Valor econômico, v.19, n.4557, 31/07/2018. Empresas, p. B6

 

Livro falado em versão ilimitada 

Rodrigo Carro

31/07/2018

 

 

Modelo de negócios que está renovando a indústria fonográfica, a assinatura fixa para serviços de streaming (transmissão de conteúdo num fluxo contínuo e instantâneo) está alavancando também o mercado de livros falados. Em pouco menos de quatro anos, a startup brasileira Ubook viu seu catálogo de audiolivros crescer de cerca de 500 para 15 mil títulos. Agora, a empresa prepara uma expansão internacional. A meta é estar presente em pelo menos 12 países até o fim do ano, por meio de acordos com companhias de mídia locais.

Além da internacionalização, a estratégia de crescimento inclui a produção de conteúdo original (voltado inicialmente para participantes do Exame Nacional do Ensino Médio), a entrada de livros virtuais no catálogo e o lançamento de um clube de assinaturas que combina livros físicos com e-books e audiolivros. Tanto os e-books como o clube têm lançamento previsto na Bienal Internacional do Livro, que ocorre em agosto.

Para chegar ao estágio atual, a empresa carioca recebeu cerca de R$ 8 milhões em aportes de investidores. A injeção mais recente de capital ocorreu em 2017. Foi de R$ 3,2 milhões, do fundo de investimentos Cypress M3. Numa rodada anterior, em 2015, a Ubook já havia recebido recursos do fundo Koolen & Partners, capitaneado pelo holandês Kees Koolen, ex-presidente da Booking.com.

Diferentemente da concorrente americana Audible, que pertence à Amazon, a Ubook optou por um modelo similar ao do Netflix e do Spotify, serviços de streaming em que o assinante tem acesso ilimitado a conteúdos de vídeo e áudio, respectivamente, mediante o pagamento de uma assinatura fixa mensal. No Audible, o usuário tem direito a uma ou duas obras por mês, dependendo do plano escolhido. Pode, também, optar por comprar obras independentemente de planos.

As diferenças entre as companhias vão além do modelo de negócios: a Audible tem um acervo muito maior, superior a 180 mil produtos, entre audiolivros e podcasts. "Nosso maior concorrente é a falta de hábito [do consumidor]", diz Eduardo Albano, diretor de conteúdo da Ubook, sobre a concorrência. Além da pouca intimidade dos brasileiros com o livro falado, a startup enfrentava até recentemente a desconfiança das editoras no país em relação ao formato. "As editoras não queriam assumir o risco. Muitas diziam: 'Eu até topo [lançar o audiolivro], mas não invisto na gravação'", conta Flávio Osso, presidente da Ubook. "A situação começou a se inverter em meados do ano passado, quando algumas editoras passaram a nos procurar."

Enquanto no exterior são comuns editoras que produzem e licenciam seus próprios audiobooks, no Brasil o livro falado é frequentemente gravado por terceiros - só a Ubook tem três estúdios de gravação e pretende fechar o ano com oito em funcionamento. Os cinco novos estúdios são necessários para ampliar a produção de conteúdo próprio. A produção da startup está em torno de 50 títulos por mês, mas a "fila" de livros esperando para ser gravados chega a quase dois mil obras.

Entre 30 e 50 títulos gravados por outras editoras são incorporados mensalmente ao catálogo da Ubook, que a partir de 2015 passou a captar conteúdo internacional (principalmente em espanhol e inglês). Como resultado dessa investida, a maior parte do catálogo da startup é de audiolivros em língua estrangeira. São 2,5 mil obras em português e cerca de 12,5 mil em outras línguas.

Parte do esforço para popularizar o formato inclui a gravação do conteúdo de jornais e revistas. No caso do jornal "O Globo", por exemplo, cada edição é enviada à Ubook até as 23h do dia anterior à publicação e precisa estar disponível até as 5h do dia seguinte.

Sócios na startup carioca desde o início, Flávio Osso e Eduardo Albano lembram com bom humor os conselhos que receberam na bienal do livro de 2013, no Rio de Janeiro, quando a Ubook se resumia a um projeto numa apresentação de PowerPoint. "Ouvimos mais de uma vez que aquilo [audiolivro] não dava dinheiro e que seria melhor investirmos em outro negócio", diverte-se Osso.