O globo, n. 31285, 03/04/2019. Mundo, p. 25

 

Visita tenta reduzir danos e não satisfaz ninguém

André Duchiade

03/04/2019

 

 

Em sua visita a Israel, o presidente Jair Bolsonaro tentou equilibrar o cumprimento de promessas de campanha feitas ao eleitorado evangélico, uma de suas bases, com a preservação das posições históricas da política exterior brasileira e das boas relações com países árabes, importante mercado exportador para o país. Como resultado, transmitiu uma imagem hesitante, que de uma só vez desagradou a múltiplos setores — evangélicos, alas ideológicas do governo, países árabes e Israel — e não satisfez ninguém, afirmam embaixadores aposentados e professores de Relações Internacionais consultados pelo GLOBO.

A motivação que fez de Israel o terceiro país a ser visitado desde a posse, depois de EUA e Chile, envolve gratificações ao eleitorado evangélico. Desde a campanha, Bolsonaro prometia a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Ainda mais do que interessar a comunidade judaica, a pauta tem um valor central para igrejas pentecostais e neopentecostais, que entendem que a soberania israelense na Terra Santa é crucial para o cumprimento de supostas profecias bíblicas relacionadas ao Armagedom e à segunda vinda de Cristo.

—O voto evangélico foi decisivo para Bolsonaro na campanha eleitoral. Ele fez promessas a lideranças evangélicas, e Israel ganhou muita centralidade na pauta política da bancada evangélica nos últimos anos, principalmente a partir de desentendimentos entre o PT e Israel — afirma o professor Guilherme Casarões, da Fundação Getúlio Vargas. —Bolsonaro entendeu que a transferência da embaixada seria uma pauta de fácil implementação. Quando começou a fazer a promessa, ela parecia simples.

Cópia de Trump

Casarões ressalta que, ao lado do agrado ao eleitorado evangélico, o presidente provavelmente também quis imitar a atitude que o presidente americano, Donald Trump, tomou em maio de 2018, quando transferiu a embaixada do seu país. Este mimetismo, diz o professor da PUC-Rio Márcio Scalercio, integra uma política de aliança, sob a primazia americana.

—O governo tem em mente uma política de alianças, liderada pelos EUA e que inclui Israel —afirma Scalercio. —Entende que esta aliança, que também segue critérios ideológicos, é proveitosa.

Ao contrário do esperado, contudo, a transferência da embaixada era uma questão que o embaixador aposentado Jorio Dauster classifica como “de extraordinária complexidade”. A mudança, observa, corresponderia a uma mudança na posição de equidistância no conflito árabe-israelense mantida pelo Estado brasileiro desde a criação de Israel em 1948. Ademais, o Brasil é o maior exportador de carne halal do mundo, tendo exportado US$ 5,92 bilhões do produto para países muçulmanos em 2018, que, na ocasião das primeiras promessas, prometeram retaliar.

Para evitar lidar com as consequências desta transferência, mas não decepcionar completamente os evangélicos, Bolsonaro abriu o escritório de negócios em Jerusalém, postergando, com prazo indefinido, a troca da embaixada —ele afirmou que “o casamento está marcado”, mas depois estimou que acontecerá até 2022, último ano de mandato. Igual medida só foi tomada por Hungria, Eslováquia e República Tcheca, e celebrada pelo premier de Israel, Benjamin Netanyahu, que, ao GLOBO, a descreveu como “muito importante, do ponto de vista econômico quanto político”.

Na próxima terça-feira, no entanto, Netanyahu enfrenta uma difícil eleição, e a transferência da embaixada não é mais uma arma de campanha. No Brasil, líderes evangélicos como o pastor Silas Malafaia e o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) também manifestaram decepção. O chanceler Ernesto Araújo, de costume loquaz , pouco se manifestou. E os países árabes também não se alegraram, com a Autoridade Nacional Palestina anunciando que convocaria o embaixador para consultas (o que ainda não fez) e embaixadores de países árabes pedindo uma reunião com o presidente.

—A solução do escritório não agradou ninguém, mas foi a melhor possível, dadas as condições que estavam na mesa —diz o embaixador aposentado Dauster.

Eleição à vista

Apesar de decepcionar a muitos, na viagem, Bolsonaro tomou atitudes significativas e inéditas, como a ida ao Muro das Lamentações ao lado de Netanyahu. Esta aproximação com Israel, diz o professor da UFRJ Fernando Brancoli, pode gerar mais problemas com países árabes “no futuro, em caso de aprofundamento, mas não imediatamente”. Mais preocupante, segundo ele, foi a vinculação entre as imagens de Bolsonaro e de Netanyahu, assim como já fizera com Trump.

—Há uma eleição em pouquíssimo tempo e nada garante que o primeiro-ministro vá se reeleger. A associação a Netanyahu pode ser um tiro no escuro, nada garante que uma nova liderança veja Bolsonaro como um aliado — pondera.

Para o embaixador aposentado Rubens Barbosa, o essencial, no entanto, permanece:

—A criação de um escritório comercial evita uma mudança dramática na política externa brasileira. O momento talvez não tenha sido o mais oportuno, a ida para o muro ao lado de Netanyahu pode ter sido uma inovação, mas isso não muda a política exterior, que se manteve— afirma Barbosa.