Correio braziliense, n. 20372, 01/03/2019. Política, p. 5

 

Contas de partidos no foco do MPF

Luiz Calcagno

Renato Souza

01/03/2019

 

 

Ministério Público Federal analisa adotar sistema eletrônico criado por um grupo, que detectou movimentações financeiras suspeitas de siglas com recursos do Fundo Partidário

As transações financeiras dos partidos políticos estão na mira do Ministério Público Federal (MPF). Principalmente, as movimentações internas, como o dinheiro repassado a candidatos, o contrato de empresas para a prestação de serviço e a relação monetária entre as legendas e suas fundações.

Para fazer essa varredura, o MPF pretende usar um sistema eletrônico criado pelo Movimento Transparência Partidária, que mapeia o caminho dos recursos provenientes do Fundo Partidário. Com o modelo, o grupo conseguiu detectar ações suspeitas envolvendo os recursos públicos. Em uma das análises realizadas, descobriu que, em 2018, um total de R$ 5 milhões da verba partidária foi gasto com prestadoras de serviço que pertencem às próprias lideranças das siglas. A mesma estratégia foi usada para identificar supostas candidaturas laranjas do PSL em diversos estados.

Em 15 de fevereiro, o cientista político, advogado e diretor executivo do grupo, Marcelo Issa, se reuniu com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para apresentar o trabalho e o sistema, que também deve colaborar com as ações de promotores das promotorias regionais eleitorais. O Transparência Partidária poderá treinar procuradores e subsidiar o MPF de informações sobre a movimentação financeira dos partidos. Com isso, será possível fazer diligências precisas para saber, por exemplo, se uma determinada gráfica citada na prestação de contas realmente existe e se forneceu o serviço discriminado.

O caso das fundações pertencentes a partidos é considerado o mais obscuro, pois não está incluso no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que faz a análise dessas contas. Por isso, Marcelo Issa pleiteia, agora, uma reunião com a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, para que as movimentações dessas entidades passem a ser incluídas no sistema do tribunal.

No ano passado, as fundações, no geral, receberam R$ 130,7 milhões, o equivalente a 19% do Fundo Partidário. Levantamentos do Transparência relacionados a períodos anteriores mostram inconsistência no uso desses recursos. “Estamos começando a abrir a caixa-preta dos partidos”, criticou.

Desafio

Desde que a avaliação das movimentações financeiras dessas organizações migrou do MPF para o TSE, há partidos que sequer prestam contas. Outros transferem mais da metade da verba e há suspeita de que parte do dinheiro retorne para as legendas para financiar, por exemplo, as campanhas de candidatos laranjas.

“De acordo com a Lei dos Partidos, 20% do que esses grupos recebem via Fundo Partidário têm de ser transferidos para fundação, e todos têm uma fundação de pesquisa e doutrinação política. Eles fazem isso para que funcionem como instância de pesquisa, estudo e planejamento dos programas de governo para quando vierem a ocupar posições de poder. Mas, com uma ou outra exceção, não se vê grandes produções”, destacou Issa.

O presidente da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, destacou que é necessário mais empenho dos partidos e do poder público para saber o caminho que os recursos do Fundo Partidário percorrem nas entidades ligadas às legendas. “Essas fundações, na verdade, são privadas. Dentro do próprio partido deve ter conselhos para fiscalizar. O que temos de atentar é que são recursos públicos”, frisou. “As entidades privadas que recebem recursos do Erário estão completamente obrigadas, pela Lei da Transparência, a prestar contas e a dizer o que estão fazendo com o que recebem. Conheço trabalhos desenvolvidos por partidos absolutamente inúteis.”