O globo, n. 31285, 03/04/2019. País, p. 8

 

Temer vira réu no Rio e alvo de nova denúncia em São Paulo

Juliana Castro

03/04/2019

 

 

Juiz Bretas aceita acusação sobre desvios em Angra 3; MPF paulista afirma que ex-presidente lavou dinheiro ilícito

No mesmo dia, o ex-presidente Michel Temer sofreu duas derrotas na Justiça. No Rio, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, aceitou as duas denúncias apresentadas na semana passada pelo Ministério Público Federal contra Temer e mais 11 pessoas por desvios de dinheiro em obras na usina de Angra 3. Ele agora é réu sob acusação de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.

Já em São Paulo, o MPF ofereceu denúncia à Justiça contra Temer e uma de suas filhas, Maristela, por lavagem de dinheiro. Amigo de Temer e apontado por investigações como seu operador, o coronel João Baptista Lima e sua mulher, Maria Rita Fratezi, também foram denunciados pelo crime.

No caso que corre na Justiça Federal do Rio, também viraram réus o ex-ministro Moreira Franco e o coronel Lima. Na decisão em que recebe as denúncias, Bretas reafirma sua competência para julgar os casos, uma vez que foi ele quem decidiu sobre os processos anteriores envolvendo desvios nas obras da usina nuclear de Angra 3. E acrescenta que o MPF apresentou diversos elementos de prova.

Bretas vê 'provas'

Para o juiz, o Ministério Público apresentou “inúmeros elementos de prova, que vão desde registros de ligações, mensagens eletrônicas, depoimentos prestados diretamente ao MP, relatórios da Receita Federal, relatórios de inteligência financeira, inquéritos policiais relativos ao feito”. Bretas completou que a investigação “expôs com clareza os fatos criminosos”.

A denúncia cita a contratação irregular da finlandesa AF Consult, da Engevix e da Argeplan, empresa de coronel Lima, para um contrato na usina nuclear de Angra 3, com a apropriação, segundo os procuradores, de quase R$ 11 milhões dos cofres públicos. Para o MPF, a Argeplan foi colocada no contrato como forma de devolução da propina para Temer.

Já o MPF em São Paulo acusou o ex-presidente e sua filha Maristela pelo crime de lavagem de dinheiro. Para a força-tarefa da Lava-Jato no estado, a reforma da casa da filha do ex-presidente, no bairro de Alto de Pinheiros, foi paga por meio de propina desviada das obras da usina de Angra 3.

O caso que estava em apuração pelo MPF de São Paulo é o do inquérito dos portos, cuja investigação tenta comprovar se o ex-presidente favoreceu empresas do setor portuário por meio de um decreto.

O caso corria no Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi enviado a São Paulo após Temer perder o foro privilegiado ao deixar a Presidência.

Na peça, são citados pelo menos três pagamentos em espécie por meio da Argeplan, cujos proprietários são o coronel Lima e sua esposa Maria Rita, para prestadores de serviço que atuaram nas obras da casa de Maristela.

As investigações descobriram compras realizadas em nome de Maria Rita; uso do e-mail da Argeplan em recibos de pagamentos de materiais e serviços para a obra; intermediações de compras e serviços pelo próprio Lima; e mensagens pelo WhatsApp entre Maristela e Maria Rita para tratar de pagamentos referentes à obra.

Outro lado

O advogado de Temer, Eduardo Carnelós, afirmou que a acusação é “descabida”. Ele apontou suposta incoerência dos órgãos acusadores pelo fato de a reforma da casa de sua filha ter sido apontada, em momentos diferentes, como fruto de lavagem de dinheiro de propina recebida por obras de Angra 3 ou pela edição do decreto dos portos.

“Temer agora é acusado pela suposta prática de lavagem, em razão de reforma na casa de uma filha. Curioso é que, nos autos do chamado inquérito dos Portos, dizia-se que o dinheiro utilizado na reforma teria sido fruto de pagamento feito por determinado delator, que nenhuma relação tem com a Eletronuclear (Angra 3). Aliás, esta nem mesmo foi mencionada durante a tramitação daquele inquérito”, escreveu o advogado.

“Quando surgiu a ‘operação Descontaminação’, porém, lá estava a história da lavagem por meio da reforma da casa, agora associada a pagamento que teria sido efetuado por delator contratado pela Eletronuclear. Apesar disso, nenhuma das denúncias oferecidas depois pelo MPF/RJ imputou esses fatos, que, agora, surgem na acusação formulada pelo MPF/SP. Por esta última versão, o dinheiro teria ligação com a Eletronuclear.

Michel Temer não recebeu nenhum tipo de vantagem indevida, seja originária de contratação da Eletronuclear, seja originária de qualquer outra operação envolvendo órgãos públicos”, completou o advogado em nota.

O advogado de Maristela Temer, Fernando Castelo Branco, disse que “não houve preocupação em se verificar a veracidade dos fatos” e que “a origem dos valores utilizados para a reforma de sua residência é lícita”. A defesa do coronel Lima e Maria Rita Fratezi informou ao “G1” que ainda não foi notificada.