O globo, n. 31286, 04/04/2019. Economia, p. 17

 

Reforma apartidária

Manoel Ventura

Marcello Corrêa

04/04/2019

 

 

Na Câmara, Guedes afirma que Previdência está condenada, não importa o governo

Acompanhado do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de assessores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi ontem à Comissão de Constituição e Justiça( CC J) defendera reformada Previdência. Numa audiência pública longa, recheada de tensões, Guedes defendeu que o sistema de aposentadorias está quebrado e precisa ser tratado de forma apartidária. Alvo de ataques da oposição, que o acusou de prejudicar os trabalhadores mais pobres na proposta, Guedes citou números par amostrar que o maior impacto, proporcionalmente, será sobre o serviço público, onde estão os maiores salários e os maiores desequilíbrios. A sessão durou mais de seis horas e foi encerrada depois de uma confusão entre Guedes e deputados.

— Ano passado, gastamos R $700 bilhões coma Previdência, que éon osso passado, e gastamos R$ 70 bilhões com educação, que é o futuro. Gastamos dez vezes mais com a Previdência que com o futuro — disse — Tenha a coloração que tiver, o sistema está condenado. Independentemente de quem esteja no governo, esse problema está se impondo.

Segundo Guedes, a economia para os cofres públicos com as mudanças sugeridas terá impacto maior sobre os servidores do que sobre trabalhadores do setor privado:

—São 71 milhões de pessoas no regime geral. A contribuição de cada um em dez anos é de R$ 9 mil. Na hora que pega o servidor, ele contribui com R$ 140 mil. (...) Os 83% dos brasileiros que ganham até dois salários mínimos estão contribuindo menos.

Guedes disse que os militares, que terão as aposentadorias modificadas por projeto de lei que vai tramitar em paralelo à reforma dos civis, vão contribuir com economia de R$ 181 mil num período de dez anos. A conta, porém, não leva em consideração o impacto da reestruturação das carreiras das Forças Armadas, que trará aumento de gastos. No total, o governo espera economizar R $1 trilhão coma reforma.

O ministro voltou a dizer que a Previdência é fábrica de desigualdades. Ele comparou a aposentadoria do INSS à dos servidores do Legislativo:

— A aposentadoria média (na Câmara) é 20 vezes a aposentadoria média do INSS. A aposentadoria do INSS é R$1.300. A aposentadoria média nesse ambiente é de R$ 28 mil. A nossa reforma tenta endereçar esses problemas.

Tensão e bate-boca

Ao ser perguntado sobre a idade mínima de aposentadoria, de 65 anos para homem e 62 anos para mulher, o ministro disseque a proposta ataca privilégios e que os mais pobres se aposentam mais tarde:

— Passou para 62 (na proposta), você não atingiu (os mais pobres ). Você atingiu justamente amoça de classe média alta que fez concurso público nova, nunca ficou desempregada, contribuiu avida inteira e se aposenta aos 55,56. Essa vai ter que trabalhar mais se teano sevai contribuir mais.

O ministro explicou a decisão de propor mudanças na aposentadoria rural e no pagamento de benefícios assistenciais a idosos de baixa renda (o BPC). Segundo ele, no campo, o objetivo é combater fraudes:

— Aposentados rurais são 30% do regime geral da Previdência, mas têm 60% do buraco e são 16% da população.

Guedes disse que o governo sabe que a mudança no BPC é um ponto sensível:

—Está muito claro para nós que o BPC é matéria sensível. Acho que o papel da democracia é esse mesmo. A coisa entra, o Congresso reage. Está ficando muito claro que isso aí é um problema. Quando apareceu 70 anos, levei um susto.

O plano do governo é garantir um benefício de R$400 a quem chega aos 60 anos em condições de pobreza. Em contrapartida, só teriam direito ao mínimo aos 70 anos. Hoje,os idosos carentes têm direito a um salário mínimo aos 65 anos. O governo aval iaque não é possível pagar o mesmo para quem contribuiu à Previdência e quem só vai receber o benefício assistencial.

Em vários momentos, Guedes se irritou com as interrupções de deputados da oposição, de partidos como PT e PSOL, que se opõem ou têm restrição a pontos da proposta. Dirigindo-se a estes partidos, os acusou de serem “especialistas em fake news” e de não terem agido nas últimas décadas para corrigir injustiças tributárias e previdenciárias:

— Vocês estão há quatro mandatos (no poder)! Por que não cobraram impostos sobre dividendos? Vocês estiveram 18 anos no pode renão tiveram coragem de mudar, não cortaram nada.

