Correio braziliense, n. 20372, 01/03/2019. Mundo, p. 14

 

Diplomacia afinada

Rodolfo Costa

01/03/2019

 

 

Venezuela / Em visita intensa a Brasília, o presidente interino Juan Guaidó confirma o apoio do governo Bolsonaro, mas recua do pedido de intervenção externa no país e defende a resistência pacífica contra Nicolás Maduro

O presidente interino autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, parte hoje de Brasília com destino ao Paraguai levando na bagagem declarações firmes de apoio do presidente Jair Bolsonaro, além de um “mea-culpa” pelo apoio dos governos petistas ao governo chavista de Caracas. A agenda intensa de Guaidó incluiu, ainda, uma visita ao Congresso e um encontro com diplomatas europeus. Em uma inflexão do tom que adotou na segunda-feira, em Bogotá, durante reunião do Grupo de Lima, o líder opositor assegurou que a resistência ao governo de Nicolás Maduro é pacífica. Ele anunciou que retornará à Venezuela até segunda-feira, embora a Justiça pretenda puni-lo por violar uma proibição de deixar o país — e apesar das ameaças de que alega ser alvo.

Falando à imprensa ao lado do anfitrião, depois da reunião mantida no Planalto, Guaidó agradeceu o apoio do governo brasileiro, que o reconheceu como presidente interino horas depois da proclamação feita pela Assembleia Nacional, em 23 de janeiro. Garantiu que a oposição tentou, sem sucesso, várias rodadas de negociação com Maduro, e sustentou que manter “um falso diálogo” só daria tempo ao chavismo. “O regime de Maduro está tão fraco que tem apenas as armas. Imagine por um segundo o regime de Maduro sem armas. Teríamos condições de fazer eleições livres”, avaliou. “A Venezuela está entre dois caminhos: a ditadura e a democracia”, afirmou. “Faremos uma resistência pacífica, apesar dos presos políticos e da perseguição. Precisamos construir uma alternativa de país.”

Em seu pronunciamento, Bolsonaro se referiu à própria eleição como “um ponto final no populismo”, e emendou um pedido de desculpas pelo apoio de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff aos governos de Maduto e do antecessor, Hugo Chávez. “Faço mea-culpa, aqui, porque dois ex-presidentes do Brasil tiveram parte, foram responsáveis pelo que vem acontecendo na Venezuela”, disse o presidente brasileiro, antes de reafirmar o apoio à oposição venezuelana. “Não pouparemos esforços — dentro, obviamente, da legalidade, da nossa Constituição e de nossas tradições — para que a democracia seja restabelecida na Venezuela. E todos nós sabemos que isso será possível através não apenas de eleições, mas de eleições limpas e confiáveis.”

Proibido de deixar a Venezuela pela Justiça chavista, Guaidó esteve no fim de semana acompanhando da Colômbia a tentativa de enviar ajuda humanitária ao país, frustrada pelo fechamento das fronteiras, inclusive com o Brasil. A Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, autorizou o presidente interino a permanecer no exterior até segunda-feira. “Eu e meus familiares recebemos ameaças pessoais, e também ameaças de encarceramento por parte do regime de Maduro. Mesmo assim, isso não vai evitar o nosso retorno”, garantiu.

O líder oposicionista voltou a enfatizar a necessidade de conquistar o apoio das Forças Armadas, até o momento leais ao presidente chavista. “Temos falado de anistia e garantias aos militares que se ponham do lado da Constituição. Temos falado de anistia e garantia a civis que respeitem o processo democrático”, afirmou. Guaidó admitiu que se trata de assunto “polêmico”, mas fez questão de enfatizar que “violações aos direitos humanos não são anistiáveis”. Atento à necessidade de aprofundar o isolamento diplomático do regime, o visitante prometeu honrar “todos os convênios e acordos que foram assinados legalmente na Venezuela”, e emendou: “Maduro não protege ninguém da fome nem da insegurança. Mas também não protege os investidores: como um país ou uma empresa que investiu milhões de dólares consegue recuperar o investimento com uma inflação de 2.000.000%?”

A passagem de Guaidó pelo Congresso foi marcada por bate-boca entre opositores e partidários do chavismo. Pouco antes de o visitante deixar o Senado, onde se reuniu com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), um assessor chamou-o de “golpista”. O manifestante foi hostilizado, a gritos de “fora, comunista” e “vai para a Venezuela”, até ser retirado à força por agentes da Polícia Legislativa.

