O globo, n. 31285, 03/04/2019. Rio, p. 10

 

Sob ameaça de cassação

Luiz Ernesto Magalhães

Paulo Cappelli

03/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Por 35 votos a 14, Câmara aprova abertura de processo de impeachment contra Crivella

Em um inédito processo de impeachment aberto na Câmara Municipal do Rio, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) terá dez dias para se manifestar sobre uma denúncia de irregularidades na renovação, por 20 anos, de um contrato de concessão do mobiliário urbano. Ao mesmo tempo, terá pela frente o desafio de costurar o desgastado tecido político de sua relação com os vereadores. O placar de ontem não deixa dúvidas de que a missão é difícil: com 35 votos a favor da ação e apenas 14 contrários, Crivella terá que se explicar ao parlamento. O resultado, que já era previsto e exigia apenas maioria simples, surpreendeu com dois terços da Casa na trincheira contra o governo.

À noite, Crivella usou as redes sociais para tentar desqualificar a denúncia e afirmar que não cometeu qualquer irregularidade. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, ele vai expor seus argumentos por escrito, em vez de ir pessoalmente à Câmara ou indicar um representante. Após notificar o prefeito, a Casa, que já constituiu uma comissão para conduzir o processo, terá 90 dias corridos para decidir pela cassação ou manutenção de seu mandato. Com a missão de contornar a crise do prefeito com o Legislativo carioca, Paulo Messina, que deixou a Secretaria da Casa Civil e reassumiu temporariamente o mandato de vereador, não conseguiu reverter os votos dos colegas. Ele evitou apenas que seu suplente, Jimmy Pereira (PRTB), também votasse a favor da medida.

Ao discursar no plenário, Messina, que, ao longo do dia, teve reuniões a portas fechadas com vários parlamentares, defendeu a tese de que a acusação apresentada deveria ser caso de uma CPI, mas nunca de um pedido de impeachment.

—A ferramenta correta para investigar o caso é uma CPI, não um pedido de impeachment. Como prova de que o governo não tem medo de investigação, eu vou assumir a palavra, diante de vocês, de que serei o primeiro a assinar a abertura de uma CPI se o impeachment for rejeitado. O impeachment não pode ser usado para pressão política — argumentou Messina.

Decisão em julho

Pela primeira vez desde a redemocratização do país, um prefeito do Rio enfrenta um processo de impeachment. O plenário que decidiu estava completo, com 51 vereadores. Antigos aliados de Crivella, como Marcelo Siciliano (PHS) e Carlos Bolsonaro (PSC) votaram contra o prefeito. Na eleição de 2016, a família Bolsonaro pediu votos para Crivella. Apenas o presidente da Casa, Jorge Felippe (MDB), não votou, porque está na linha sucessória do prefeito. Antes de Crivella, a ameaça de uma cassação apenas rondou dois prefeitos: Saturnino Braga e Cesar Maia.

A previsão é que a decisão final da Câmara sobre o destino político de Crivella seja tomada em julho. Um eventual impeachment depende do aval de dois terços dos vereadores, marca que foi atingida ontem.

Os integrantes da comissão que vai dar andamento ao processo de investigação que pode resultar no impeachment foram escolhidos por sorteio. Crivella teve sorte: entre eles está Paulo Messina. Também vão fazer parte do grupo os vereadores Luiz Carlos Ramos (PODE), fiel escudeiro do prefeito que também votou contra a abertura do processo, e Willian Coelho (MDB). Esse último, que chegou a integrar a base de Crivella, ajudando-o a aprovar o aumento do IPTU em 2017, rompeu recentemente com o governo. O motivo teria sido o descumprimento de acordos políticos. Coelho, que ontem votou contra Crivella, vai presidir a comissão.

Nos bastidores, o entendimento é de que acusação, feita por um servidor público, Fernando Lyra Reis, fiscal de atividades econômicas lotado na Secretaria municipal de Famentos zenda, não resultaria num pedido de impeachment em outro cenário político. Mas há vereadores que consideram a denúncia consistente, principalmente por dois aspectos: o contrato de mobiliário urbano, assinado pelo exprefeito Luiz Paulo Conde em 1999, não previa renovação, e as empresas contempladas estão inadimplentes e têm dívidas acumuladas de multas aplicadas pelo município.

Na semana passada, um pedido de impeachment por conta de uma suposta irregularidade na compra de um terreno em Rio das Pedras pela prefeitura foi rejeitado pelo presidente da Câmara e sequer chegou ao plenário. Os arguforam considerados por Jorge Felippe (MDB). Desta vez, a situação é diferente.

Nos próximos dias, uma nova tentativa de mudança na Lei Orgânica pode acontecer, o que permitiria que, em caso de impeachment, o Legislativo indicasse o nome do sucessor de Crivella. Jorge Felippe não nega — nem confirma — que isso está sendo cogitado. Porém, ao falar sobre o trâmite, ele citou a possibilidade de uma eleição indireta na Câmara, o que só seria possível com a mudança na legislação:

— Eu assumo e convoco uma eleição direta em até três meses. Se for eleição indireta, a Câmara tem até um mês para definir o sucessor.

“A ferramenta correta para investigar é uma CPI, não um pedido de impeachment”

Paulo Messina, vereador que deixou a Secretaria da Casa Civil e reassumiu o mandato para tentar barrar o impeachment

“Pessoas mal-intencionadas recorrem a mentiras e calúnias para me atingir, mas não cometemos ilegalidade”

Marcelo Crivella, prefeito, ao se defender numa rede social