Guedes jogou para os deputados a responsabilidade de avaliara proposta e, diante de críticas, indagou o motivo de não cortarem a aposentadoria dos militares:

— Vocês são o Congresso Nacional. Vocês tem medo?

Em mais um momento de tensão e bate-boca, Guedes disse que quem não reconhece a necessidade da reforma precisa ser internado:

—Quem achaque não é necessária? É caso de internar.

Os deputados da oposição concentraram as primeiras falas por causa do regimento da Câmara. Têm direito ase manifestar primeiro o sautores do requerimento para convidar o ministro, e ele foi apresentado pela oposição. Deputados alinhados com o governo buscaram, então, demonstrar apoio, mas pouco interferiram nos embates coma oposição.

—Quero parabenizar o senhor pela articulação política que tem feito, conversando com diversos parlamentares — disse o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).

Retomada dos trabalhos

A sessão na CCJ acabou antes da hora após mais confusão. O deputado Zeca Dirceu (PTPR), filho do ex-ministro José Dirceu, disse que Guedes agia como “tigrão” para mexer no direito de trabalhadores, mas como “tchutchuca” para alterar regras para o sistema financeiro. Guedes se ofendeu e respondeu, fora do microfone:

—Tchutchuca é a mãe, é a avó, respeita as pessoas. (...) Isso é ofensa. Se você não me respeita, não merece respeito.

Foi quando começou uma confusão entre os deputados, e Guedes saiu acompanhado por seguranças.

Depois do embate coma oposição, o trabalho para a reforma recomeça hoje com um encontro do presidente Jair Bolsonaro e lideranças dos partidos. Em Israel, antes da volta, ele disse que vai “jogar pesado” pela aprovação da reforma. (Colaborou Marcelo Ninio, especial para O GLOBO)

“Ano passado, gastamos R$ 700 bilhões com a Previdência, que é o nosso passado, e R$ 70 bilhões com educação, que é o futuro”

“Tenha a coloração que tiver, o sistema está condenado. Independentemente de quem esteja no governo, esse problema está se impondo”

“São 71 milhões de pessoas no regime geral. A contribuição de cada um em dez anos é de R$ 9 mil. Na hora que pega o servidor, ele contribui com R$ 140 mil”

“A aposentadoria média (na Câmara) é 20 vezes a aposentadoria média do INSS. A do INSS é R$ 1.300. Nesse ambiente (Congresso) é de R$ 28 mil”

“Por que vocês não cortaram a aposentadoria dos militares? Cortem vocês. Vocês são o Congresso Nacional. Vocês têm medo?”

Paulo Guedes, ministro da Economia

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Na capitalização, União garante pagamento mínimo com complementação

04/04/2019

 

 

Em vários momentos da audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu o sistema de capitalização, pelo qual cada cidadão contribui para sua própria aposentadoria. Segundo ele, a proposta “abre aporta” para um regime diferente às gerações futuras.

—O sistema de capitalização não tem bomba demográfica, não tem abomba de não levar recursos para o futuro, não tem essas desigualdades. (...) Do ponto de vista técnico, o sistema de capitalização bota o país para crescer — afirmou.

Segundo o ministro, é possível criar inclusive um Imposto de Renda negativo. Na prática, seria um aforma de complementara renda de quem não atingir o salário mínimo. No exemplo dado por Guedes, um trabalhador que tivesse acumulado uma poupança suficiente para receber um benefício de R$ 750 teria direito a uma transferência do governo de R$ 250, considerando um salário mínimo de R$ 1 mil.

Isso ocorreria em um sistema conhecido como capitalização nocional, em que as contribuições a olongo da vidado trabalhador servem como referência para calcular o valor do benefício. A diferença em relação à capitalização tradicional é que os recursos continuam sendo aportados num caixa único, co mona repartição.

Guedes deixou claro, no entanto, que, se a reforma não tivera“potência fiscal” de economizar R$1trilhão, conforme previsto, não haverá o lançamento do novo sistema:

—Se não temos coragem de equacionar isso, se preferem que filhos e netos sofram o mesmo problema que o Rio, pois alguns estados já não conseguem pagar salário, aí não lanço a capitalização.

Guedes garantiu que o sistema não será regido por bancos. E defendeu que, num momento inicial, a contribuição seja só do trabalhador .