Frase

“Imagine por um segundo o regime de Maduro sem armas. Teríamos condições de fazer eleições livres”

Juan Guaidó, presidente interino autoproclamado da Venezuela

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Aumentam as deserções

01/03/2019

 

 

 

 

Mais de 500 membros das Forças Armadas da Venezuela desertaram e foram para a Colômbia desde o último sábado, quando o presidente Nicolás Maduro fechou a fronteira entre os dois países e barrou a entrada de ajuda humanitária. A autoridade migratória colombiana, responsável pela informação, não revelou detalhes sobre os desertores. Segundo o órgão, todo o grupo recebeu salvo-conduto. Se eles (desertores) não “pretendem afetar a segurança” do país, começaremos o processo para que recebam refúgio”, disse o diretor da entidade, Christian Krüger. Caracas sustenta que 100 militares desertaram após receberem “ofertas de até US$ 20 mil” para “trair o país”.

O comunicado do serviço colombiano informou que a maior parte dos 567 militares entrou nos departamentos de Norte de Santander e Arauca. As deserções ocorreram depois de o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, reconhecido como presidente interino por 50 países, incluindo a Colômbia, oferecer anistia aos membros das Forças Armadas que romperem com Maduro.

Confrontos

No último sábado, o bloqueio das fronteiras da Venezuela com a Colômbia e o Brasil provocou confrontos entre manifestantes venezuelanos e forças fiéis a Maduro. Caminhões abastecidos com toneladas de alimentos e remédios foram queimados. Quatro pessoas morreram e 300 ficaram feridas, segundo balanço da ONU. A Venezuela conta com efetivo de 365.315 militares e de 1,6 milhão de milicianos civis.

O ministro venezuelano da Defesa, Vladimir Padrino López, chamou os desertores de mercenários por, segundo ele, terem aceito dinheiro para abandonar a Guarda Nacional Bolivariana (GNB). “Nós contamos mais de uma centena de agentes da Guarda Nacional, entre oficiais, muito poucos oficiais, que cruzaram a fronteira com expectativas sobre a oferta de até US$ 20 mil. Para nós, eles nunca foram soldados; um soldado nunca pode ser um mercenário, um soldado atende a código de princípios, de ação ética no exercício de sua profissão”, disse Padrino López, em entrevista à jornalista da Telesur, Madelein García.

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Rússia veta resolução contra Maduro

01/03/2019

 

 

 

Rússia e China usaram ontem o poder de veto, no Conselho de Segurança da ONU, para derrubar um projeto de resolução apresentado pelos Estados Unidos sobre a crise na Venezuela. O texto propunha a convocação de novas eleições presidenciais e garantias à entrada de ajuda humanitária no país. A proposta teve o voto favorável de nove dos 15 países-membros do conselho, incluindo os de França, Reino Unido e Alemanha, além dos EUA. A África do Sul acompanhou o voto contrário de Moscou e Pequim. Indonésia, Guiné Equatorial e Costa do Marfim se abstiveram.

Na mesma sessão, um projeto  para afirmar o reconhecimento de Nicolás Maduro como presidente teve apenas quatro votos a favor. A Rússia, autora da proposta, conseguiu o apoio de China, África do Sul e Guiné Equatorial. Sete países-membros representantes votaram contra o texto. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (EUA, Reino Unido, França, Rússia e China) detêm o poder de vetar uma resolução, ainda que majoritária, dando o voto contrário.

O projeto de resolução apresentado pelos EUA afirmava que Maduro causou um “colapso econômico” na Venezuela, o que tornaria necessário “prevenir a deterioração” da crise humanitária. O texto pedia, ainda, a “entrada sem entraves” de ajuda humanitária exterba e a realização de “eleições livres, justas e confiáveis”, na presença de observadores internacionais. Nesse ponto, definia a última eleição de Maduro, em maio de 2018, como “nem livre, nem justa”.

Outra proposta americana era dar apoio à “restauração pacífica da democracia e do Estado de direito” na Venezuela, por meio de um acordo negociado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.

Moscou apresentou resolução alternativa que, segundo a agência de notícias russa Interfax, defendia que devem ser os próprios venezuelanos os responsáveis pela busca de soluções para a crise, por meio de um processo político pacífico baseado no Mecanismo de Montevidéu — que aposta no diálogo e na negociação e foi ativado com a intermediação de Uruguai, México e Comunidade do Caribe (Caricom).

Além disso, o documento considerava inadmissíveis tanto a ingerência externa na Venezuela como as ameaças de uso da força contra o governo de Maduro. Quanto à ajuda humanitária, a minuta da proposta russa destacava que qualquer operação deveria ser pactuada com o governo de Caracas.

Ainda na frente diplomática, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) exortou ontem o regime venezuelano a proteger a vida do líder opositor Juan Guaidó, após reportar denúncias de ameaças de morte contra ele e a família. Entidade autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA), a CIDH lembrou às autoridades venezuelanas o dever de cumprirem com as medidas de proteção outorgadas em 25 de janeiro a Guaidó, reconhecido por mais de 50 países como presidente interino da Venezuela.