa, será lançada a licitação. Assim como o geoestacionário, o satélite óptico não será fabricado no Brasil, mas também será controlado no país. A expectativa é de que seja lançado de Alcântara, em 2021, porque é menor que o geoestacionário.

O brigadeiro Aguiar queixa-se do atraso tecnológico do Brasil, que na corrida espacial, entre os vizinhos da América Latina, aparece atrás do Peru, e até mesmo da Bolívia. Como exemplo dessa defasagem, cita o laboratório de integração de satélites em São José dos Campos, que está ocioso, e vem sendo utilizado para testes de interferência eletromagnética em ônibus e carros! "Esse é o Brasil", lamenta.