O globo, n. 31284, 02/04/2019. País, p. 6

 

Mourão: Bolsonaro mandou divulgar vídeo de 64

Gustavo Maia

02/04/2019

 

 

Filme compartilhado via aplicativo de celular, no último domingo, pelo Palácio do Planalto, exalta o golpe militar. Peça foi encaminhada a jornalistas por um telefone da Secretaria de Comunicação Social da Presidência

O presidente em exercício Hamilton Mourão afirmou ontem que a divulgação de um vídeo, pelo Palácio do Planalto, de exaltação ao golpe de 1964 foi decisão do presidente Jair Bolsonaro.

Questionado sobre o compartilhamento do filme, via aplicativo de celular, no dia em que o golpe completou 55 anos, Mourão respondeu:

— Decisão do presidente. Foi divulgado pelo Planalto, é decisão do presidente.

Procurada, a assessoria da Presidência informou que não irá comentar a declaração de Mourão.

Em um tom consonante com as declarações de Bolsonaro sobre a ditadura, o vídeo foi encaminhado a jornalistas por um telefone da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom). Questionado sobre a procedência e a decisão de divulgar o vídeo, o órgão não respondeu até o fechamento desta edição.

Filho compartilhou

Na peça, um senhor diz que quem tem a idade dele se lembra de um momento de “escuridão” para o país. Ele descreve essa época como um “tempo de medos e ameaças”, em que os “comunistas prendiam e matavam seus compatriotas”. Sugere aos jovens que consultem jornais e filmes do período para saber que “havia medo no ar”, “greve nas fábricas” e “insegurança”. O narrador diz, então, que o Brasil se “lembrou” que “possuía um Exército” e, segundo ele, o povo conclamou pela ação dos militares.

“O Exército nos salvou. O Exército nos salvou. Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a história", diz o apresentador.

Com quase dois minutos, o material não tem um selo indicando sua origem e termina com a mensagem de que os militares não querem “palmas nem homenagens”. “O Exército apenas cumpriu o seu papel”, registra o vídeo.

A peça foi compartilhada ainda, via redes sociais, pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Ele escreveu: “Num dia como o de hoje o Brasil foi liberto. Obrigado militares de 64! Duvida? Pergunte aos seus pais ou avós que viveram aquela época como foi?”.

Nas últimas duas semanas, Bolso na roca usou polêmica ao determinara comemoração da data. Criticado, recuou e disse que a intenção do governo era, na verdade, “rememorar” o dia.

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Apresentador de filmete é ator e já gravou peça para gestão Dilma

02/04/2019

 

 

Paulo Amaral disse que ‘não tinha ideia’ do que seria feito com o vídeo

Protagonista do vídeo pró-ditadura divulgado pelo Palácio do Planalto no último domingo, o homem que aparece à frente da bandeira do Brasil agradecendo ao Exército pelo golpe de 1964 é um ator profissional especializado em propagandas. Localizado pelo GLOBO ontem, Paulo Amaral afirmou ter sido contratado no último sábado apenas para “para fazer um comercial, para ler um texto”.

Sem revelar se apoiava as ideias expostas no vídeo ou o projeto político do presidente Jair Bolsonaro, Amaral disse que “não tinha ideia” do que seria feito da gravação e nem que “iria dar esse problema que deu”.

O ator também não quis revelar quem o teria contratado nem quanto teria recebido pelo serviço: “É particular”. O GLOBO então solicitou que ele repassasse o telefone da reportagem aos responsáveis pelo vídeo que, até o momento desta edição, não entraram em contato.

—Um produtor me chamou, falou “Paulo, eu preciso que você faça um texto pra mim, te pago tanto, você faz?”. Eu falei “faço”. Mas morreu aí, não sei qual é a produtora, pra te dizer a verdade. Foi só isso. Não tinha nenhuma ideia. Só gravei. O rapaz arquivou e não falou se ia ser um comercial, não falou nada —disse Amaral.

Ele afirmou ainda que “não tinha a mínima ideia dessa repercussão" e ficou sabendo da divulgação do vídeo no domingo à noite, ao receber uma ligação do filho.

—No momento, não posso falar nada porque eles (diretores e produtores) estão em reunião para saber o que vão fazer para que eu não seja o prejudicado. Porque eu simplesmente fui contatado para fazer um comercial, para ler um texto. Não tinha ideia, não podia imaginar que ia dar um... esse problema que deu —afirmou o ator.

Eclético

No Facebook, o perfil de Amaral exibe vídeos de comerciais nos quais ele já atuou. Um deles é sobre investimentos no Banco do Brasil, postado por ele em 2011, na gestão da petista Dilma Rousseff. Em outro, batizado de “Frequência Gay” e criado para o portal “Mix Brasil”, ele representa um passageiro que ouve uma música que só seria ouvida por homossexuais e demonstra incômodo. Contra a homofobia, a peça insta o público a rever conceitos. Na rede social, o ator divulgou a propaganda: “Tô na frequência, e você?”.

Opinião do GLOBO

Beligerância

ERA DISPENSÁVEL o vídeo divulgado pelo governo no domingo referente ao 31 de março de 1964. Só serviu, como de resto a própria determinação do presidente Bolsonaro para que a data fosse “rememorada” nos quartéis, para incentivar choques desnecessários na sociedade brasileira, que precisam ficar no passado.

O FATO de ser divulgado por um canal oficial do governo, mas sem a logomarca do Planalto, foi explicado pelo vice, Hamilton Mourão, por ter sido iniciativa do próprio Bolsonaro.

PREOCUPA, MAS é bom o sinal de que há no Executivo quem deseja conter os ânimos beligerantes.