Correio braziliense, n. 20406, 04/04/2019. Brasil, p. 6

 

Vélez quer tirar golpe dos livros didáticos

Ingrid Soares

04/04/2019

 

 

Sociedade/ Ministro da Educação diz que crianças devem saber que %u201Co 31 de março de 1964 foi uma decisão soberana da sociedade brasileira%u201D. Para ele, não houve ditadura militar: "O regime democrático de força era necessário naquele momento"

O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, disse ontem que “haverá mudanças progressivas” nos livros didáticos para resgate de visão sobre o regime militar. Em entrevista ao Valor Econômico, ele afirmou que o objetivo é que as “as crianças possam ter a ideia verídica, real” do que foi aquele momento histórico. Na avaliação de Vélez, não houve golpe em 31 de março de 1964, e o regime também não foi uma ditadura.

“A história brasileira mostra que o 31 de março de 1964 foi uma decisão soberana da sociedade brasileira. Quem colocou o presidente Castello Branco (que assumiu após o golpe) no poder não foram os quartéis”, afirmou. Sobre o regime militar, que durou até 1985, Vélez afirmou que surgiu “de uma composição e de uma decisão política (…) em que o Executivo chamou para si mais funções”.

Apesar da perseguição política, da censura, das torturas e dos assassinatos, o ministro da Educação destacou que se tratou de um “regime democrático de força, porque era necessário nesse momento”.

Na última segunda-feira, o ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, também negou que o regime militar instaurado em 1964 tenha sido um golpe de Estado, mas reconheceu: “Foi uma ditadura com algumas características. Nem todas são iguais”.

Para a diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa, o pronunciamento sobre a intenção de mudar o conteúdo da história reafirma o perfil de retrocesso do MEC. “Não se pode negar a história. A história contada hoje é a real. O que querem fazer, de fato, é a versão única de um olhar militarizado. É um empobrecimento negar a história que o país viveu na ditadura”, criticou. “Não se pode passar para alunos uma história que não é real. Querem retratar uma posição daqueles que praticaram a ditadura. Há coisas mais importantes para ser feitas. No DF, há escolas sem livros didáticos até hoje. Não se altera conteúdo sem discussão na sociedade, de quem está nas escolas. Isso é imposição, autoritarismo.”

O diretor de Estratégia Política do Todos pela Educação, João Marcelo Borges, disse que não cabe a Vélez isoladamente decidir o conteúdo dos livros didáticos. “Nenhum ministro é suficiente para mudar o conteúdo dos livros. Se está insatisfeito, tem de compor comissão segundo as regras da governança pública, contendo participação da sociedade e da academia, para que essa comissão proponha os conteúdos mais adequados”, ressaltou.

Para Borges, o que cabe a Vélez, na verdade, é seguir o que foi aprovado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Os conteúdos estão lá, mas não foram implementados. Têm de ser traduzidos em currículo. Os livros precisam ser atualizados na base, mas a base aprovada não contempla a visão do ministro”, disse. “Ele deveria estar preocupado em garantir a distribuição dos livros para este ano, que já estão atrasados, e acelerar o processo de adaptação dos livros didáticos que fazem parte do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) aos conteúdos que estão na Base do ensino fundamental e médio. É muito mais importante do que entrar em mais uma disputa ideológica.”

Inep

O Ministério Público Federal considerou insuficientes as informações prestadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) acerca da comissão instituída pelo órgão para avaliar o conteúdo das questões do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Ontem, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), solicitou à pasta novos esclarecimentos sobre o tema e concedeu um prazo de cinco dias para respostas.

A comissão para análise do banco de questões foi criada no último dia 20. O grupo teria acesso ao ambiente de segurança máxima e a todo banco de dados do Exame para verificar “a pertinência com a realidade social”. O decreto de mudança foi publicado no Diário Oficial. No dia seguinte, a PFDC enviou ao Inep um ofício pedindo esclarecimentos sobre a comissão.